segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Comentário de segunda

1. Até Setembro último, os lucros da EDP já alcançaram o montante de €824 milhões, os da EDP Renováveis €769 milhões e os da EDPR triplicaram para os €63 milhões. No mesmo período, o BES obteve lucros de €137,8 milhões. 
Na realidade, a crise não é para todos.

2. O mesmo BES teve de pagar uma multa de $7 milhões, por exercer ilegalmente, nos Estados Unidos, a actividade de consultoria em investimento e corretagem. 
Na realidade, as autoridades americanas não são como as portuguesas...

3. A obra magna dos nossos empresários do norte, o Europarque, faliu. Alguma da nata dos patrões portugueses, que não se cansa de indicar o Estado e os trabalhadores como a origem de todos os males, acaba, uma vez mais, a revelar a sua incompetência. Todavia, mais grave do que a falência é o saber-se que quem vai pagar a incompetência desses empresários somos nós, os contribuintes, porque esta obra, que era privada, teve o Estado como fiador. E agora é o fiador que vai pagar.
Na realidade, grande parte do patronato português não só é objectivamente inepto como não tem pudor: vitupera o Estado sempre que pode, mas, nos bastidores, serve-se dele, sacia-se com ele e deixa-o exangue, com a conivência dos governantes. 

4. Fico perplexo com as críticas de Balsemão, de Paes do Amaral, de Pacheco Pereira e de vários outros à ideia de privatização da RTP, em particular, se ela mantiver a publicidade. Dizem que assim o mercado não chega para todos e que alguém ficará pelo caminho. Mas não é precisamente este modelo de sociedade, em que é o mercado quem livremente decide, que recorrentemente eles defendem e publicitam? Não é precisamente a concorrência que acaba, segundo eles, por escolher os melhores? Não é precisamente a competitividade o caminho da salvação? Ou o liberalismo, a concorrência e a competitividade são apenas para os outros?
Na realidade, os nossos liberais são uns pontos...

domingo, 30 de outubro de 2011

Silk Road Project & Yo-Yo Ma

Pensamentos de domingo

«Temo mais os nossos erros que os planos dos inimigos.»
Péricles

«Na vida nunca se deveria cometer duas vezes o mesmo erro. Há bastante por onde escolher.»
Bertrand Russel

«Todos nós podemos errar, mas a perseverança no erro é que é loucura.»
Zenão de Cítio Zenon
Paulo Neves da Silva, Dicionário de Citações, Âncora Editora

sábado, 29 de outubro de 2011

Ao sábado: momento quase filosófico

O velho problema da interpretação dos factos 

«Dois homens, em plena noite, discutiam sob as janelas de Nasreddin. Este levantou-se, embrulhou-se num cobertor (era Inverno) e desceu para os mandar calar.
Assim que apareceu na rua e tentou acalmar os dois homens embriagados, um dos dois atirou-se a ele, arrancou-lhe o cobertor e fugiu a correr.
O outro bêbado fugiu por sua vez.
Nasreddin voltou para o quarto, onde a mulher lhe perguntou:
— Porque discutiam, aqueles dois?
— Acho que era por causa do meu cobertor — disse-lhe Nasreddin, voltando a deitar-se. — Assim que o apanharam, foram embora.»
In Jean-Claude Carrière, Tertúlia de Mentirosos, Teorema [adaptado].

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Apontamentos sobre um desastroso modelo de gestão -1

Sócrates e Rodrigues, em quatro anos, fizeram mais mal à educação do que, provavelmente, todos os governos anteriores juntos. Praticamente, não houve domínio do sector da educação que não tivesse sido objecto de degradação qualitativa, mesmo aqueles onde foram despejados milhões de euros.
Ao longo de várias semanas, dei a minha opinião relativamente a um desses domínios em que os últimos governos socialistas revelaram, de modo grosseiro, a sua incompetência técnica e política — refiro-me à avaliação do desempenho docente. Explicitei o que na minha opinião estava errado, procurei fundamentar porque pensava assim, e procurei também apresentar as bases de um modelo de avaliação do desempenho docente que convictamente penso ser o mais correcto e o mais sério. Por fim, expressei a minha opinião em relação ao novo/velho modelo apresentado por Crato, que, na substância, dá prosseguimento à encenação avaliativa dos modelos anteriores.
Neste momento, o assunto está esgotado, ainda que não encerrado — e o futuro assim o dirá.

Passemos então a outro domínio, onde Sócrates e Rodrigues, coerentemente, continuaram a revelar incompetência técnica e política, e onde os enormes estragos produzidos têm de continuar a ser denunciados — refiro-me ao modelo de administração e gestão escolar imposto pelos socialistas, em Abril de 2008. 
Não era necessário esperar por dois anos de concretização plena do modelo para se saber o quão mau ele é, mas, agora que já temos esse tempo de experiência, melhor capacitados estamos para o avaliar.
Sem a pretensão de proceder a uma análise exaustiva, referir-me-ei a alguns aspectos que, do meu ponto de vista, configuram erros graves de concepção relativamente ao que deve ser um modelo de administração e gestão de uma escola, presentes no Decreto-Lei n.º 75/2008.
O seu Artigo 10.º determina que os órgãos de direcção, administração e gestão das escolas são: o conselho geral, o director, o conselho pedagógico e o conselho administrativo. O modo como os três primeiros destes órgãos foram pensados e desenhados merece alguns apontamentos.

Comecemos pelo Conselho Geral.
De todos os órgãos este é o único que é objecto de eleição, ainda que parcial. É este, portanto, o único espaço, em todo o edifício de administração e de gestão de uma escola, onde existe uma réstia de legitimidade democrática. E este facto é precisamente o primeiro sinal sobre o entendimento que Sócrates e Rodrigues tinham acerca do que deve ser uma escola — porque o modo como se concebe a direcção de um estabelecimento de ensino revela o arquétipo de Escola que se tem.
O estatuto democrático, ainda que minguado (porque uma parte significativa dos seus membros não é eleita, como é o caso dos representantes da autarquia, os representantes da comunidade local e, na prática, em muitos casos, os representantes dos pais), que o conselho geral possui de nada serve, como o próprio órgão de pouco ou nada serve. É um órgão cuja natureza, composição e competências se inscreve no politicamente correcto do «romantismo» pedagógico, mas cuja utilidade se limita a prestar a simpática e eleitoralmente proveitosa imagem de abertura da escola às famílias, às autarquias e a instituições da comunidade local. Na realidade, nada de substantivo este órgão traz à escola que outras formas mais expeditas e transparentes de funcionamento não trouxessem (como mais à frente referirei). Não só nada de significativamente positivo advém do funcionamento deste órgão como, em muitas situações, é nele que se desenvolvem as mais diversas ramificações de interesses político-partidários que nada têm de vantajoso para a Escola. 
Na realidade, em todo o país, são múltiplos os casos em que os conselhos gerais são transformados em palcos de lutas partidárias, ligadas aos poderes locais, e em espaços privilegiados de conluios, de trocas de favores, de negociatas em que se conjugam interesses pessoais de manutenção do poder dentro de uma escola e os interesses autárquicos de influência ou de controlo desse mesmo poder. As situações são múltiplas e de natureza diversa, mas nenhuma delas tem como pano de fundo a salvaguarda dos interesses da escola. Os conselhos gerais têm oferecido, a nível nacional, espectáculos degradantes de hipocrisia política e de hipocrisia pessoal.
Na próxima semana, procurarei detalhar e fundamentar as razões pelas quais considero que este órgão, apesar de ser o único que possui alguma legitimidade democrática, está mal pensado e deve ser profundamente reformulado ou extinto.

