Uma agência de notação financeira baixou o rating da nossa dívida pública, de longo prazo, para o nível designado de «lixo», isto é, o rating que nos atribuem é o mesmo que nos dizerem que estamos de rastos.
O Governo apressou-se a reagir, afirmando que a agência em questão ignorou os efeitos do imposto extraordinário sobre o subsídio de Natal e que também ignorou o amplo consenso político que suporta as medidas financeiras e económicas acordadas com a troika. Numa palavra, o Governo acha que se tratou de uma injustiça, de uma imoralidade, para Portugal.
O interessante de tudo isto é a sensação de déjà vu que nos provoca. Todos nós já vimos este enredo, e o curioso é constatar que os novos protagonistas nada mais fazem do que mimetizar as reacções e as declarações dos protagonistas anteriores. Foi assim que Sócrates e Teixeira dos Santos sempre reagiram. Torna-se pertinente perguntar: é isto que trazem de novo? Também parece pertinente perguntar: é esta a imensa credibilidade de que são portadores, em particular a publicitada credibilidade do ministro das Finanças? E ainda pertinente perguntar parece: não é o mercado o melhor regulador de si próprio? Não é o actual Governo, em particular o seu ministro das Finanças, um crente fervoroso no liberalíssimo funcionamento do mercado? O mercado pode ser imoral? Segundo as teses liberais, não pode. Aliás, segundo as teses liberais, essa questão nem faz sentido. O mercado pode ser injusto? Segundo as teses liberais, não pode. Aliás, segundo as teses liberais, essa questão também não faz sentido. Não é o mercado, por definição, auto-regulador? Segundo as teses liberais, é. De onde vem então o queixume?
Esforço-me por tentar compreender os nossos liberais, mas não consigo. Todavia, acho que posso deixar este lembrete: Senhores, deixai o mercado funcionar livremente! Mostrai que credes verdadeiramente nos princípios liberais que publicamente apregoais! Não vos deixeis cair em contradição! E, acima de tudo, não vos queixeis!
Mas os nossos liberais são uns pontos. Os do Governo e os da sociedade civil. É uma delícia ouvi-los elogiar a livre concorrência, a competividade e a absoluta defesa da meritocracia, que, segundo eles, premeia sempre os melhores. Vem isto a propósito das reacções de Pinto Balsemão e de Paes do Amaral, respectivamente, patrões da SIC e da TVI. Estes dois defensores da liberdade do mercado surpreenderam-me quando, há dias, se mostraram indignados com a possibilidade da RTP ser privatizada, passando para três o número de estações privadas, com sinal aberto: que isso seria uma catástrofe, que isso levaria à perda de qualidade dos programas, que isso conduziria a menos informação, que isso conduziria à perda de publicidade, que isso... que isso...
Os nosso liberais são uns pontos. Vamos ver: defende-se a livre concorrência, ou não se defende? Defende-se que seja o mercado a escolher quem é o melhor, ou não se defende? Defende-se que a competitividade premeia o mérito, ou não se defende?
Pode baixar a qualidade dos programas e da informação? Não acredito que possa baixar. Não é precisamente a livre concorrência e a competitividade que, no vosso entender, faz subir a qualidade? O mercado publicitário é pequeno para três: e, daí, que problema surge? O mercado saberá escolher quais são os dois melhores. Uma das televisões terá de fechar? Mas se o mercado assim o determinar, qual é o problema? Não é isto que os senhores liberais defendem permanentemente? Ou o liberalismo é sou para os outros?
Os nossos liberais são uns pontos.