sábado, 30 de outubro de 2010

Maio ainda tão longe

Interrogo-me muitas vezes sobre o que pensarão de si próprios os nossos dirigentes políticos. É uma interrogação que regularmente me assola e, nestes últimos dias, voltou a assolar-me.
Por mais que tente, não consigo compreender como é possível um político afirmar convictamente que "A" tem de ser assim e que nem pensar ser de outro modo e, depois, afirmar o seu contrário, com a mesma ou maior convicção. Na política dos primeiros anos da nossa democracia, estas contradições também se davam, mas eram espaçadas de meses ou anos; agora, talvez devido ao avanço tecnológico, o diz e o desdiz político pode ser intervalado apenas de horas.
Na era de Sócrates, estas situações tornaram-se rotina. O líder do PS convive extraordinariamente bem com elas, pratica-as em abundância e não revela sinal de remorso. O processo que levou ao recente acordo, entre o Governo e o PSD, sobre o Orçamento do Estado, confirmou esta boa prática governativa e confirmou um outro exímio praticante da mesma: Teixeira dos Santos. Este, depois de, num dia, ter lido um desenvolvido texto a justificar a ruptura das negociações e a explicar a irresponsabilidade das propostas do PSD e de ter chamado mentiroso a Catroga, foi, poucas horas depois, telefonar a quem apelidou de mentiroso, prestou-se a ir a casa dele e foi nessa casa que acabou a assinar um acordo.
O sentido da dignidade desapareceu completamente da política. Já ninguém liga a isso, já ninguém sabe o que isso é.
António Guterres fugiu para não se atolar no pântano, como, na altura, explicou. Sócrates nem isso é capaz de fazer. Sócrates, Teixeira dos Santos e o resto da equipa gostam do pântano, vivem e convivem bem no pântano.
Passos Coelho, apesar do pouco tempo que leva de exercício na função de líder, também já mostrou pendor para a mesma prática — ainda que, ao contrário do entufado Sócrates, tenha tido a iniciativa de pedir desculpa, quando, pela primeira vez, deu o dito por não dito. Contudo, agora que voltou a desdizer-se, ainda não deu sinais de que repetirá o acto de contrição.
Para além de tudo o resto, Portugal vive uma crise que também é derivada da elite medíocre que o governa. Do ponto de vista político, técnico e ético estes políticos são do pior que trinta e seis anos de democracia revelaram. Como foi possível juntar num só governo tanta gente deste jaez?
Políticos assim, quando se olham ao espelho, vêem o quê? Que ideia têm de si próprios? Como se auto-avaliam?
Lamento que o mês de Maio ainda esteja tão longínquo.