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Quinta da Música - Erik Satie

Trechos - Gilles Lipovetsky

«[...] No consumismo hipermoderno, há qualquer coisa de anárquico, de irracional, de profundamente irresponsável, tanto os nossos modos de vida são devastadores da ecosfera e incapazes de ser generalizados a toda a humanidade: se os quase seis mil milhões de seres humanos vivessem como os habitantes dos países ricos, teríamos necessidade do equivalente a vários planetas para abastecer as suas necessidades. Neste contexto, a nossa época exige uma profunda reviravolta: menos desperdício, mais e maiores investimentos nas energias renováveis, uma ecologia industrial, um ecoconsumo.»
Gilles Lipovetsky
Gilles Lipovetsky, Hervé Juvin, O Ocidente Mundializado, Edições 70

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Do interino... ao definitivo

Ontem Passos Coelho disse:
 «Alargar ao privado os cortes feitos à função Pública [de modo a permitir que uns não ficassem tão penalizados e que todos contribuíssem de modo mais equitativo] seria o mesmo que dizer que Portugal não está a fazer ajustamentos, está, apenas, de forma interina, a aumentar a carga fiscal para, do lado da receita corrigir os desequilíbrios que tem. Isto não seria visto de forma credível e o nosso programa de ajuda financeira morreria em Novembro.»
Sublinhei a passagem «de forma interina», porque ela explica tudo acerca das intenções políticas deste Governo e porque ela esclarece tudo quanto à (falta de) honestidade política de Passos Coelho. 
O chefe do Governo ao dizer de modo explícito (ainda que por evidente descuido, pois é a negação do que publicamente tem afirmado) que taxar os subsídios de férias e de Natal de todos os trabalhadores (do sector público e do sector privado) não seria visto como algo de credível — porque sendo uma medida interina não era considerada um ajustamento estrutural — está a dizer, sem tergiversações, que a supressão do subsídio de férias e de Natal aos funcionários públicos não vai ser uma medida interina, isto é, não vai ser uma medida provisória, não vai vigorar apenas em 2012 e em 2013, vai ser uma medida definitiva.
Com isto, Passos Coelho reconfirma duas coisas:
1. A sua objectiva impreparação para o cargo a que se candidatou e que agora exerce. Desde que é líder do PSD e até há poucas dias, Passos Coelho não só negou, reiterada e peremptoriamente, que seria este o caminho que seguiria, como afirmou que era «uma estupidez» fazer o que agora está a fazer. 
Passos Coelho comporta-se como uma barata tonta. Não sabe o que quer, não sabe o que fazer e como fazer. Da TSU aos impostos, dos vencimentos aos subsídios, do IRS ao IVA, Passos Coelho já afirmou tudo e o seu contrário. Tecnicamente, Passos Coelho é um perigo para quem esteja sob a sua orientação, o que significa, neste caso, que é um perigo para o país;
2. A sua falta de honestidade política. Infelizmente, Passos Coelho já deu provas sobejas de que não é politicamente um homem sério. Em todos os domínios da governação, não tem tido outro comportamento que não seja o de constantemente fazer fintas aos compromissos que publicamente assume, o de obrigar-se e desobrigar-se, com uma naturalidade que impressiona. Neste caso concreto dos cortes dos subsídios de férias e de Natal, Coelho consegue ser ainda mais desonesto: sabe que o seu objectivo é tornar os cortes definitivos, mas anuncia-os como provisórios. 
Desgraçadamente para todos nós, e em apenas quatro meses, Passos Coelho já igualou ou até já ultrapassou Sócrates, na desonestidade política. 
Portugal não aguenta tanta trapaça.

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Às quartas

PERGUNTAS À HORA DO CHÁ

Este senhor pálido parece
uma figura de um museu de cera;
olha através das cortinas rasgadas:
que vale mais, — o ouro ou a beleza?,
Vale mais o regato que flui
ou a grama imóvel em sua margem?
Ao longe ouve-se muito bem um sino
que abre mais uma ferida, ou a fecha:
é mais real a água da nascente
ou essa jovem que se fita nela?
Não se sabe, a gente passa o tempo
a construir castelos sobre a areia:
— é superior o copo transparente
à mão do homem que o cria?
Respira-se uma atmosfera fatigada
de cinza, de fumo, de tristeza:
o que uma vez se viu já não se volta
a ver igual, dizem as folhas secas.
Hora do chá, torradas, margarina.
Tudo envolto numa espécie de névoa.

Nicanor Parra
(Trad.: José Bento)

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Bonecos de palavra


Quino, Bem, Obrigado, e Você?, Pub. D. Quixote
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Nacos

