segunda-feira, 18 de julho de 2011

Nacos

«Segundo a encarregada do departamento de Delitos Sexuais de Santa Teresa, uma entidade governamental que tinha apenas meio ano de existência, a proporção de assassínios em toda a República Mexicana era de dez homens para uma mulher, enquanto que a proporção em Santa Teresa era de quatro mulheres para cada dez homens. A encarregada chamava-se Yolanda Palacio e era uma mulher com cerca de  trinta anos, de pele clara e cabelo castanho, formal, embora se vislumbrasse por trás da sua formalidade o desejo de ser feliz, o desejo da festa permanente. Mas o que é a festa permanente?, interrogou-se Sérgio González. Talvez o que diferencia alguns de nós, que vivemos na tristeza quotidiana. Vontade de viver, vontade de ir à luta, como dizia o seu pai, mas ir à luta contra o quê, o inevitável? Lutar contra quem? E para conseguir o quê? Mais tempo, uma certeza, o vislumbre de algo essencial? Como se houvesse algo essencial nesta merda de país, pensou, como se o houvesse nesta merda de planeta chupador da sua própria verga. Yolanda Palacio tinha estudado direito na Universidade de Santa Teresa, e depois especializou-se em direito penal na Universidade de Hermosillo, mas não gostava dos tribunais, descobriu isto um pouco tarde, nem de ser litigante, por isso dedicou-se à investigação. O senhor sabe quantas mulheres são vítimas de crimes sexuais nesta cidade? Mais de duas mil por ano. E quase metade são menores. E provavelmente um número semelhante não denuncia a violação, pelo que estaríamos a falar de quatro mil violações por ano. Quer dizer, todos os dias violam mais de dez mulheres aqui, fez um gesto como se os estupros estivessem a ser cometidos no corredor. Um corredor mal iluminado por uma lâmpada fluorescente amarela, exactamente igual à lâmpada fluorescente que permanecia apagada no gabinete de Yolanda Palacio. Algumas das violações, é claro, acabam em assassínio. Mas não quero exagerar, a maioria conforma-se com violar e já está, acabou-se, vamos a outra coisa. Sérgio não soube o que dizer. O senhor sabe quantas pessoas trabalham no Departamento de Delitos Sexuais? Só eu. Antes tinha uma secretária. Mas cansou-se e foi para Ensenada, onde tem família. Bolas, disse Sérgio. Isso, sim, bolas, muito bolas por isto e bolas por aquilo, muito caramba, muito fogo, muito é demais, mas na hora da verdade aqui ninguém se lembra de nada, nem uma palavra, nem tomates para fazer alguma coisa. Sérgio baixou o olhar e depois olhou para o rosto cansado de Yolanda Palacio. E, a propósito de tomates, disse esta, tem vontade de comer?, eu estou morta de fome, aqui perto existe um restaurante que se chama El Rey del Taco, se gostar da comida tex-mex deve ir lá. Sérgio levantou-se. Convido eu, disse ele. Eu não tinha dúvida disso, disse Yolanda Palacio.»
Roberto Bolaño, 2666, pp. 646-647.