«Apesar de o processo ainda não ter chegado ao fim, a cereja em cima do bolo viria a ser revelada, obviamente, por José António Cerejo: nem mais nem menos do que a destruição dos arquivos do Ministério do Ambiente em relação a um dos mais espectaculares investimentos públicos no concelho do Fundão.
Este processo teve todos os ingredientes para fazer o mais crédulo dos cidadãos descrer no Estado de direito. E mais: colocou a imagem externa de Portugal nas ruas da amargura. Uma diligência de última hora, em 2003, que consistiu no envio de uma carta rogatória para o Reino Unido, teve um desenvolvimento humilhante para o magistrado titular do processo e para o MP. As autoridades britânicas recusaram um pedido de buscas à HLC Environmental Projects, de Horácio Luís de Carvalho, com sede em Londres. A justificação terá sido a mais óbvia: seis anos depois dos factoss não fazia qualquer sentido desencadear tal diligência. Aliás, toda a informação bancária também já tinha sido destruída, de acordo com os prazos legais. Alguém acredita que um qualquer corruptor continue a ter na sua posse informação comprometedora seis anos depois do início de investigações judiciais?
Os amigos beirões foram, eventualmente, salvos in extremis pela incúria da investigação portuguesa e pela compreensível recusa das autoridades inglesas, porventura pouco habituadas a este tipo de iniciativas que se arrastam no tempo e que mais parecem farsas. [...]
Numa das diversas conversas informais com José Sócrates, sempre disponível para tentar iluminar com a sua opinião uma qualquer conversa, das profissionais às de 'salão', fui surpreendido por uma afirmação que me deixou atónito e curioso. A propósito das relações entre o Estado e os privados, desvalorizou o interesse da investigação jornalística sobre o acordo 'secreto' entre o Estado e António Champalimaud. Foi como uma espécie de aviso, admito que até com contornos de um conselho fraterno. Face à minha determinação, o feedback foi qualquer coisa do tipo:
— "E depois? Está feito, está feito!".
Fiquei desconcertado! Sempre considerei que o tal 'acordo' esteve associado a um dos maiores escândalos do processo de reprivatizações do pós-25 de Abril. Não foi por acaso que esta investigação deu origem ao maior processo judicial de sempre contra jornalistas e órgãos de comunicação social, à época, bem como a constituição de duas comissões parlamentares de inquérito.
A observação ficou gravada na minha memória por representar uma perspectiva muito peculiar dos limites da governação, em particular da gestão dos bens públicos. Ainda que mais tarde tenha vindo a confirmar a amizade entre o governante e dois dos mais próximos do falecido banqueiro, Leonor Beleza e Daniel Proença de Carvalho, o episódio permitiu descortinar uma determinada visão do governante, muito antes dela vir à tona em todo o seu esplendor.»
Este processo teve todos os ingredientes para fazer o mais crédulo dos cidadãos descrer no Estado de direito. E mais: colocou a imagem externa de Portugal nas ruas da amargura. Uma diligência de última hora, em 2003, que consistiu no envio de uma carta rogatória para o Reino Unido, teve um desenvolvimento humilhante para o magistrado titular do processo e para o MP. As autoridades britânicas recusaram um pedido de buscas à HLC Environmental Projects, de Horácio Luís de Carvalho, com sede em Londres. A justificação terá sido a mais óbvia: seis anos depois dos factoss não fazia qualquer sentido desencadear tal diligência. Aliás, toda a informação bancária também já tinha sido destruída, de acordo com os prazos legais. Alguém acredita que um qualquer corruptor continue a ter na sua posse informação comprometedora seis anos depois do início de investigações judiciais?
Os amigos beirões foram, eventualmente, salvos in extremis pela incúria da investigação portuguesa e pela compreensível recusa das autoridades inglesas, porventura pouco habituadas a este tipo de iniciativas que se arrastam no tempo e que mais parecem farsas. [...]
Numa das diversas conversas informais com José Sócrates, sempre disponível para tentar iluminar com a sua opinião uma qualquer conversa, das profissionais às de 'salão', fui surpreendido por uma afirmação que me deixou atónito e curioso. A propósito das relações entre o Estado e os privados, desvalorizou o interesse da investigação jornalística sobre o acordo 'secreto' entre o Estado e António Champalimaud. Foi como uma espécie de aviso, admito que até com contornos de um conselho fraterno. Face à minha determinação, o feedback foi qualquer coisa do tipo:
— "E depois? Está feito, está feito!".
Fiquei desconcertado! Sempre considerei que o tal 'acordo' esteve associado a um dos maiores escândalos do processo de reprivatizações do pós-25 de Abril. Não foi por acaso que esta investigação deu origem ao maior processo judicial de sempre contra jornalistas e órgãos de comunicação social, à época, bem como a constituição de duas comissões parlamentares de inquérito.
A observação ficou gravada na minha memória por representar uma perspectiva muito peculiar dos limites da governação, em particular da gestão dos bens públicos. Ainda que mais tarde tenha vindo a confirmar a amizade entre o governante e dois dos mais próximos do falecido banqueiro, Leonor Beleza e Daniel Proença de Carvalho, o episódio permitiu descortinar uma determinada visão do governante, muito antes dela vir à tona em todo o seu esplendor.»
Rui Costa Pinto, José Sócrates - o Homem e o Líder, Exclusivo Edições, pp. 34-40.