«Num autocarro de arrabalde. Cerca-me o calor de Julho-exames, sebe farpada a comprimir um potro.
No banco à minha frente, uma catraia. Quinze anos ou dezasseis, bairro na lista desclassificada. A primeira parte dela por mim vista foi a mão, a esquerda. Encostada ao vidro sujo da janela, a mão veio deslizando em movimento de fingida distracção até poisar na minha. Ali ficou, mais viva, por imóvel, do que se me deitasse os dedos. Olhei a cabeça, dona dessa mão. Não se virou, nem nesse instante nem depois. Ignoro quando ela reparara em mim para se decidir ao gesto de contacto. Tinha o cabelo preto como um corvo novo.
Ao fim de dois minutos, a mão de baixo, minha, virou-se e agarrou a dela, que estendeu um dedo calmo, pulso meu acima, até que, escondido sob o punho da camisa, o dedo me afagou a pele do pulso com a delicadeza saltitante de quem acaricia zonas totalmente proibidas. Fiquei filado.
Pouco depois, soltou a mão para tocar a campainha de mandar parar. Ergueu-se, saiu do autocarro, atravessou a calçada de basalto velho. E meteu a corta-campo direito a um canavial. Voltar-se, nunca. Ouvia-me os pés, seguindo-a, isso bastava-lhe.
A minha experiência em sexo a dois ficara sempre aquém da maravilha imaginada: cinco com pega, três delas bêbedo; envergonhado-tímido nas outras duas. Seguia agora esta catraia sem saber de todo o que sucederia. A única certeza: uma maré enchente de desejo como nunca experimentara. Para alcançar a meta, sentia-me capaz de percorrer a Via Láctea inteira, e de caminho meter dentro quanta porta se interpusesse. A catraia desapareceu no canavial.
Quando cheguei aonde ela estava encontrei-a imóvel, que esperava. Vi o sorriso semitenso e a decisão há muito fixa nos olhos pretos sérios desde o berço. Mas lembro-me dificilmente — porque foi de curta duração a primeira-última olhadela que deitei à sua cara. Chegado ao alcance de braços e antes de eu ter tempo de hesitar já ela agia, para me sorver com a naturalidade esfomeada com que o mocho acolhe a noite. Pegou-me nos cotovelos. Sem largar, deitou-se à minha frente, puxando-me para cima e para dentro dela.
A maravilha do que se seguiu. Acordo síncrono em tudo: contacto-entrada deslizante em passadeira, mucos há muito preparados; rajada rápida de movimentos imparáveis, nós dois feitos corrida de gazela à frente do leão; orgasmo dela quando eu estava a meio do acabar: Tudo somado, durou trinta segundos. Talvez menos.»
Nuno Bragança, A Noite e o Riso, Pub. Dom Quixote.

Comunicado

Protesto dos professores contratados e desempregados

O Grupo dos Professores Desempregados e Contratados que passou a noite de 29 para 30 de Setembro no Ministério da Educação considera que o ministro Nuno Crato exagera na sua autocrítica pública. Crato promete o fim da “tolerância” para protestos futuros. Segundo o ministro, «a ocupação de prédios públicos não deve ser permitida, uma vez que põe em risco o interesse e o património públicos e a inte...gridade física dos membros do governo, dos funcionários e dos próprios manifestantes.» (Sol, 21 Outubro 2011).

Ao reconhecer a sua negligência perante tamanhos riscos, Nuno Crato lamenta não ter mandado expulsar-nos das instalações do MEC. Claro: como pôde pôr em risco a integridade física do seu secretário de Estado do Ensino e da Administração Escolar, durante mais de uma hora de reunião com os professores desempregados no Palácio (também em perigo) das Laranjeiras?

O problema de Nuno Crato é mesmo a negligência e a forma como coloca em risco tanta gente. Este ano lectivo, há milhares de professores desempregados cujas vidas testemunham esta negligência. Mas, quando o assunto é desemprego, Crato não mostra arrependimento: o MEC acaba de anunciar cortes orçamentais para 2012 que implicam mais 20 mil professores despedidos, ou seja, a maioria dos contratados que hoje asseguram o funcionamento regular do sistema educativo.

Nuno Crato pode estar arrependido de não ter mandado reprimir o protesto pacífico e legítimo de um grupo de professores discriminados num concurso irregular. Os professores contratados e desempregados é que nunca se enganaram acerca da negligência do ministro. Por isso, vão continuar a sua luta.

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Comentário de segunda

É conhecido que o Estado disponibiliza um subsídio a governantes que tenham despesas adicionais de alojamento, decorrentes da circunstância de não possuírem residência na capital (ou num raio de 100 km). Também disponibiliza subsídio semelhante a magistrados, quando o exercício das suas funções ocorre em sítios distanciados das localidades onde habitam.
Em abstracto, a prestação deste subsídio é obviamente justa. O que já não é obviamente justo é este subsídio ser de atribuição selectiva. Na verdade, é incompreensível e inaceitável que umas funções públicas usufruam deste subsídio e outras não, como é o caso da função docente. No Estado, e perante as mesmas circunstâncias, não pode haver dois pesos e duas medidas. Se o Estado tem de exercer as suas funções em todo o território nacional, tem de o fazer segundo as mesmas regras, isto é, se existe um subsídio de alojamento para uns funcionários públicos, tem de existir subsídio de alojamento para todos os funcionários públicos. Se um subsídio é justo para uns, é justo para todos. Se existe uma impossibilidade financeira de universalizar o subsídio, então é essa impossibilidade que tem de ser universalizada e, consequentemente, ninguém tem direito a subsídio.

Desçamos agora ao concreto. Na semana finda, um jornal informou que havia dois membros do Governo — o ministro da Administração Interna, Miguel Macedo, e o secretário de Estado das Comunidades Portuguesas, José Cesário — que, apesar de terem casa em Lisboa, estavam a usufruir desse subsídio de alojamento. Confrontados com o facto, o argumento de defesa utilizado por ambos foi: «é legal, é um direito conferido pela lei» (porque têm uma outra casa fora de Lisboa, e essa é que é a residência oficial...).
Recordo-me que até há pouco tempo era legal um funcionário público reformar-se com 55 anos de idade e 36 de trabalho, com a pensão completa, se daí não resultasse prejuízo para o serviço. Recordo-me que até há pouco tempo era legal um aumento salarial todos os anos. Recordo-me que até há pouco tempo era legal progredir na carreira. Como me recordo que era legal ter direito a receber o vencimento por inteiro e o subsídio de Natal por inteiro (o que deixou de acontecer em 2011). E, para não ser exaustivo, uma última recordação: era legal receber, todos os anos, os subsídios de férias e de Natal. 
Era legal, mas vai deixar de o ser. E deixa de o ser porquê? Porque o Governo, a que Miguel Macedo e José Cesário pertencem, decidiu que esses subsídios tinham de terminar, para os funcionários públicos e pensionistas, porque o país está a viver uma grave crise financeira, porque estamos a viver acima das nossas possibilidades e, por conseguinte, torna-se obrigatório cortar nas despesas. 
O estranho é um mesmo governante ter considerado que determinados subsídios legais tinham de deixar de o ser, por estarmos a viver acima das nossas possibilidades, e não ter considerado que um determinado subsídio legal, de que ele próprio usufrui, já não devia deixar de o ser, porque... «é legal», e porque, certamente, o problema de estarmos a viver com subsídios acima das nossa possibilidades aplica-se a todos, excepto ao próprio.

