quinta-feira, 7 de julho de 2011

Nacos

«Durante muitos dias Juan de Dios Martínez pensou nos quatro enfartes que Herminia Noriega sofreu antes de morrer. Às vezes punha-se a pensar naquilo enquanto comia ou enquanto urinava nas casas de banho de uma cafetaria ou de um restaurante com self service frequentado por inspectores, ou antes de adormecer, no exacto momento de apagar a luz, ou talvez segundos antes de apagar a luz, e então levantava-se da cama e aproximava-se da janela e olhava para a rua, uma rua vulgar, feia, silenciosa, pouco iluminada, e depois ia até à cozinha e punha água a ferver e fazia café, e às vezes, enquanto bebia o café quente e sem açúcar, um café de merda, ligava a televisão e punha-se a ver os programas nocturnos que chegavam pelos quatro pontos cardeais do deserto, àquela hora captava canais mexicanos e norte-americanos, canais de loucos inúteis que cavalgavam sob as estrelas e que se cumprimentavam com palavras ininteligíveis, em espanhol ou em inglês, ou em spanglish, mas ininteligíveis todas aquelas palavras de merda, e então Juan de Dios Martínez deixava a chávena de café na mesa e cobria a cabeça com as mãos e dos seus lábios escapava-se um ulular débil e preciso, como se chorasse ou se esforçasse por chorar, mas quando no fim retirava as mãos só apareciam, iluminadas pelo ecrã do televisor, as suas trombas velhas, a sua velha pele infecunda e seca, sem o mais pequeno rasto de uma lágrima.»
Roberto Bolaño, 2666, p. 614.