1. Passos Coelho afirmou ao Expresso que «não sente que tenha de pedir desculpas aos portugueses».
Há cerca de dezoito meses, o mesmo Passos Coelho disse que tinha a «obrigação de pedir desculpas» aos portugueses, porque havia acordado, com o Governo de Sócrates, subir os impostos, contrariando a promessa de que não permitiria que isso acontecesse. Nessa altura, considerou que era «seu dever» pedir desculpas, e pediu-as.
Ano e meio depois, Passos Coelho, já primeiro-ministro, e também ao contrário de tudo o que prometera, lança um imposto de 50% sobre o subsídio de Natal de 2011, acaba com os subsídios de férias e de Natal de 2012 e 2013, aumenta o IVA em vários produtos, aumenta o horário de trabalho e várias outras malfeitorias e diz que «não sente» que tenha de pedir desculpas.
Isto significa que, entre um momento e outro, Passos Coelho perdeu duas coisas essenciais: perdeu a razão ética e perdeu a sensibilidade — agora, não só omite o dever de pedir desculpa, que invocou em Maio de 2010, como afirma não sentir que tenha de o fazer. Neste momento, portanto, nem a razão nem o sentimento o impelem a pedir desculpa por um comportamento mais grave do que aquele que, há ano e meio, o obrigou a desculpar-se perante o país.
Alcançado o poder, Passos Coelho tornou-se, do ponto de vista ético, acéfalo e pétreo. E o comportamento ético era o único argumento que ele poderia ter para se distinguir de Sócrates. Nem esse agora tem. Passos Coelho, no fundamental, passou a ser uma réplica do seu antecessor.
2. Li, num anúncio de jornal, que vai realizar-se, na próxima quinta-feira, a Cerimónia de Abertura do Ano Lectivo da Faculdade de Economia do Porto. A abertura da cerimónia está a cargo do director e presidente do Conselho Científico dessa Faculdade, prof. doutor João Proença, e o seu encerramento será presidido pelo Magnífico Reitor da Universidade do Porto, professor Marques dos Santos. Entre uma coisa e outra, ocorrerá uma Lição de Sapiência. Até este ponto, nada de estranho há para assinalar. A estranheza e a perplexidade surgem quando se lê o nome de quem vai ministrar a Lição de Sapiência: Fernando Teixeira dos Santos, ex-ministro das Finanças de Sócrates. O facto de Teixeira dos Santos ser professor daquela Faculdade não justifica, de modo algum, esta circunstância esdrúxula. A verdade é que ninguém deveria poder dar, ou sequer pensar poder dar, uma lição de sapiência em Economia, depois de ter conduzido um país à bancarrota. Convidar Teixeira dos Santos a dar uma lição de sapiência nesse domínio é tão isotérico como seria convidar Salazar a dar uma lição de sapiência sobre Democracia.
No mínimo, a decência e o decoro deveriam ter impedido quem convidou de ter convidado e quem aceitou de ter aceitado.
3. Foi mais um fim-de-semana de publicação de rankings das escolas portuguesas. Não comento o conteúdo dessas imensas listagens, porque seria estar, uma vez mais, a comentar algo que se assemelha a lixo. Há, contudo, uma observação que não posso deixar de fazer: à medida que melhor conheço as ideias e o pensamento de quem venera rankings e com eles estremece de júbilo, mais me assalta a dúvida se essa aparente volúpia não esconde, no fundo, uma impotência — a impotência de analisar com profundidade e seriedade um fenómeno. Eunucos no processo da análise e da síntese interpretativas, autocomprazem-se, uma vez por ano, com a manipulação de listas. É verdade que devemos ser compreensivos com certas dificuldades pessoais, mas com a tentativa de universalizar a castração intelectual não.