Mas a gravidade do comportamento do ministro e do secretário de Estado não é apenas de natureza política, é fundamentalmente de natureza moral, porque eles, consciente e deliberadamente, utilizavam um subterfúgio legal para usufruírem de um subsídio de que, na verdade, não deveriam usufruir. Eles sabem que o facto de terem casa própria em Lisboa os isenta de despesas de aluguer de apartamento ou de quarto de hotel, ao contrário do que acontece com os seus colegas de Governo que, de facto, não têm casa na capital e têm de pagar esses alugueres. Apesar disto, Miguel Macedo e José Cesário recebiam, mensal e tranquilamente, o subsídio como se tivessem essa despesa.
Agora, anunciaram que, a partir de hoje, prescindem de receber esse subsídio. Mas anunciam-no com enfado e como se estivessem prestar um favor ao país.
É esta a elite que os portugueses elegem para seus governantes e a quem, complementarmente, ainda lhes paga subsídios ilegítimos.

domingo, 23 de outubro de 2011

Keith Jarrett

Pensamentos de domingo

«A maioria das pessoas preocupa-se com passagens da Bíblia que não entende, mas as que me preocupam são as que eu entendo.»
Mark Twain

«Achamos que os padres também devem casar. Não há nenhum motivo para que conservem o privilégio do celibato.»
Millôr Fernandes

«A completa falta de humor da Bíblia é uma das maiores surpresas da história.»
Alfred Whitehead
In Paulo Neves da Silva, Dicionário de Citações, Âncora Editores

sábado, 22 de outubro de 2011

2 minutos de economia

Ao sábado: momento quase filosófico

Nasreddin Hodjâ foi um grande dador de lições.
Um mercador foi um dia ter com ele e disse-lhe:
— Proponho-te um negócio excepcional. Emprestas-me cinquenta dinares e com eles ganharei setenta. Lucro limpo: vinte dinares. Dez para ti, dez para mim. Que te parece?
— É com efeito muito interessante — respondeu Nasreddin depois de reflectir. —Mas eu proponho-te outro, melhor para ti e para mim.
— Qual é?
— Pois bem, é o seguinte: dou-te estes dez dinares. Toma lá. Tens um lucro imediato e não fizeste nada. Por mim, ganhei quarenta. 
Além disso, nota bem, desta maneira evitamos todas as zangas que normalmente acompanham estas transacções.
In Jean-Claude Carrière, Tertúlia de Mentirosos, Teorema [adaptado].

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

À atenção de jovens e não jovens economistas...

Maria da Conceição Tavares foi professora catedrática da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e é professora-emérita da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Nasceu em Anadia (1930), mas vive no Brasil desde 1954, onde se naturalizou. 

Avaliação: Pano Velho - 9

Nota finais sobre novo/velho modelo de (pseudo)avaliação do desempenho docente, de Nuno Crato.

Artigo 27.º (Procedimento especial de avaliação) — O conteúdo deste Artigo é uma boa ilustração do modo de pensar e de agir da nossa elite política: quando é preciso não olha a meios para alcançar os seus interesses. Mesmo que isso represente atraiçoar ideais antes convictamente defendidos ou princípios antes solenemente anunciados. Sócrates e Rodrigues foram modelares nesse comportamento, Passos e Crato dão-lhes continuidade.
Neste caso particular do Artigo 27.º, Nuno Crato, para conseguir alcançar o seu interesse imediato, mostrou que é capaz de saldar a alma e de denegar tudo o que já tinha afirmado sobre rigor e exigência da avaliação. O que nos cria sérias e fundadas dúvidas sobre a genuinidade das afirmações que Crato proferiu, antes de ser ministro, acerca da ADD e, por extensão, acerca da Educação, em geral.

O Artigo 27.º foi escrito com um objectivo único: obter o silêncio e a conivência dos professores que estão nos escalões superiores da carreira, relativamente ao novo/velho modelo de avaliação. Para o Governo de Passos Coelho, era imperioso terminar com a contestação, alcançar um acordo sindical e obter a anuência dos professores mais graduados. Era vital que isso acontecesse e aconteceu.
Para isso, assegurou-lhes a isenção de avaliação no domínio científico-pedagógico e disse-lhes que só tinham de entregar o relatório de auto-avaliação de quatro em quatro anos, diferentemente dos outros professores que o têm de fazer anualmente. 
Mas a ideia inicial era ainda mais avançada: a primeira proposta que o ministério da Educação apresentou isentava os professores dos três últimos escalões de qualquer avaliação.
Para quem, como Crato, sempre defendeu a avaliação como algo de essencial, e que até era facílimo de realizar (bastaria, palavras suas: «comparar os resultados dos alunos nos exames nacionais de um ano com os do ano anterior», e pronto, já estava — já saberíamos quais eram os professores bons e os maus), isentar mais de 40 mil docentes dessa avaliação é, no mínimo, estranho e incompreensível. Porque das duas uma: ou Nuno Crato, antes de ser ministro, falava com a irresponsabilidade própria de quem não sabia o que dizia, e, agora, ao fim de quatro meses no ministério, já começou a ter uma ideia de que a realidade é um pouco mais complexa do que ele imaginava; ou Nuno Crato, já ministro, abdicou, sem pudor, de tudo o que tinha afirmado e já nem importava que um terço dos professores ficasse sem avaliação, desde que o seu silêncio fosse assegurado.
O problema foi que esta ideia acabou por dar origem a uma situação burlesca: colocou o Governo a oferecer mais do que aquilo que era exigido pelos sindicatos! De modo que o Governo retirou a oferenda... Ou, melhor, retirou parcialmente a oferenda: há avaliação, sim, mas minguada, muito simples, muito leve, apenas sobre dois domínios — aqueles dois que, para os restantes professores, valem, individualmente, 20%. A mensagem ficou, pois, clara: senhores professores, dos escalões mais altos, não se amofinem, porque, como vêem, é uma insignificância o que têm de fazer e só o fazem de longe a longe.

Na realidade, este Artigo 27.º é apenas o último elo de uma cadeia de artigos que constituem, no seu todo, um modelo de avaliação que é mais um logro, mais um faz-de-conta, mais uma encenação. 
Lamentavelmente é assim. Esta avaliação do desempenho docente — que deveria servir exclusivamente para melhorar a preparação científica e pedagógica dos professores e, consequentemente, a sua prática lectiva, de modo a que os nossos alunos tivessem mais e melhores aprendizagens — não vai servir para nada. Nem os professores, nem os alunos, nem as escolas vão ganhar o que quer que seja com isto. Ao longo dos últimos quatro anos, todos nos desgastámos, todos perdemos tempo com um processo doloroso que acaba num imenso vazio.

