Em Portugal, a Educação vive contradições insanáveis. Não conheço, nem quero conhecer, o que se passa nos gabinetes do Ministério da Educação, conheço apenas o que neles é produzido e que até nós chega. E o que nos tem chegado, ao longo dos últimos anos, é a imagem do caos, da desorientação instalada.
Era uma inevitabilidade isto acontecer? Era. Lamentavelmente, não poderia ser de outro modo. Na verdade, não chega proclamar aos ventos grandes paixões pela Educação e proclamar aos ventos que a Educação é a grande prioridade do país, se não se sabe como nem para onde deve ser conduzida essa paixão. Não chega ter meia dúzia de clichês na ponta da língua para encher discurso. Não chega e não é sério.
Nos partidos políticos, não há quem se dedique, com rigor e profundidade, a pensar a Educação (se há, nunca chegou a ministro). Os políticos profissionais sofrem de um gravíssimo defeito: julgam que a política é o reino do discurso apelativo, salpicado de meia dúzia de ideias gerais, e que o aprofundamento dos assuntos não é da sua competência, porque eles têm coisas mais importantes para fazer. A eles apenas lhes cabe dar as orientações gerais, porque as coisas mais técnicas os técnicos que as resolvam. Ora, esta ligeireza e pueril irresponsabilidade resultam sempre em desastre: nem as grandes ideias ou grandes orientações podem alicerçar-se no vazio ou no desconhecimento da realidade e das questões técnicas, nem as questões técnicas são puramente técnicas e nada resolvem se não estiveram vinculadas a ideias.
Há, por conseguinte, uma impreparação de base dos líderes que compromete a possibilidade de existência de uma verdadeira política educativa para Portugal. Há umas frases bonitas, há uns slogans, há uns «bitaites», há uns sorrisos e pouco mais.
Por exemplo, que semelhanças políticas existem entre Guterres e Sócrates? Nenhumas. Todavia, ambos proclamaram grande paixão pela Educação. O que os une? Nada. Que semelhanças políticas há entre Ana Benavente, Lurdes Rodrigues e Isabel Alçada? Nenhumas. Todavia, todas elas foram escolhidas e estiveram ao serviço de primeiros-ministros do mesmo partido político, neste caso do PS. O PS tem uma política para a Educação? Não tem. Tem uma ideia para a Educação, em Portugal? Não tem. Não pode ter, se tivesse, não poderia ter escolhido para concretizar essa política ou essa ideia, gente tão díspar que pensa e age de modo totalmente contrário.
Faltando ideias claras no topo (primeiros-ministros e ministros), as estruturas intermédias do Ministério da Educação trabalham anarquicamente, ao sabor das conjunturais correlações de forças nelas existentes e das variações de humor dos sucessivos(as) ministros(as) e Governos. Há, todavia, deve reconhecer-se, uma corrente dentro desse Ministério que tem sobrevivido a várias intempéries políticas, é a corrente prosaicamente designada de «eduquês», ou, numa versão mais erudita, a corrente dos «cientistas» da educação. O problema é que o «eduquês» é, ele próprio, uma amálgama de contradições e de más opções. Estes «cientistas» vivem no mito e na obsessão de cientificizar o acto educativo. Paradoxalmente, o seu permanente insucesso é também a sua salvação: a não concretização do seu objectivo (perdão, «meta» — em «eduquês», agora, os objectivos passaram a ser metas e as metas passaram a ser objectivos...) é o que aparentemente justifica a sua existência e a sua permanente azáfama.
