sábado, 9 de julho de 2011

Ao sábado: momento quase filosófico

A realidade do espelho ou o espelho da realidade 

Um lavrador chinês foi à cidade vender seu arroz. A mulher pediu-lhe:
— Se fazes favor, traz-me um pente.
Na cidade, vendeu o seu arroz e foi beber com amigos. No momento de partir, lembrou-se da mulher. Tinha-lhe pedido qualquer coisa, mas o quê? Impossível recordar-se. Comprou um espelho numa loja para senhoras e voltou para a aldeia.
Deu o espelho à mulher e saiu de casa para ir para o campo. A mulher viu-se ao espelho e pôs-se a chorar. A sua mãe, que a viu chorar, perguntou-lhe a razão daquelas lágrimas.
A mulher estendeu-lhe o espelho dizendo:
— O meu marido reduziu-me a Segunda Esposa.
A mãe pegou por sua vez no espelho, olhou-o e disse à filha:
— Não tens que te inquietar, ela é já muito velha.
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O poeta persa a quem chamamos Rumi conta, no Masnavi, a história de um homem de uma fealdade abominável que atravessa o deserto a pé.
Na areia, vê qualquer coisa que brilha. É um pedaço de espelho. O homem baixa-se, pega no espelho e olha.
— Que horror! — exclama. — Não admira que tenham deitado isto fora!
Atirou o espelho para a areia e prosseguiu o seu caminho.
In Jean-Claude Carrière, Tertúlia de Mentirosos.