terça-feira, 9 de setembro de 2008

Um Céu Demasiado Azul

Filipe Castanheira apanhou o táxi num último momento de indecisão e deu o endereço. Mas fez o resto do percurso de olhos semicerrados, talvez porque não gostasse realmente de ver as ruas de Lisboa, sobretudo durante o Verão, quando o calor e a luz branca do sol deixam perceber uma cidade demasiado desordenada e abandonada.
— Não tenha dúvidas, meu caro amigo — disse o taxista arrancando. — Veja o senhor essa rapariga. Não tenha dúvidas. Imaginemos que estamos aqui na Luciano Cordeiro, não é verdade?, pois é melhor que elas andassem nuas, nuas e em pêlo. Porque assim a gente não tinha problemas, porque, está a ver, estamos aqui na Luciano Cordeiro, não é verdade?, o senhor disse Telheiras?, e aí vamos nós para Telheiras, atravessamos Lisboa de ponta a ponta, no meio do calor e do trânsito, o senhor pede para fumar um cigarro, falamos sobre futebol, por aí fora, pois quando chegamos ao Lumiar ainda estamos os dois a magicar na rapariga. Como é que ela era? Como é que ela seria? Por aí fora. Pois se andassem nuas era melhor, a gente via e pronto, estava tudo despachado, assim não, vamos daqui até ao Lumiar e chegamos lá e ainda estamos a pensar nela.

Francisco José Viegas, Um Céu Demasiado Azul, p. 222.