Mas, no fundo, Rodrigues, Alçada e Crato apenas mostraram e mostram, com o seu exemplo, a razão pela qual o nosso país chegou à situação a que chegou — porque seja na avaliação dos professores, seja em que domínio for, a conclusão é a mesma —: as nossas elites são profundamente medíocres. Dirigem mal e sem consciência. Têm más ideias políticas e falta de preparação técnica. Conduzem o país por caminhos lamacentos que invariavelmente terminam em becos. A avaliação do desempenho dos professores é apenas mais um exemplo.

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Quinta da Música - Edward Elgar

Trechos - Gilles Lipovetsky

«O universo da arte contemporânea ilustra igualmente de maneira gritante o triunfo da cultura-mundo, de um mundo e de uma cultura que se tornaram mercado. Desde Andy Wahrol, pelo menos, que não hesitou em se proclamar como um business artist, que o modelo do artista rebelde que rejeita as normas do mundo burguês pertence ao passado. O tempo já não é o de ir em busca da glória imortal, mas o do reconhecimento imediato, em busca da celebridade mediática e do sucesso comercial. A ambição revolucionária deu lugar às estratégias de promoção, à vedetização dos jovens artistas: agora, eles não colocam nenhuma a reticiência à utilização dos métodos de marketing para criar a sua imagem, a trabalharem para as empresas e para a publicidade num mundo em que as fronteiras da arte e da moda, da vanguarda e do comercial se diluem cada vez mais.
Finalizada a cultura "sacrificial" das vanguardas e o seu ódio aos valores estabelecidos: o ideal é aparecer nos media, estar exposto nas feiras e bienais por todo o mundo, figurar no Kunst Kompass [tabela de notoriedade de todo o mundo, publicada anualmente pela revista Capital, na Alemanha]. O valor de uma obra já não é fundamentalmente conferido pela gratuidade da sua estética ou pela sua radicalidade: é o mercado, agora, que faz o artista. [...] Depois da arte subversiva, temos a arte negócio.»
Gilles Lipovetsky
Gilles Lipovetsky, Hervé Juvin, O Ocidente Mundializado, Edições 70.

Pois é, tudo isto indigna mesmo!


quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Às quartas

REGRESSO AO PRINCÍPIO

Quero aprender a dizer pedra
amêndoa
Quero regressar a uma língua velha e saborosa
em que as palavras rescendam a folhas e a algas
Quero o odor das proas dos navios enferrujados
Quero entrar num plácido interior
onde tudo seja lento para um nadador imóvel
que a corrente não dispersa
Quero o equilíbrio das lâmpadas de sombra
num redondo silêncio de frutos e de pássaros
Quero ser a dócil densidade de uma planta
e o número exacto do corpo repousado.

António Ramos Rosa

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A propósito da suposta equidade do OE 2012

A propósito da alegada e muito publicitada equidade da proposta de Orçamento de Estado, para 2012, três avaliações insuspeitas:

1. A consultora PricewaterhouseCoopers (PwC) é peremptória: OE 2012 beneficia contribuintes com maiores rendimentos.
As alterações ao IRS constantes da proposta de Orçamento do Estado para 2012 beneficiam os rendimentos mais elevados, segundo as simulações realizadas pela consultora PricewaterhouseCoopers.
A consultora analisou quase cem situações e a tendência que constata é inequívoca: são os rendimentos mais elevados que no próximo ano mais beneficiarão, face à situação fiscal de 2011 (cf. aqui).

2. Sobre a proposta de OE 2012, Bagão Félix, ex-ministro das Finanças, não parece ter dúvidas:
«Tem falta de equidade na austeridade»;
«Não faz sentido concentrar em um quinto da população contribuinte os sacrifícios»;
«Espalhar o esforço de um quinto era diminuir para 20 por cento esse encargo»; 
«Os cortes nos pensionistas violam o contrato ético com o Estado» (cf. aqui).

3. Ainda que sem autoridade moral para se pronunciar, Cavaco Silva parece ter tido um vislumbre de lucidez e, segundo o Expresso.pt, afirmou hoje, no 4.º Congresso dos Economistas, que: «a retirada dos subsídios de férias e de Natal aos funcionários públicos e pensionistas constitui uma "violação básica da equidade fiscal" e reiterou que os limites para os sacrifícios que se podem exigir aos cidadãos já poderá ter sido ultrapassado» (cf. aqui).

terça-feira, 18 de outubro de 2011

Nacos

«Na rua onde moravam primos meus havia um garoto tarado a quem se chamava Nopa. Esse miúdo era frequentemente admitido ao convívio dos meus primos, que desde pequeníssimos meteram gente esquisita em casa, fortemente influenciados pelo que viam nos espelhos e álbuns de família.
O Nopa fazia recados leves, ficava à baliza; ou passava tardes inteiras desapercebido até que alguém, num acesso de ócio, aliviasse os nervos atirando com ele ao chão ("Ah ganda Nopa!"). Era uma criança grandemente silenciosa e pensativa como um peixe.
Um dia soube-se que o iam despejar num asilo, porque fora enterrado o único parente que aceitara até então alimentá-lo. Ninguém se impressionou com isso. E ele mesmo parecia indiferente por completo quando veio despedir-se e cheirar mal, como cheirava sempre.
A minha tia deu-lhe uma camisola com losangos verde-abóbora e empurrou-o brandamente para o pôr em marcha.
O Nopa saiu da sala por uma janela francesa. Foi ao fundo do terraço apanhar um gato que havia sempre ali ao sol, voltou à sala e atirou com o animal para dentro da cauda do piano.
A minha tia raspou-se: pelo corredor e com memorável alarido. Entre as pessoas que acorreram veio um canalizador que fazia horas extraordinárias com a criada de mesa. Esse homem foi agarrar o Nopa já no fundo da escada e trouxe-o pendurado como um coelho manso. A minha tia gritava que o pusessem na rua, mas todos os outros o que queriam era sacudir o miúdo, beliscá-lo um bocadinho e berrar-lhe: que pedisse desculpa e depois explicasse o seu procedimento inesperado. O canalizador mantinha-o agarrado, e de vez em quando levantava-o ao ar.
Ao fim de dois minutos de interrogatório, o Nopa disse:
«Eu fiz aquilo porque queria uma recordação desta casa.»
Nuno Bragança, A Noite e o Riso, Pub. Dom Quixote

