Aviltaram o conceito de mérito, e fizeram-no de modo irremediável, pelo menos durante os tempos mais próximos. Na verdade, aquilo de que verdadeiramente falam aqueles que agora enchem, preenchem e abarrotam o discurso com o termo mérito é de meritocracia.
O termo mérito não suscita problemas do ponto de vista conceptual, mas levanta enormes problemas do ponto de vista da sua aferição na grande parte das actividades que o ser humano desenvolve. E essa objectiva dificuldade de aferição deveria obrigar a muita parcimónia na sua utilização discursiva. Todavia, o que se verifica é o inverso: não só não existe qualquer parcimónia no seu uso, como, agora e novamente, se chega ao ponto de querer assentar todo o funcionamento da sociedade na operacionalização desse conceito. Pretende-se a aplicação generalizada, indiscriminada e, perdoe-se-me a expressão, atoleimada do mérito a tudo quanto na sociedade mexa, como se essa aplicação fosse possível de ser realizada de modo justo, fiável e credível. Ora não há seriedade intelectual nesta propositura, porque quem o defende sabe que essa aplicação não é possível de ser concretizada daquele modo.
Mas o aviltamento da noção de mérito não advém apenas da sua desonesta utilização discursiva, vem também do facto de terem associado o mérito ao recebimento de um prémio. Dito de modo mais conforme à realidade: de terem associado o mérito à corrida ao prémio. No pensamento dos ideólogos desta meritocracia, deveremos passar a entender o exercício de uma qualquer profissão como uma desvairada correria em busca do prémio que premeie o nosso pretenso mérito.
Contudo, como nada disto é passível de concretização séria, o que na realidade se procura instaurar é o darwinismo social, em que a lei do mais forte, ou do mais chico-esperto, ou do mais reguila, ou do mais candongueiro, ou do mais trapaceiro prevalece. Não havendo possibilidade de garantir uma avaliação séria e transparente do mérito, a inevitável consequência é a institucionalização da batota.
O mérito enquanto conceito axiológico desligado de aderências interesseiras morreu. Morreu, porque foi aviltado e adulterado. E enquanto não o libertarem da contaminação interesseira, por favor, não me falem em mérito.