sábado, 16 de outubro de 2010

Ao sábado: momento quase filosófico

Corpo, Alma, Mente, Estados Mentais, Imortalidade e por aí fora

Muitas das funções da alma descritas pelos pré-socráticos e por Platão e Aristóteles são aquilo a que chamaríamos actualmente funções da mente: locomoção, conhecimento, percepção, desejo, vontade, raciocínio. De facto, a palavra grega para alma é
psique, uma palavra que utilizamos agora com a acepção de "mente". A psicologia, o estudo moderno da psique, é o estudo da mente, não o estudo da alma.
Então, o que é que nós, ocidentais, temos em mente quando nos referimos a uma "mente"? Proporcionará ela alguma pista para a questão da imortalidade? Por exemplo, em que medida é que ela difere daquela parte do nosso corpo situada no crânio — o cérebro? Se a alma é apenas a mente e a mente é apenas o cérebro, lá se vai qualquer hipótese de imortalidade. Uma expressão que se ouve frequentemente na UCI é ilustrativa: morte cerebral.
No século XVII, René Descartes, o pai da filosofia moderna, apresentou a visão dualista de que a Mente e a Matéria (que inclui o cérebro) são dois tipos completamente diferentes de seres que ocupam reinos diferentes com regras diferentes, sem nenhum ponto em comum. Mas isso suscita uma questão: se não coincidem de alguma forma — se existem em esferas separadas —, como é possível que a matéria possa causar alterações na mente e a mente possa causar alterações no mundo material? Aparentemente, por exemplo, os objectos físicos causam as percepções que temos deles e a nossa "vontade" parece levar partes do nosso corpo a mexerem-se. E depois existem certas substâncias químicas que podem provocar alterações substanciais nas nossas mentes [...].
Afinal, qual é exactamente a ligação entre Corpo e Mente? [...]
Os "comportamentalistas lógicos", incluindo o filósofo britânico do século XX Gilbert Ryle, aprofundaram o conceito. Ryle ridicularizou a visão de Descartes de que a mente e o corpo são dois tipos diferentes de seres e que de certa forma a mente "habita" no corpo. Ryle chamou a essa ideia "o fantasma na máquina". Declarou que Descartes nos tinha induzido ao longo de séculos a tentar definir que tipo de entidade é esse fantasma, quando na verdade a mente nem sequer é uma entidade. Ter uma mente não significa possuir uma determinada coisa; significa simplesmente ter certas capacidades e disposições. Achamos que os estados mentais, como as crenças e os desejos, originam o nosso comportamento. Na verdade, o nosso comportamento é causado por disposições para nos comportarmos de determinadas maneiras e os nossos estados mentais reflectem simplesmente essas disposições. Isso aparentemente não deixa nada que seja imortal; é difícil imaginar capacidades e disposições imortais. [...]
[Mas] se os estados mentais não causam nada de onde vêm as criações da mente? Serão todas as nossas criações apenas produções do sistema eléctrico do nosso cérebro? Se assim for, um sistema informático sofisticado não poderia criar uma piada de primeira classe? Avaliemos por nós próprios. Programadores apresentaram este desafio aos supercomputadores da Universidade de Edimburgo e aqui estão as piadas que a máquina criou:
"Que tipo de linha tem dezasseis bolas? Um taco de bilhar!"
Numa escala de riso de um a cinco, que lhe parece?
"Que tipo de pessoa tem fibra moral? Um cultivador de cereais."
[É melhor pararmos por aqui...]
Thomas Cathcart, Daniel Klein, Heidegger e um Hipopótamo Chegam às Portas do Paraíso, pp.114-120.