Arrependimentos de direita

Charles Moore tem 55 anos e foi chefe de redacção do semanário The Spectador e do diário The Daily Telegraph, dois marcos da imprensa conservadora britânica, onde continua a ter uma crónica. Excerto de uma crónica sua recente:
«Precisei de mais de 30 anos de jornalismo para me colocar esta questão, mas já não posso iludi-la mais: a esquerda terá razão, ao fim e ao cabo? Um dos principais argumentos da esquerda, como se sabe, é que aquilo a que a direita chama "mercado livre" é de facto um golpe encenado.
Os ricos dirigem um sistema mundial que lhes permite acumular capital e pagar o trabalho pelo menor preço possível. São os únicos a beneficiar da liberdade que daí decorre. A maioria deve contentar-se com trabalhar ainda mais, em condições cada vez mais precárias, para enriquecer uma minoria. O sistema democrático, que visa enriquecer o maior número de pessoas, foi de facto confiscado por estes banqueiros, barões da imprensa e outros magnatas, que governam e possuem tudo.»
Frank Schirrmacher tem 52 anos e é jornalista e ensaísta. Dirigiu uma revista literária antes de, em 1994, pegar nas rédeas das páginas de cultura do Frankfurter Allgemeine Zeitung, diário conservador de referência além-Reno. Excerto de um recente artigo seu:
«Sob pretexto da realpolitik e do pragmatismo, a direita esconde mal um vazio abissal. Alegar que não é ela a única a cometer erros não desculpa nada e não passa de um meio para mascarar o seu desconforto Mas não se trata apenas de saber se a acção política que hoje desenvolve é boa ou má. O importante é que a prática demonstrou não apenas que se encaminha para um beco, mas também — que surpresa! — que as críticas dos seus piores adversários de sempre são fundadas.»
In Courrier Internacional (Outubro/2011)

Bonecos

Quino, Bem, Obrigado, e Você?, Pub. D. Quixote
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segunda-feira, 17 de outubro de 2011

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Comentário de segunda

1. Passos Coelho afirmou ao Expresso que «não sente que tenha de pedir desculpas aos portugueses». 
Há cerca de dezoito meses, o mesmo Passos Coelho disse que tinha a «obrigação de pedir desculpas» aos portugueses, porque havia acordado, com o Governo de Sócrates, subir os impostos, contrariando a promessa de que não permitiria que isso acontecesse. Nessa altura, considerou que era «seu dever» pedir desculpas, e pediu-as.
Ano e meio depois, Passos Coelho, já primeiro-ministro, e também ao contrário de tudo o que prometera, lança um imposto de 50% sobre o subsídio de Natal de 2011, acaba com os subsídios de férias e de Natal de 2012 e 2013, aumenta o IVA em vários produtos, aumenta o horário de trabalho e várias outras malfeitorias e diz que «não sente» que tenha de pedir desculpas.
Isto significa que, entre um momento e outro, Passos Coelho perdeu duas coisas essenciais: perdeu a razão ética e perdeu a sensibilidade — agora, não só omite o dever de pedir desculpa, que invocou em Maio de 2010, como afirma não sentir que tenha de o fazer. Neste momento, portanto, nem a razão nem o sentimento o impelem a pedir desculpa por um comportamento mais grave do que aquele que, há ano e meio, o obrigou a desculpar-se perante o país.
Alcançado o poder, Passos Coelho tornou-se, do ponto de vista ético, acéfalo e pétreo. E o comportamento ético era o único argumento que ele poderia ter para se distinguir de Sócrates. Nem esse agora tem. Passos Coelho, no fundamental, passou a ser uma réplica do seu antecessor.

2. Li, num anúncio de jornal, que vai realizar-se, na próxima quinta-feira, a Cerimónia de Abertura do Ano Lectivo da Faculdade de Economia do Porto. A abertura da cerimónia está a cargo do director e presidente do Conselho Científico dessa Faculdade, prof. doutor João Proença, e o seu encerramento será presidido pelo Magnífico Reitor da Universidade do Porto, professor Marques dos Santos. Entre uma coisa e outra, ocorrerá uma Lição de Sapiência. Até este ponto, nada de estranho há para assinalar. A estranheza e a perplexidade surgem quando se lê o nome de quem vai ministrar a Lição de Sapiência: Fernando Teixeira dos Santos, ex-ministro das Finanças de Sócrates. O facto de Teixeira dos Santos ser professor daquela Faculdade não justifica, de modo algum, esta circunstância esdrúxula. A verdade é que ninguém deveria poder dar, ou sequer pensar poder dar, uma lição de sapiência em Economia, depois de ter conduzido um país à bancarrota. Convidar Teixeira dos Santos a dar uma lição de sapiência nesse domínio é tão isotérico como seria convidar Salazar a dar uma lição de sapiência sobre Democracia. 
No mínimo, a decência e o decoro deveriam ter impedido quem convidou de ter convidado e quem aceitou de ter aceitado.

3. Foi mais um fim-de-semana de publicação de rankings das escolas portuguesas. Não comento o conteúdo dessas imensas listagens, porque seria estar, uma vez mais, a comentar algo que se assemelha a lixo. Há, contudo, uma observação que não posso deixar de fazer: à medida que melhor conheço as ideias e o pensamento de quem venera rankings e com eles estremece de júbilo, mais me assalta a dúvida se essa aparente volúpia não esconde, no fundo, uma impotência — a impotência de analisar com profundidade e seriedade um fenómeno. Eunucos no processo da análise e da síntese interpretativas, autocomprazem-se, uma vez por ano, com a manipulação de listas. É verdade que devemos ser compreensivos com certas dificuldades pessoais, mas com a tentativa de universalizar a castração intelectual não.

domingo, 16 de outubro de 2011

Curtis Fuller's Quintet


Pensamentos de domingo

«Nunca se mente tanto como em véspera de eleições, durante a guerra e depois da caça.»
Otto Bismark
«Pior é ter um mau médico do que estar enfermo.»
Francisco Quevedo
«É uma infelicidade da época, que os doidos guiem os cegos.»
William Shakespeare  
In Paulo Neves da Silva, Dicionário de Citações, Âncora Editora.

sábado, 15 de outubro de 2011

O 15 de Outubro, em Lisboa

Foi o 15 de Outubro, em Lisboa, como em centenas de cidades de todo o mundo.
Algumas fotos de uma tarde/noite de enérgico protesto, indignação e revolta.

Largo do Rato, a caminho da Assembleia da República.
Rua de S. Bento, a chegar à Assembleia da República.
Uma verdade insofismável, já na praça em frente à A. R. 
A praça encheu e transbordou, de um lado...
... e do outro.
Quando a Polícia de Intervenção recebeu ordem para sair das
carrinhas e tomar posição no alto da escadaria.
Quando dois polícias à paisana tentaram, sem êxito, tirar um
manifestante de cima de uma das estátuas dos leões.
Quando os manifestantes ocuparam a escadaria da A. R. e
se posicionaram junto à Polícia de Intervenção.
Escadaria e praça da A. R. ocupadas pelo manifestantes.
Ocupação total da escadaria da A. R.
Início da Assembleia Popular.

