«As inúmeras adjudicações públicas entregues a empresas e empresários amigos ou próximos de José Sócrates — em que até o seu pai, Fernando Pinto de Sousa, foi chamado a intervir profissionalmente — impressionaram pelos montantes envolvidos. Aliás, certamente por uma nova coincidência, António Morais viria ainda mais tarde, em 2005, a ser nomeado por Alberto Costa (Foi ministro da Administração Interna no governo de António Guterres. Esteve envolvido num escândalo de pressões sobre um juiz, em Macau, em 1988), ministro da Justiça, para presidente do Instituto de Gestão Financeira e Patrimonial da Justiça.
Em termos substantivos, António Morais, Ana Morais e Horácio Luís de Carvalho foram acusados dos crimes de corrupção e branqueamento de capitais, mas o processo ainda tem muita 'estrada' para percorrer. [...]
A estratégia de defesa não saiu vencedora, pois em Maio de 2009 os acusados foram pronunciados. Sobrou — e certamente não é despiciendo! — a marcação da primeira audiência de julgamento para 14 de Outubro de 2009, isto é, para depois das eleições legislativas, sendo que o primeiro-ministro é uma das testemunhas chamadas a depor.
A actual situação processual da "Cova da Beira" não evitou o acumular de dúvidas. José António Cerejo, o jornalista que mais investigou o caso, deixou perguntas capitais [cf. "Investigação da Cova da Beira durou 10 anos e deixou muito por explicar", Público, 14/3/09] que ainda ninguém quis ou conseguiu esclarecer:
"Por que razão é que a investigação demorou dez anos?;
Por que é que o antigo motorista Jorge Pombo nunca foi inquirido, apesar de na Averiguação Preventiva ter relatado informalmente à Polícia Judiciária (PJ) factos relevantes, nomeadamente as idas e vindas de várias pessoas envolvidas no caso e conduzidas por ele ao gabinete de José Sócrates e aos escritórios da HLC e de António Morais, todos em Lisboa?;
Por que é que Augusto Teixeira, antigo director delegado da Associação de Municípios da Cova da Beira, que foi o único a votar contra a intenção de adjudicar o aterro à HLC, e que foi presidente da Câmara da Covilhã pelo PS, só foi inquirido formalmente em 2007, já com 85 anos e depois de ser acometido pela doença de Parkinson?;
Por que é que João José Cristóvão, ex-assessor de Pombo, nunca foi inquirido, apesar de ser amplamente referido no decurso da Averiguação Preventiva e ser autor de um documento, datado de Março de 1998 e apreendido no gabinete de Horácio de Carvalho, em que diz que vai ter uma 'reunião com o Sócrates'?;
Foi encontrada alguma explicação para o convite feito à empresa de Morais e às duas empresas de Silvino Alves, todas de Lisboa, para assessorar o concurso?;
Uma peritagem da PJ concluiu, em 2002, que as mudanças de localização do aterro, em 1998, implicaram elevados custos adicionais e beneficiaram sobretudo a HLC. Esses custos foram suportados pela Associação de Municípios da Cova da Beira por decisão do coordenador do projecto escolhido por Sócrates. O assunto foi investigado?
José Sócrates alguma vez foi ouvido no âmbito do processo?;
Foram feitas escutas telefónicas no decurso da investigação?;
Houve pagamentos adiantados à HLC com base em autos de medição de obra falsos?;
A investigação seguiu a pista das numerosas adjudicações do Gabinete de Estudos e Planeamento de Instalações do Ministério da Administração Interna (GEPI), dirigido por Morais, à Conegil e a empresas ligadas a Armando Trindade e Silvino Alves?".
A transcrição do rol de questões impressiona, sobretudo quando ficamos a saber que o governante nem sequer chegou a ser ouvido em sede do processo... E releva uma nova questão: é possível ter alguma confiança num MP que remata assim um processo para as calendas da sua autonomia imperial? A confirmar-se que o procurador-geral da República, Fernando Pinto Monteiro, à data da publicação daquele artigo, não tomou qualquer medida no âmbito processual e/ou disciplinar para apurar responsabilidades internas, a resposta só pode ser não!
José Sócrates saiu ileso de toda esta extraordinária investigação, depois do arquivamento pelo MP de todos os indícios que lhe diziam respeito, mas não se livrou — e não se livra! — do ónus de ter tutelado áreas de actividade — o Ambiente e o Ordenamento do Território — em que se multiplicaram suspeições. E ainda a 'procissão' ia no adro, como se verá a propósito de inúmeros negócios públicos nos últimos quinze anos, magistralmente observados por Helena Matos, em "Os áugures num país de primos" [cf. Público, 5/2/09].»