Sucedem-se as modas pedagógicas, com a mesma regularidade e naturalidade com que se sucedem as modas do vestuário. Fazem e desfazem, dizem e desdizem como se tudo acontecesse pela primeira vez: trocam-se objectivos por metas, por metas finais, por metas intermédias, já houve correlação entre objectivos gerais e objectivos específicos, já não há, os objectivos assumiram outra natureza, mas há as capacidades, há as competências, as valências, as polivalências, os parâmetros, os indicadores, os instrumentos de concretização e as estratégias, as reprovações que passaram a retenções, há os projectos educativos, mais os projectos curriculares de escola, mais os projectos curriculares de turma, mais os planos de enriquecimento curricular, mais os planos de desenvolvimento dos departamentos, há a multiculturalidade, mais a inclusão, mais a educação para a saúde, para a educação sexual e para a ambiental, há os processos e os produtos, o extracurricular e o complemento curricular, há a avaliação diagnóstica, que antes era qualitativa, mas que agora pode ser quantitativa, há as monitorizações disto e daquilo e a homogeneização de processos, há o apoio pedagógico e os planos de recuperação, há as aprendizagens relevantes, as competências específicas, as gerais e as fundamentais e há tudo aquilo que o «cientista» da educação quiser porque a imaginação é infinita e a paciência dos professores que suportam tudo isto também o é.
O estado a que a Educação chegou é grave. A Educação, em Portugal, baloiça entre extremos que, paradoxalmente, por vezes convergem: baloiça entre a política do facilitismo como matriz de todo acto de ensinar e de aprender (que comporta a absoluta não directividade, a rejeição do esforço e do sacrifício, a total liberdade do auto-desenvolvimento, o fim das reprovações) e o desejo de cientificizar a educação (que atinge delírios frequentes, ao procurar burocratizar o ensino e a aprendizagem ou a desmembrá-los numa incomensurável atomização de comportamentos).
A ausência, há vários anos, de uma política educativa tem possibilitado e potenciado os desvarios dos «técnicos» da Educação. Ao que acresce a presente obsessão pela manipulação dos resultados estatísticos — que justifica que não se olhe a meios para atingir os fins, e que se despreze a cultura do conhecimento, do rigor, do trabalho e da responsabilidade.
Chegados a este ponto, e se este caminho não for interrompido, tornar-se-á, a breve prazo, um imperativo proceder ao julgamento cívico (já que o criminal ainda não é possível) de quem durante anos fez e faz da política em geral e, em particular, da política educativa um jogo diletante e uma montra de vaidades.
Era uma inevitabilidade isto acontecer? Era. Lamentavelmente, não poderia ser de outro modo. Na verdade, não chega proclamar aos ventos grandes paixões pela Educação e proclamar aos ventos que a Educação é a grande prioridade do país, se não se sabe como nem para onde deve ser conduzida essa paixão. Não chega ter meia dúzia de clichês na ponta da língua para encher discurso. Não chega e não é sério.
Nos partidos políticos, não há quem se dedique, com rigor e profundidade, a pensar a Educação (se há, nunca chegou a ministro). Os políticos profissionais sofrem de um gravíssimo defeito: julgam que a política é o reino do discurso apelativo, salpicado de meia dúzia de ideias gerais, e que o aprofundamento dos assuntos não é da sua competência, porque eles têm coisas mais importantes para fazer. A eles apenas lhes cabe dar as orientações gerais, porque as coisas mais técnicas os técnicos que as resolvam. Ora, esta ligeireza e pueril irresponsabilidade resultam sempre em desastre: nem as grandes ideias ou grandes orientações podem alicerçar-se no vazio ou no desconhecimento da realidade e das questões técnicas, nem as questões técnicas são puramente técnicas e nada resolvem se não estiveram vinculadas a ideias.
Há, por conseguinte, uma impreparação de base dos líderes que compromete a possibilidade de existência de uma verdadeira política educativa para Portugal. Há umas frases bonitas, há uns slogans, há uns «bitaites», há uns sorrisos e pouco mais.