Assembleia Popular a decorrer. 
Continuação da Assembleia Popular, já de noite.

Hoje, 15 de Outubro

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Avaliação: Pano Velho - 8

No momento em que, nas escolas, se está a iniciar a última fase do processo de pseudo-avaliação do desempenho docente, relativamente ao biénio 2009-2011, e em que a sua indecência virá rapidamente ao de cima com todo o esplendor, deixo mais uma observação sobre o novo/velho modelo de avaliação do desempenho de Nuno Crato («avaliação do desempenho de Nuno Crato», no duplo sentido que esta expressão comporta: porque é da sua autoria/responsabilidade e porque a sua apresentação constituiu também a primeira prova de avaliação do seu desempenho no cargo — prova em que reprovou, sem apelo nem agravo).

Artigo 21.º (Avaliação Final) — Neste artigo é atribuído o peso de 60% à dimensão «científica e pedagógica», 20% à dimensão «participação na escola e relação com a comunidade» e 20% à dimensão «formação contínua e desenvolvimento profissional». 
Defendo, como já aqui o escrevi diversas vezes, que a avaliação do desempenho deveria estar centrada exclusivamente na primeira dimensão (científica e pedagógica), porque é dela que depende o processo de ensino-aprendizagem e porque é para este processo que toda a actividade desenvolvida pelo professor e pela escola deve convergir.
A segunda dimensão, na parte relativa à «participação na escola», deveria decorrer exclusivamente das funções que cada professor exerce e da dinâmica da política interna de cada estabelecimento de ensino, e, na parte relativa à relação com a comunidade, deveria depender exclusivamente da política de relação com o meio que cada escola define. É a escola que deve mobilizar os recursos humanos necessários, e só esses, ao desenvolvimento da sua política interna e externa. Deste modo, os professores não têm todos de andar desvairados a inventar iniciativas para mostrarem que são muito participativos na vida interna da escola nem têm todos de andar afainados a inventar relações com a comunidade. Mas, estranhamente, Nuno Crato quer que isto aconteça.
A terceira dimensão (formação contínua) deveria ser entendida como um pré-requisito da primeira dimensão e, como tal, o seu cumprimento ser uma exigência. A não realização, por responsabilidade do professor, de formação contínua na sua área científica e didáctica, deveria impedir a progressão na carreira (como, aliás, acertadamente acontecia no  modelo anterior ao de Rodrigues). E sobre isto não era necessário inventar mais coisa alguma.
Mas Nuno Crato não pensa nada disto. Nuno Crato acha que aquilo que é fundamental e decisivo para o processo de ensino-aprendizagem deve valer apenas 60%. Todavia, mesmo a importância de 60% formalmente atribuída à parte científica e pedagógica é meramente aparente. Na realidade, como já referi em artigos anteriores, não é possível avaliar coisa alguma, e muito menos o desempenho científico e pedagógico de um professor, através de um relatório anual de três páginas, sem possibilidade de anexos, onde o docente tem de proceder à análise de todo o trabalho desenvolvido, nas três dimensões acima referidas. Três páginas, para três áreas.
Que seriedade, que fiabilidade, que credibilidade tem uma avaliação realizada deste modo? Nuno Crato, como Rodrigues e Alçada, brinca com coisas sérias.

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A miserabilização como política

Desde 1976, PSD e PS dividiram quase irmamente o tempo em que têm governado Portugal. Desde essa altura, o rumo político do país tem sido num só sentido. Se utilizarmos o tradicional quadro de leitura política, observa-se, de modo cristalino, que esse sentido foi o de um deslocamento sistemático de políticas designadas de esquerda para efectivas políticas de direita. Ou, dito de outro modo, e talvez mais significativamente: desde 1976, temos feito continuada e persistentemente o caminho da desvalorização e penalização do trabalho e da valorização e favorecimento do capital. Este tem sido o rumo que PSD e PS têm seguido desde há trinta e quatro anos. 
Foi este rumo que conduziu o país até aqui.
Ontem foi-nos anunciado, por Passos Coelho, mais um estádio de desenvolvimento dessa política: brutal penalização do trabalho, em particular dos funcionários públicos, e miserabilização generalizada da população. Simultaneamente foi-nos mostrado, mais uma vez, que a palavra dos primeiros-ministros tem o mesmo valor do lixo não reciclável: vale nada.
Enquanto quem trabalha for tolerante com esta política, saberemos sempre o que o futuro nos reserva.

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Quinta da Música - Maurice Ravel

15 de Outubro - Não há desculpas!

Trechos - Gilles Lipovetsky

«O cosmopolitismo clássico era uma questão de consciência, de escolha ideológica, de voluntarismo ético e político: veiculava uma ideologia de emancipação. Já não é assim com a cultura-mundo do hipercapitalismo que aparece como uma ameaça, qualquer coisa que sofre da mesma maneira que uma fatalidade, um constrangimento ditando os imperativos de adaptação e de flexibilidade, de competitividade e de modernização para não se ser eliminado da arena mundial: é necessário "mundializar-se" ou, então, desaparecer. Já ninguém pode escapar: passámos de um cosmopolitismo livre e voluntário a um cosmopolitismo inelutável finalizado com o objectivo de uma sobrevivência económica. Já não há um comprometimento livre do cidadão do mundo, mas uma "mundialização sob constrangimento".»
Gilles Lipovetsky
Gilles Lipovetsky, Hervé Juvin, O Ocidente Mundializado, Edições 70.

Professores contratados: hoje, em Lisboa e no Porto

«Caros amigos:

Na sequência da ocupação pacífica das instalações do Ministério da Educação nas Laranjeiras, o grupo de professores contratados que nasceu no facebook e que já se havia manifestado a 10 de Setembro não desiste e vai continuar com os protestos. Agrada-nos também saber que os colegas do Norte se estão também a organizar e vêm para a rua na mesma data que os colegas de Lisboa: quinta-feira dia 13 de Outubro, 17h.

