sexta-feira, 30 de outubro de 2009

A incompetência levada ao limite do inimaginável

O Diário da República publicou, há nove dias (21 de Outubro), uma portaria que é mais um exemplo da inimaginável incompetência do Governo cessante (e, por extensão, do actual, pois o primeiro-ministro é o mesmo e os principais ministros também). Essa portaria, n.º 1317/2009, vem assinada pelo ministro de Estado e das Finanças, Teixeira dos Santos, e pelo secretário de Estado da Educação, Valter Lemos. O primeiro tem a injustificada auréola de muito competente, o segundo tem a justificada auréola de muito incompetente. Ao assinarem o que assinaram, ambos fizeram jus, respectivamente, à injustificação e à justificação das suas auréolas.
Esta portaria veio estabelecer o regime (transitório) de avaliação de desempenho dos professores que, no ano lectivo 2008-2009, exerceram funções nos conselhos executivos, ou nas comissões executivas, ou nas novas direcções das escolas, assim como dos professores que exerceram as funções de director de centro de formação.
O conteúdo desta portaria raia o absurdo. O conteúdo desta portaria revela, pela enésima vez, como somos governados por pessoas que não estão minimamente qualificadas para as funções que exercem.
Vamos por partes.
1. Esta portaria dita as regras para a avaliação do desempenho daqueles professores num ano lectivo específico: 2008-2009. É o desempenho desse ano lectivo que é objecto de avaliação e nada mais. Convém não esquecer isto, na análise que se segue.

2. O sistema de avaliação estabelecido na portaria assenta, exclusivamente, na classificação do que a portaria apelida de elementos curriculares. São eles: habilitações académicas (10%), habilitações profissionais (25%), formação profissional (25%) e experiência profissional (40%).

3. Nas habilitações académicas atribui-se 5 pontos a quem é doutor ou mestre, 4 pontos a quem é licenciado e 3 pontos a quem é bacharel.
a. Primeira aberração: se o que vai ser avaliado é o desempenho de alguém no ano lectivo 2008-2009, que tem isso que ver com a habilitação académica que esse alguém possui? Está a ser avaliado o seu desempenho ou o seu currículo?
b. E mesmo que fosse o currículo a ser avaliado, com que fundamento se pontua do mesmo modo um doutoramento e um mestrado? Têm o mesmo valor académico? Desde quando e para quem? Mais: que fundamento, que seriedade tem diferenciar com um ponto o doutoramento da licenciatura? Para o ministro Teixeira dos Santos e para o ex-secretário de Estado Valter Lemos, doutoramento, mestrado e licenciatura é o tudo o mesmo ou quase o mesmo?

4. Segunda aberração. A segunda aberração é sequência da primeira. Repete o mesmo inconcebível critério de, nas habilitações profissionais, atribuir a mesma pontuação ao doutoramento e ao mestrado em administração escolar ou administração educacional. E continua a diferenciar com um ponto o doutoramento de uma pós-graduação, naquelas áreas. E a diferenciar com dois pontos um doutoramento de qualquer outra formação em administração e gestão.

5. Terceira aberração: para avaliar o desempenho do ano lectivo 2008-2009, o ministro Teixeira dos Santos e o ex-secretário de Estado Valter Lemos consideram justo, adequado e pertinente atribuir 5 pontos a quem tenha mais de seis anos de exercício de funções como membro do órgão de gestão e administração, seguidos ou interpolados; 4 pontos a quem tenha mais de três e até seis anos; e por aí fora. O conceito que o Governo tem de avaliação é isto, é esta aberração: avalia-se o desempenho de um ano lectivo pelo número de anos em que alguém já exerceu essas funções!!! E até pode ter desempenhado essas funções há vinte anos, que não interessa, desde que atinja o número mágico de seis anos, tem a pontuação máxima. Como não interessa igualmente se nesses seis anos desempenhou bem ou mal essas funções, tem na mesma a pontuação máxima.
Estamos a ser governados por pessoas que não só não têm qualificação para o que estão a fazer como não tem pudor em legislar enormidades destas.

6. Quarta aberração. Um outro critério para a atribuição de 5 pontos (pontuação máxima em tudo) é a escola ter tido uma classificação igual ou superior a Bom, no domínio da liderança, na avaliação externa a que tenha sido sujeita. Ora, como, em alguns casos, a avaliação externa recaiu sobre o ano lectivo anterior ao que estava a ser realizada, e no ano lectivo anterior era outro o conselho executivo, quem vai apanhar com os bons ou os maus resultados é quem pode não ter nada que ver com o objecto dessa avaliação, porque, simplesmente, não exercia funções no tempo sobre o qual recaiu a avaliação. Este é o rigor, é a objectividade e a fiabilidade da avaliação que o Governo pratica.

7. Aberração final. Para não ser demasiado longo, há uma última pergunta que é anterior a tudo o que acima foi exposto: é aceitável, é possível, ou é sequer imaginável realizar-se um jogo e depois do jogo concluído serem elaboradas as regras desse jogo?
Isto é possível, isto é imaginável? Esta portaria saiu em 21 de Outubro e estabelece as regras para avaliar o desempenho de um mandato que, na maioria dos casos, terminou no mês de Junho do ano lectivo anterior, isto é, há quatro meses.
Por exemplo, estipula-se, agora, depois do jogo finalizado e depois dos jogadores terem recolhido ao balneário, de terem tomado banho e de terem regressado a suas casas, que se dá 5 pontos a quem frequentou acções de formação com mais de 25 horas, e 4 pontos a quem frequentou acções de formação entre 10 e 25 horas, e por aí fora. Estipula-se, agora, depois do jogo finalizado, que se dá 5 pontos a quem criou cursos profissionais ou CEF e cursos EFA, e 4 pontos a quem criou apenas cursos profissionais ou CEF, e por aí fora. A posteriori informa-se que são estes os itens avaliativos.

Como é possível que nem nas coisas mais elementares haja uma réstia de seriedade? Onde chegámos nós, como país?
Mesmo no Terceiro Mundo, não deve ser fácil encontrar situações destas.