Ao contrário do que sucede num país normal, uma das piores coisas que pode acontecer a um cidadão português é cair nas mãos daquilo a que sarcasticamente se chama de Justiça. Na verdade, quem tenha, seja por que motivo for, encontro marcado com a nossa Justiça — como vítima, testemunha ou arguido — sabe, de antemão, que tem encontro marcado com a desgraça.
É um verdadeiro encontro com a desdita, porque de forma mais ou menos garantida tem à sua frente: anos de espera até que o processo fique pronto para julgamento; infindável burocracia; arrastados procedimentos administrativos; dias perdidos de idas inúteis a tribunal (por sucessivos adiamentos das sessões de julgamento); se for testemunha, intermináveis horas que tem de aguardar para ser ouvido pelo juiz; interrogatórios maldispostos, arrogantes e, muitas vezes, comentários néscios e mal-educados, por parte de quem julga; sentenças mal fundamentadas; recursos infindáveis; prescrições atrás de prescrições; e, no final, tempo e mais tempo inexoravelmente perdido.
Não devo andar longe da verdade se disser que a elite que domina a Justiça, em Portugal, é, a par da elite política e da elite empresarial, a mais incompetente. Contudo, publicamente a classe dos juízes é das mais veneradas. Mas esta veneração não vem do reconhecimento do seu mérito, vem do receio de ser vítima do seu poder. De facto, no nosso país, o direito à Justiça foi, já há muito tempo, substituído pelo medo à Justiça. Medo pela sua incompetência e medo pela sua inoperância. Cair nas suas malhas é cair no mundo da incerteza, da bizarria e do acaso. Sabe-se como um processo começa, mas não se sabe como, quando e se acaba.
É por isso que nos corredores dos tribunais e nos escritórios de advogados se ouve dizer, com a naturalidade própria de uma tradição assumida, que, neste país, os tribunais não fazem Justiça, ditam sentenças (quando as ditam...). É por isso que, em Portugal, só quem não pode é que não foge da Justiça, seja vítima ou testemunha — paradoxalmente, quem menos dela fugirá serão os criminosos.
O recente e vergonhoso caso Isaltino é apenas mais um caso que ilustra bem a obscena situação a que a Justiça chegou, e que se junta a um já infindável rol de casos, onde o pitoresco, o rocambolesco e o impensável se embrulham com a incompetência e a inoperância: do caso Felgueiras ao caso Casa Pia, passando pelos casos do Apito Dourado, do BPN, do BPP, do Face Oculta, do caso das escutas a Sócrates e por aí fora.
Devemos tentar agora imaginar o que não acontecerá nos milhares de casos de Justiça que não são noticiados, porque não envolvem figuras públicas. Devemos tentar imaginar as tropelias e as injustiças que diariamente se praticam neste país: se os responsáveis pela Justiça se comportam como se comportam nos casos em que sabem estar a ser escrutinados pela comunicação social, como não se comportarão eles nas situações em que ninguém, para além dos pobres envolvidos, escrutina seja o que for...
Portugal está gravemente doente. E as elites que temos são o seu cancro.
É um verdadeiro encontro com a desdita, porque de forma mais ou menos garantida tem à sua frente: anos de espera até que o processo fique pronto para julgamento; infindável burocracia; arrastados procedimentos administrativos; dias perdidos de idas inúteis a tribunal (por sucessivos adiamentos das sessões de julgamento); se for testemunha, intermináveis horas que tem de aguardar para ser ouvido pelo juiz; interrogatórios maldispostos, arrogantes e, muitas vezes, comentários néscios e mal-educados, por parte de quem julga; sentenças mal fundamentadas; recursos infindáveis; prescrições atrás de prescrições; e, no final, tempo e mais tempo inexoravelmente perdido.
Não devo andar longe da verdade se disser que a elite que domina a Justiça, em Portugal, é, a par da elite política e da elite empresarial, a mais incompetente. Contudo, publicamente a classe dos juízes é das mais veneradas. Mas esta veneração não vem do reconhecimento do seu mérito, vem do receio de ser vítima do seu poder. De facto, no nosso país, o direito à Justiça foi, já há muito tempo, substituído pelo medo à Justiça. Medo pela sua incompetência e medo pela sua inoperância. Cair nas suas malhas é cair no mundo da incerteza, da bizarria e do acaso. Sabe-se como um processo começa, mas não se sabe como, quando e se acaba.
É por isso que nos corredores dos tribunais e nos escritórios de advogados se ouve dizer, com a naturalidade própria de uma tradição assumida, que, neste país, os tribunais não fazem Justiça, ditam sentenças (quando as ditam...). É por isso que, em Portugal, só quem não pode é que não foge da Justiça, seja vítima ou testemunha — paradoxalmente, quem menos dela fugirá serão os criminosos.
O recente e vergonhoso caso Isaltino é apenas mais um caso que ilustra bem a obscena situação a que a Justiça chegou, e que se junta a um já infindável rol de casos, onde o pitoresco, o rocambolesco e o impensável se embrulham com a incompetência e a inoperância: do caso Felgueiras ao caso Casa Pia, passando pelos casos do Apito Dourado, do BPN, do BPP, do Face Oculta, do caso das escutas a Sócrates e por aí fora.
Devemos tentar agora imaginar o que não acontecerá nos milhares de casos de Justiça que não são noticiados, porque não envolvem figuras públicas. Devemos tentar imaginar as tropelias e as injustiças que diariamente se praticam neste país: se os responsáveis pela Justiça se comportam como se comportam nos casos em que sabem estar a ser escrutinados pela comunicação social, como não se comportarão eles nas situações em que ninguém, para além dos pobres envolvidos, escrutina seja o que for...
Portugal está gravemente doente. E as elites que temos são o seu cancro.