Em Lisboa, simularemos a Passadeira do Desemprego e da Precariedade, em frente ao Ministério das Finanças, no Terreiro do Paço http://www.facebook.com/#!/event.php?eid=229224930467545

No Porto, os professores concentram-se na Rua de Santa Catarina (perto do Café Majestic) http://www.facebook.com/#!/event.php?eid=216942298370815

Agradeço a divulgação destas duas iniciativas
Grande abraço
Miguel Reis»

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

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Às quartas

REGRESSO AO SUL

Regresso ao branco
Aos peixes luminosos
Da inocência regresso

Ao peso da música
Semelhante ao silêncio
Da mulher nua regresso

A rios que me depuram
Como se a boca do tempo
Fizesse de mim escultura

Casimiro de Brito

Uma fita com interesse: «Sangue do meu sangue», de João Canijo

Governo estuda mais cortes salariais na Função Pública

A propósito de uma campanha eleitoral que há poucos meses por aí ocorreu, em que Passos Coelho e Paulo Portas, entre outros, se manifestaram muito críticos relativamente aos cortes salariais operados, em 2011, na Função Pública:
«O Governo está a estudar a possibilidade de avançar com um novo corte salarial na Função Pública, no próximo ano. Embora a decisão política só fique fechada amanhã [quinta -feira], na reunião de Conselho de Ministros onde o Executivo vai aprovar o Orçamento do Estado, o Diário Económico sabe que esse cenário está a ser equacionado.
O Documento de Estratégia Orçamental já dava margem ao Governo para "aperfeiçoamentos" destes cortes. "A redução média em 5% dos salários do sector público ocorrida em 2011 irá manter-se em 2012, eventualmente com os aperfeiçoamentos considerados necessários", lê-se no documento.»                                                                                                                          Sítio do Diário Económico (12/10/11)
Com a naturalidade da falsa inocência, Passos Coelho e Paulo Portas decidiram, para 2012, não só manter os cortes salariais aos profissionais do Estado mas também estudar novos cortes.
Para os políticos, em geral, e para estes dois políticos, em particular, enganar os eleitores tornou-se uma rotina. Prometer hoje e fazer o contrário amanhã não lhes levanta o mínimo prurido, não lhes suscita o mais pequeno escrúpulo.
Mas isto tem uma consequência: estes dois políticos não podem pedir que os respeitem, se eles próprios não se respeitam nem respeitam quem os elegeu. Se o que esta notícia nos diz se concretizar, Passos Coelho e Paulo Portas igualam Sócrates, na falta de seriedade política. Passam a valer o mesmo que ele.
Observação: os novos cortes salariais são designados, no Documento de Estratégia Orçamental, como «aperfeiçoamentos». Na política portuguesa, o cinismo ainda não tinha chegado tão longe.

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Bonecos


Quino, Bem, Obrigado e Você?, Pub. D. Quixote

Nacos

«De todas essas reproduções miniaturais d'O Naufragar ficou-me a memória perfeita do que amei: os camaradas de jangada e risco, meu lote no respiro. Ficou-me pois o horror de ver a maioria deles ir ao fundo por carência de saber apedrejar de riso o tenebroso. Vi-os cair a pique no abismo como caranguejos enfeixados uns nos outros.
Não sei se houve Barca inicial, acho que não. Acabaremos por construir alguma? Ignoro, e não é desse interrogar que me vem rasto. Sinto: nadar para aguentar o próprio do corpo, e então cresce conjunto de promessas no dar e receber dos mútuos, múltiplos impulsos. Vou mais: da fortaleza em companheirismo se descobrirá talvez nosso destino, que o passado profetiza. Peixe deu animal de seco, anos depois nós-mesmos. Homem é apogeu desértico. Entrevê distantes águas e talvez seja miragem, talvez não. Possível que o oceano venha, e nós a ele. E água e gente uma misturação de respirar completo, mudança do presente noutras luzes por sumidos o passado e o futuro.»
Nuno Bragança, A Noite e o Riso, Pub. Dom Quixote.

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

15 de Outubro - Manifestação Mundial


PROTESTO APARTIDÁRIO, LAICO E PACÍFICO
Pela Democracia participativa.
Pela transparência nas decisões políticas.
Pelo fim da precariedade de vida.

MANIFESTO

Somos “gerações à rasca”, pessoas que trabalham, precárias, desempregadas ou em vias de despedimento, estudantes, migrantes e reformadas, insatisfeitas com as nossas condições de vida.

Hoje vimos para a rua, na Europa e no Mundo, de forma não violenta, expressar a nossa indignação e protesto face ao actual modelo de governação política, económica e social. Um modelo que não nos serve, que nos oprime e não nos representa.

A actual governação assenta numa falsa democracia em que as decisões estão restritas às salas fechadas dos parlamentos, gabinetes ministeriais e instâncias internacionais. Um sistema sem qualquer tipo de controlo cidadão, refém de um modelo económico-financeiro, sem preocupações sociais ou ambientais e que fomenta as desigualdades, a pobreza e a perda de direitos à escala global. Democracia não é isto!
Queremos uma Democracia participativa, onde as pessoas possam intervir activa e efectivamente nas decisões. Uma Democracia em que o exercício dos cargos públicos seja baseado na integridade e defesa do interesse e bem-estar comuns.

Queremos uma Democracia onde os mais ricos não sejam protegidos por regimes de excepção. Queremos um sistema fiscal progressivo e transparente, onde a riqueza seja justamente distribuída e a segurança social não seja descapitalizada; onde todas as pessoas contribuam de forma justa e imparcial e os direitos e deveres dos cidadãos estejam assegurados.

Queremos uma Democracia onde quem comete abuso de poder e crimes económicos e financeiros seja efectivamente responsabilizado por um sistema judicial independente, menos burocrático e sem dualidade de critérios. Uma Democracia onde políticas estruturantes não sejam adoptadas sem esclarecimento e participação activa das pessoas. Não tomamos a crise como inevitável. Exigimos saber de que forma chegámos a esta recessão, a quem devemos o quê e sob que condições.

As pessoas não são descartáveis, nem podem estar dependentes da especulação de mercados bolsistas e de interesses financeiros que as reduzem à condição de mercadorias. O princípio constitucional conquistado a 25 de Abril de 1974 e consagrado em todo o mundo democrático de que a economia se deve subordinar aos interesses gerais da sociedade é totalmente pervertido pela imposição de medidas, como as do programa da troika, que conduzem à perda de direitos laborais, ao desmantelamento da saúde, do ensino público e da cultura com argumentos economicistas.

Os recursos naturais como a água, bem como os sectores estratégicos, são bens públicos não privatizáveis. Uma Democracia abandona o seu futuro quando o trabalho, educação, saúde, habitação, cultura e bem-estar são tidos apenas como regalias de alguns ou privatizados sem que daí advenha qualquer benefício para as pessoas.

A qualidade de uma Democracia mede-se pela forma como trata as pessoas que a integram.
Isto não tem que ser assim! Em Portugal e no Mundo, dia 15 de Outubro dizemos basta!
A Democracia sai à rua. E nós saímos com ela.

Acampada Lisboa – Democracia Verdadeira Já 19M
Alvorada Ribatejo
Attac Portugal
Indignados Lisboa
M12M – Movimento 12 de Março
Movimento de Professores e Educadores 3R’s
Portugal Uncut
Precários Inflexíveis