A propósito do campeonato de tango que decorreu em Buenos Aires, Ricardo Dias Felner escreveu, na semana passada, no Público, este belo texto. Um texto que dança...
Agora tocam-se levemente, oficialmente, como um cumprimento entre duas pessoas que acabam de se conhecer. As pernas dela avançam em sentido contrário, cruzam-se, escondem a intimidade, só praticamente os dedos dos pés assentando no chão, o corpo esticado: quer parecer alta e altiva e delicada.
Ele perscruta-a, os olhos agarram-na, registam como reage às suas pequenas provocações, coisas subtis que se passam naquele metro quadrado: uma expiração mais forte que percorre o pescoço de cima para baixo e acaba na orelha, um toque fugaz da pélvis, ainda um toque muito fugaz. Ela resiste, experimenta-lhe a destreza. Com a cabeça erecta, queixo subido, troca-lhe os passos, os pés muito rápidos fugindo dos seus. O homem, contudo, confia na sua técnica e no cabelo grisalho. Há um momento em que transportará uma das suas pernas pelo ar, um boleo rápido e espectacular. E há este segundo parado em que encosta a face na face dela, o nariz quase dentro do seus olhos pintados, cheirosos, a boca a quatro dedos da boca dela.
Estão finalmente os dois rendidos ao tango, à vida naquele metro quadrado que agora é só deles. Passada a prova da perícia e do respeito, ele agarra-a pelas costas, a mão forte nas costas, atira-a ao ar, dá-lhe colo, arrasta-a. Divertem-se, choram, seduzem-se, beijam-se sem ninguém ver, ela diz-lhe que não é mulher para se subjugar, é isso que diz a tatuagem na perna e é isso que diz todo o seu corpo.
Ricardo Dias Felner, Público (28/08/08)
Agora tocam-se levemente, oficialmente, como um cumprimento entre duas pessoas que acabam de se conhecer. As pernas dela avançam em sentido contrário, cruzam-se, escondem a intimidade, só praticamente os dedos dos pés assentando no chão, o corpo esticado: quer parecer alta e altiva e delicada.
Ele perscruta-a, os olhos agarram-na, registam como reage às suas pequenas provocações, coisas subtis que se passam naquele metro quadrado: uma expiração mais forte que percorre o pescoço de cima para baixo e acaba na orelha, um toque fugaz da pélvis, ainda um toque muito fugaz. Ela resiste, experimenta-lhe a destreza. Com a cabeça erecta, queixo subido, troca-lhe os passos, os pés muito rápidos fugindo dos seus. O homem, contudo, confia na sua técnica e no cabelo grisalho. Há um momento em que transportará uma das suas pernas pelo ar, um boleo rápido e espectacular. E há este segundo parado em que encosta a face na face dela, o nariz quase dentro do seus olhos pintados, cheirosos, a boca a quatro dedos da boca dela.
Estão finalmente os dois rendidos ao tango, à vida naquele metro quadrado que agora é só deles. Passada a prova da perícia e do respeito, ele agarra-a pelas costas, a mão forte nas costas, atira-a ao ar, dá-lhe colo, arrasta-a. Divertem-se, choram, seduzem-se, beijam-se sem ninguém ver, ela diz-lhe que não é mulher para se subjugar, é isso que diz a tatuagem na perna e é isso que diz todo o seu corpo.
Ricardo Dias Felner, Público (28/08/08)