sábado, 23 de outubro de 2010

Ao sábado: momento quase filosófico

Dualistas vs Fisicalistas

«O debate mente-corpo continua até hoje, mas tornou-se mais subtil e mais complexo, apesar de os termos básicos não terem mudado. Ainda há dualistas de vários tipos que afirmam que a mente é uma coisa diferente dos impulsos neuroeléctricos do cérebro. E há os fisicalistas que defendem que os estados mentais são idênticos a estados neurais. E depois temos os funcionalistas, que são basicamente neutros nesta questão, por isso quem é que precisa deles?
Um divertido contributo filosófico para o debate sobre o que pode ser uma mente é o chamado "problema do morto-vivo". [...]
O problema do morto-vivo é um desafio para os fisicalistas, que afirmam que, depois de descrevermos o cérebro e a forma como ele funciona electricamente, não há mais nada para descrever. O funcionamento das nossas "mentes" — sensações, pensamentos, intenções — está sujeito às leis da física e todas as nossas "mudanças de ideias" são o resultado de causas físicas, neuroeléctricas.
O filósofo americano do século XX Saul Kripke colocou a questão fisicalista fundamental da seguinte forma: Imagine-se um Deus que dá vida a um mundo exactamente igual ao nosso, que funciona exclusivamente de acordo com as leis da física. Teria o Criador de fazer mais alguma coisa para criar a consciência humana? [...]
Entram os defensores dos mortos-vivos. Presumivelmente, os mortos-vivos são seres humanos sem consciência mas, não obstante, andam de um lado para o outro e fazem todas as coisas que os seres humanos fazem. Assim, se os mortos-vivos existem, isso exclui o fisicalismo porque se o fisicalismo estivesse certo os mortos-vivos teriam consciência!
Mas espera um instante. Talvez os mortos-vivos não existam. (Nós nunca vimos um, e temos ido a algumas festas bem paradas). Não há problema, dizem os mais manhosos defensores da teoria dos mortos-vivos. A simples possibilidade de os mortos vivos existirem é suficiente para contestar o fisicalismo. Assim, os defensores dos mortos-vivos imaginam cenários concebíveis. Diz o filósofo britânico contemporâneo Robert Kirk que podemos imaginar microliliputianos dentro da cabeça de Gulliver a desligarem-lhe os nervos receptores e os nervos motores. Estes pequenos trapaceiros recebem todas as entradas no cérebro de Gulliver e lançam os seus próprios sinais para os músculos. Para o simples observador, Gulliver parecerá o mesmo de sempre, apesar de não ter consciência. Com efeito será um zombie. Dessa forma, diz Kirk, uma vez que conseguimos imaginar este cenário, a consciência deve ser algo diferente dos simples sinais físicos.
Mas esperem, exclamam os fisicalistas! Ser concebível não é o mesmo que ser possível! É possível conceber estes nanoliliputianos, mas a verdade é que eles não são possíveis no mundo real.
Nesta fase, o argumento deixa de poder ser expresso em palavras e a nossa mente — ou cérebro, conforme preferirem — desliga-se.»
Thomas Cathcart, Daniel Klein, Heidegger e um Hipopótamo Chegam às Portas do Paraíso, pp.120-123.