Por exemplo, que semelhanças políticas existem entre Guterres e Sócrates? Nenhumas. Todavia, ambos proclamaram grande paixão pela Educação. O que os une? Nada. Que semelhanças políticas há entre Ana Benavente, Lurdes Rodrigues e Isabel Alçada? Nenhumas. Todavia, todas elas foram escolhidas e estiveram ao serviço de primeiros-ministros do mesmo partido político, neste caso do PS. O PS tem uma política para a Educação? Não tem. Tem uma ideia para a Educação, em Portugal? Não tem. Não pode ter, se tivesse, não poderia ter escolhido para concretizar essa política ou essa ideia, gente tão díspar que pensa e age de modo totalmente contrário.
Faltando ideias claras no topo (primeiros-ministros e ministros), as estruturas intermédias do Ministério da Educação trabalham anarquicamente, ao sabor das conjunturais correlações de forças nelas existentes e das variações de humor dos sucessivos(as) ministros(as) e Governos. Há, todavia, deve reconhecer-se, uma corrente dentro desse Ministério que tem sobrevivido a várias intempéries políticas, é a corrente prosaicamente designada de «eduquês», ou, numa versão mais erudita, a corrente dos «cientistas» da educação. O problema é que o «eduquês» é, ele próprio, uma amálgama de contradições e de más opções. Estes «cientistas» vivem no mito e na obsessão de cientificizar o acto educativo. Paradoxalmente, o seu permanente insucesso é também a sua salvação: a não concretização do seu objectivo (perdão, «meta» — em «eduquês», agora, os objectivos passaram a ser metas e as metas passaram a ser objectivos...) é o que aparentemente justifica a sua existência e a sua permanente azáfama.
Sucedem-se as modas pedagógicas, com a mesma regularidade e naturalidade com que se sucedem as modas do vestuário. Fazem e desfazem, dizem e desdizem como se tudo acontecesse pela primeira vez: trocam-se objectivos por metas, por metas finais, por metas intermédias, já houve correlação entre objectivos gerais e objectivos específicos, já não há, os objectivos assumiram outra natureza, mas há as capacidades, há as competências, as valências, as polivalências, os parâmetros, os indicadores, os instrumentos de concretização e as estratégias, as reprovações que passaram a retenções, há os projectos educativos, mais os projectos curriculares de escola, mais os projectos curriculares de turma, mais os planos de enriquecimento curricular, mais os planos de desenvolvimento dos departamentos, há a multiculturalidade, mais a inclusão, mais a educação para a saúde, para a educação sexual e para a ambiental, há os processos e os produtos, o extracurricular e o complemento curricular, há a avaliação diagnóstica, que antes era qualitativa, mas que agora pode ser quantitativa, há as monitorizações disto e daquilo e a homogeneização de processos, há o apoio pedagógico e os planos de recuperação, há as aprendizagens relevantes, as competências específicas, as gerais e as fundamentais e há tudo aquilo que o «cientista» da educação quiser porque a imaginação é infinita e a paciência dos professores que suportam tudo isto também o é.
O estado a que a Educação chegou é grave. A Educação, em Portugal, baloiça entre extremos que, paradoxalmente, por vezes convergem: baloiça entre a política do facilitismo como matriz de todo acto de ensinar e de aprender (que comporta a absoluta não directividade, a rejeição do esforço e do sacrifício, a total liberdade do auto-desenvolvimento, o fim das reprovações) e o desejo de cientificizar a educação (que atinge delírios frequentes, ao procurar burocratizar o ensino e a aprendizagem ou a desmembrá-los numa incomensurável atomização de comportamentos).
A ausência, há vários anos, de uma política educativa tem possibilitado e potenciado os desvarios dos «técnicos» da Educação. Ao que acresce a presente obsessão pela manipulação dos resultados estatísticos — que justifica que não se olhe a meios para atingir os fins, e que se despreze a cultura do conhecimento, do rigor, do trabalho e da responsabilidade.
Chegados a este ponto, e se este caminho não for interrompido, tornar-se-á, a breve prazo, um imperativo proceder ao julgamento cívico (já que o criminal ainda não é possível) de quem durante anos fez e faz da política em geral e, em particular, da política educativa um jogo diletante e uma montra de vaidades.