«Toda a gente conhece Larus. Tinham-me dito que, se eu quisesse compreender a criatividade exuberante dos islandeses, tinha de falar com Larus. [...]
Dizer que Larus tem uma educação eclética é como dizer que Roger Federer leva o ténis na brincadeira. Com os seus quarenta e poucos anos, Larus ganhou a vida como jogador de xadrez, mas também como jornalista, gerente de uma empresa de construção, teólogo e, agora, produtor de música.
— Eu sei — pressentindo a minha incredulidade. — Mas este tipo de currículo é perfeitamente normal na Islândia.
Ter múltiplas identidades (mas não múltiplas personalidades) é, está ele convencido, favorável à felicidade. Esta ideia é contrária à crença que prevalece nos Estados Unidos, e noutros países ocidentais, segundo a qual a especialização é considerada o bem mais precioso. Académicos, médicos e outros profissionais dedicam a vida inteira a aprender mais e mais acerca de menos e menos. Na Islândia, as pessoas aprendem mais e mais acerca de mais e mais.
Peço a Larus que me fale sobre a efervescência criativa que se sente no ar de Reiquiavique. De onde provém — e como é que posso arranjar alguma?
Ele empurra os óculos contra o nariz.
— Inveja
— O que é que tem?
— Não há muita na Islândia.
A falta de inveja de que ele está a falar é ligeiramente diferente daquela que vi na Suíça. Os suíços acabam com a inveja, escondendo as coisas. Os islandeses põem fim à inveja partilhando-as. Os músicos islandeses ajudam-se mutuamente, explica Laarus. Se uma banda precisa de um amplificador ou de uma guitarra solo, há sempre uma outra banda disposta a ajudar, e sem fazer perguntas. Também as ideias circulam livremente, sem serem dificultadas pela inveja, o mais tóxico dos sete pecados mortais. [...]
Esta relativa falta de inveja é um sinal inequívoco de uma Idade de Ouro, comenta Peter Hall. Na passagem que se segue, Hall está a descrever a Paris do virar do século, mas poderia, muito bem, estar a descrever a Reiquiavique do século XXI: "Viviam e trabalhavam em conjunto. Qualquer inovação, qualquer nova tendência, era de imediato conhecida, e poderia ser livremente incorporada no trabalho de qualquer outro." Por outras palavras, os artistas parisienses de 1900 acreditavam no software livre. É o que acontece com os islandeses. É claro que também competem entre si, mas no sentido original da palavra. A raiz da palavra "competir" encontra-se no latim competure, que significa "procurar com".
Muito bem, encontrei mais uma peça do puzzle. Inveja mínima. Mas continuo a achar que me está a escapar qualquer coisa. Como é possível que este país minúsculo produza, per capita, mais artista e escritores do que qualquer outro?
— Isso deve-se ao insucesso — explica Larus, empurrando os óculos com força contra a cana do nariz.
— Insucesso?!
— Sim. Na Islândia, o insucesso não acarreta um estigma. Na verdade, nós, em certa medida, até admiramos os insucessos.
— Admiram os insucessos?! Isso parece... absurdo. Ninguém admira o insucesso.
— Deixe-me colocar a questão de outra forma. Gostamos das pessoas que falham quando elas falham com as melhores intenções. Talvez tenham falhado porque não eram suficientemente implacáveis, por exemplo.
Quanto mais pensava nisto, mais sentido me fazia. Porque, se somos livres de falhar, somos livres de tentar.»
Dizer que Larus tem uma educação eclética é como dizer que Roger Federer leva o ténis na brincadeira. Com os seus quarenta e poucos anos, Larus ganhou a vida como jogador de xadrez, mas também como jornalista, gerente de uma empresa de construção, teólogo e, agora, produtor de música.
— Eu sei — pressentindo a minha incredulidade. — Mas este tipo de currículo é perfeitamente normal na Islândia.
Ter múltiplas identidades (mas não múltiplas personalidades) é, está ele convencido, favorável à felicidade. Esta ideia é contrária à crença que prevalece nos Estados Unidos, e noutros países ocidentais, segundo a qual a especialização é considerada o bem mais precioso. Académicos, médicos e outros profissionais dedicam a vida inteira a aprender mais e mais acerca de menos e menos. Na Islândia, as pessoas aprendem mais e mais acerca de mais e mais.
Peço a Larus que me fale sobre a efervescência criativa que se sente no ar de Reiquiavique. De onde provém — e como é que posso arranjar alguma?
Ele empurra os óculos contra o nariz.
— Inveja
— O que é que tem?
— Não há muita na Islândia.
A falta de inveja de que ele está a falar é ligeiramente diferente daquela que vi na Suíça. Os suíços acabam com a inveja, escondendo as coisas. Os islandeses põem fim à inveja partilhando-as. Os músicos islandeses ajudam-se mutuamente, explica Laarus. Se uma banda precisa de um amplificador ou de uma guitarra solo, há sempre uma outra banda disposta a ajudar, e sem fazer perguntas. Também as ideias circulam livremente, sem serem dificultadas pela inveja, o mais tóxico dos sete pecados mortais. [...]
Esta relativa falta de inveja é um sinal inequívoco de uma Idade de Ouro, comenta Peter Hall. Na passagem que se segue, Hall está a descrever a Paris do virar do século, mas poderia, muito bem, estar a descrever a Reiquiavique do século XXI: "Viviam e trabalhavam em conjunto. Qualquer inovação, qualquer nova tendência, era de imediato conhecida, e poderia ser livremente incorporada no trabalho de qualquer outro." Por outras palavras, os artistas parisienses de 1900 acreditavam no software livre. É o que acontece com os islandeses. É claro que também competem entre si, mas no sentido original da palavra. A raiz da palavra "competir" encontra-se no latim competure, que significa "procurar com".
Muito bem, encontrei mais uma peça do puzzle. Inveja mínima. Mas continuo a achar que me está a escapar qualquer coisa. Como é possível que este país minúsculo produza, per capita, mais artista e escritores do que qualquer outro?
— Isso deve-se ao insucesso — explica Larus, empurrando os óculos com força contra a cana do nariz.
— Insucesso?!
— Sim. Na Islândia, o insucesso não acarreta um estigma. Na verdade, nós, em certa medida, até admiramos os insucessos.
— Admiram os insucessos?! Isso parece... absurdo. Ninguém admira o insucesso.
— Deixe-me colocar a questão de outra forma. Gostamos das pessoas que falham quando elas falham com as melhores intenções. Talvez tenham falhado porque não eram suficientemente implacáveis, por exemplo.
Quanto mais pensava nisto, mais sentido me fazia. Porque, se somos livres de falhar, somos livres de tentar.»
Eric Weiner, A Geografia da Felicidade, Lua de Papel, pp. 190-192.