Nota finais sobre novo/velho modelo de (pseudo)avaliação do desempenho docente, de Nuno Crato.
Artigo 27.º (Procedimento especial de avaliação) — O conteúdo deste Artigo é uma boa ilustração do modo de pensar e de agir da nossa elite política: quando é preciso não olha a meios para alcançar os seus interesses. Mesmo que isso represente atraiçoar ideais antes convictamente defendidos ou princípios antes solenemente anunciados. Sócrates e Rodrigues foram modelares nesse comportamento, Passos e Crato dão-lhes continuidade.
Neste caso particular do Artigo 27.º, Nuno Crato, para conseguir alcançar o seu interesse imediato, mostrou que é capaz de saldar a alma e de denegar tudo o que já tinha afirmado sobre rigor e exigência da avaliação. O que nos cria sérias e fundadas dúvidas sobre a genuinidade das afirmações que Crato proferiu, antes de ser ministro, acerca da ADD e, por extensão, acerca da Educação, em geral.
O Artigo 27.º foi escrito com um objectivo único: obter o silêncio e a conivência dos professores que estão nos escalões superiores da carreira, relativamente ao novo/velho modelo de avaliação. Para o Governo de Passos Coelho, era imperioso terminar com a contestação, alcançar um acordo sindical e obter a anuência dos professores mais graduados. Era vital que isso acontecesse e aconteceu.
Para isso, assegurou-lhes a isenção de avaliação no domínio científico-pedagógico e disse-lhes que só tinham de entregar o relatório de auto-avaliação de quatro em quatro anos, diferentemente dos outros professores que o têm de fazer anualmente.
Mas a ideia inicial era ainda mais avançada: a primeira proposta que o ministério da Educação apresentou isentava os professores dos três últimos escalões de qualquer avaliação.
Para quem, como Crato, sempre defendeu a avaliação como algo de essencial, e que até era facílimo de realizar (bastaria, palavras suas: «comparar os resultados dos alunos nos exames nacionais de um ano com os do ano anterior», e pronto, já estava — já saberíamos quais eram os professores bons e os maus), isentar mais de 40 mil docentes dessa avaliação é, no mínimo, estranho e incompreensível. Porque das duas uma: ou Nuno Crato, antes de ser ministro, falava com a irresponsabilidade própria de quem não sabia o que dizia, e, agora, ao fim de quatro meses no ministério, já começou a ter uma ideia de que a realidade é um pouco mais complexa do que ele imaginava; ou Nuno Crato, já ministro, abdicou, sem pudor, de tudo o que tinha afirmado e já nem importava que um terço dos professores ficasse sem avaliação, desde que o seu silêncio fosse assegurado.
O problema foi que esta ideia acabou por dar origem a uma situação burlesca: colocou o Governo a oferecer mais do que aquilo que era exigido pelos sindicatos! De modo que o Governo retirou a oferenda... Ou, melhor, retirou parcialmente a oferenda: há avaliação, sim, mas minguada, muito simples, muito leve, apenas sobre dois domínios — aqueles dois que, para os restantes professores, valem, individualmente, 20%. A mensagem ficou, pois, clara: senhores professores, dos escalões mais altos, não se amofinem, porque, como vêem, é uma insignificância o que têm de fazer e só o fazem de longe a longe.
Na realidade, este Artigo 27.º é apenas o último elo de uma cadeia de artigos que constituem, no seu todo, um modelo de avaliação que é mais um logro, mais um faz-de-conta, mais uma encenação.
Lamentavelmente é assim. Esta avaliação do desempenho docente — que deveria servir exclusivamente para melhorar a preparação científica e pedagógica dos professores e, consequentemente, a sua prática lectiva, de modo a que os nossos alunos tivessem mais e melhores aprendizagens — não vai servir para nada. Nem os professores, nem os alunos, nem as escolas vão ganhar o que quer que seja com isto. Ao longo dos últimos quatro anos, todos nos desgastámos, todos perdemos tempo com um processo doloroso que acaba num imenso vazio.
Mas, no fundo, Rodrigues, Alçada e Crato apenas mostraram e mostram, com o seu exemplo, a razão pela qual o nosso país chegou à situação a que chegou — porque seja na avaliação dos professores, seja em que domínio for, a conclusão é a mesma —: as nossas elites são profundamente medíocres. Dirigem mal e sem consciência. Têm más ideias políticas e falta de preparação técnica. Conduzem o país por caminhos lamacentos que invariavelmente terminam em becos. A avaliação do desempenho dos professores é apenas mais um exemplo.