Em termos substantivos, António Morais, Ana Morais e Horácio Luís de Carvalho foram acusados dos crimes de corrupção e branqueamento de capitais, mas o processo ainda tem muita 'estrada' para percorrer. [...]
A estratégia de defesa não saiu vencedora, pois em Maio de 2009 os acusados foram pronunciados. Sobrou — e certamente não é despiciendo! — a marcação da primeira audiência de julgamento para 14 de Outubro de 2009, isto é, para depois das eleições legislativas, sendo que o primeiro-ministro é uma das testemunhas chamadas a depor.
A actual situação processual da "Cova da Beira" não evitou o acumular de dúvidas. José António Cerejo, o jornalista que mais investigou o caso, deixou perguntas capitais [cf. "Investigação da Cova da Beira durou 10 anos e deixou muito por explicar", Público, 14/3/09] que ainda ninguém quis ou conseguiu esclarecer:
"Por que razão é que a investigação demorou dez anos?;
Por que é que o antigo motorista Jorge Pombo nunca foi inquirido, apesar de na Averiguação Preventiva ter relatado informalmente à Polícia Judiciária (PJ) factos relevantes, nomeadamente as idas e vindas de várias pessoas envolvidas no caso e conduzidas por ele ao gabinete de José Sócrates e aos escritórios da HLC e de António Morais, todos em Lisboa?;
Por que é que Augusto Teixeira, antigo director delegado da Associação de Municípios da Cova da Beira, que foi o único a votar contra a intenção de adjudicar o aterro à HLC, e que foi presidente da Câmara da Covilhã pelo PS, só foi inquirido formalmente em 2007, já com 85 anos e depois de ser acometido pela doença de Parkinson?;
Por que é que João José Cristóvão, ex-assessor de Pombo, nunca foi inquirido, apesar de ser amplamente referido no decurso da Averiguação Preventiva e ser autor de um documento, datado de Março de 1998 e apreendido no gabinete de Horácio de Carvalho, em que diz que vai ter uma 'reunião com o Sócrates'?;
Foi encontrada alguma explicação para o convite feito à empresa de Morais e às duas empresas de Silvino Alves, todas de Lisboa, para assessorar o concurso?;
Uma peritagem da PJ concluiu, em 2002, que as mudanças de localização do aterro, em 1998, implicaram elevados custos adicionais e beneficiaram sobretudo a HLC. Esses custos foram suportados pela Associação de Municípios da Cova da Beira por decisão do coordenador do projecto escolhido por Sócrates. O assunto foi investigado?
José Sócrates alguma vez foi ouvido no âmbito do processo?;
Foram feitas escutas telefónicas no decurso da investigação?;
Houve pagamentos adiantados à HLC com base em autos de medição de obra falsos?;
A investigação seguiu a pista das numerosas adjudicações do Gabinete de Estudos e Planeamento de Instalações do Ministério da Administração Interna (GEPI), dirigido por Morais, à Conegil e a empresas ligadas a Armando Trindade e Silvino Alves?".
A transcrição do rol de questões impressiona, sobretudo quando ficamos a saber que o governante nem sequer chegou a ser ouvido em sede do processo... E releva uma nova questão: é possível ter alguma confiança num MP que remata assim um processo para as calendas da sua autonomia imperial? A confirmar-se que o procurador-geral da República, Fernando Pinto Monteiro, à data da publicação daquele artigo, não tomou qualquer medida no âmbito processual e/ou disciplinar para apurar responsabilidades internas, a resposta só pode ser não!
José Sócrates saiu ileso de toda esta extraordinária investigação, depois do arquivamento pelo MP de todos os indícios que lhe diziam respeito, mas não se livrou — e não se livra! — do ónus de ter tutelado áreas de actividade — o Ambiente e o Ordenamento do Território — em que se multiplicaram suspeições. E ainda a 'procissão' ia no adro, como se verá a propósito de inúmeros negócios públicos nos últimos quinze anos, magistralmente observados por Helena Matos, em "Os áugures num país de primos" [cf. Público, 5/2/09].»
Rui Costa Pinto, José Sócrates - o Homem e o Líder, Exclusivo Edições, pp. 34-36.