«Na rua onde moravam primos meus havia um garoto tarado a quem se chamava Nopa. Esse miúdo era frequentemente admitido ao convívio dos meus primos, que desde pequeníssimos meteram gente esquisita em casa, fortemente influenciados pelo que viam nos espelhos e álbuns de família.
O Nopa fazia recados leves, ficava à baliza; ou passava tardes inteiras desapercebido até que alguém, num acesso de ócio, aliviasse os nervos atirando com ele ao chão ("Ah ganda Nopa!"). Era uma criança grandemente silenciosa e pensativa como um peixe.
Um dia soube-se que o iam despejar num asilo, porque fora enterrado o único parente que aceitara até então alimentá-lo. Ninguém se impressionou com isso. E ele mesmo parecia indiferente por completo quando veio despedir-se e cheirar mal, como cheirava sempre.
A minha tia deu-lhe uma camisola com losangos verde-abóbora e empurrou-o brandamente para o pôr em marcha.
O Nopa saiu da sala por uma janela francesa. Foi ao fundo do terraço apanhar um gato que havia sempre ali ao sol, voltou à sala e atirou com o animal para dentro da cauda do piano.
A minha tia raspou-se: pelo corredor e com memorável alarido. Entre as pessoas que acorreram veio um canalizador que fazia horas extraordinárias com a criada de mesa. Esse homem foi agarrar o Nopa já no fundo da escada e trouxe-o pendurado como um coelho manso. A minha tia gritava que o pusessem na rua, mas todos os outros o que queriam era sacudir o miúdo, beliscá-lo um bocadinho e berrar-lhe: que pedisse desculpa e depois explicasse o seu procedimento inesperado. O canalizador mantinha-o agarrado, e de vez em quando levantava-o ao ar.
Ao fim de dois minutos de interrogatório, o Nopa disse:
«Eu fiz aquilo porque queria uma recordação desta casa.»
Nuno Bragança, A Noite e o Riso, Pub. Dom Quixote