sábado, 17 de outubro de 2009

«Rankings»

O relevo que a comunicação social dá aos rankings das escolas evidencia bem o estado de superficialidade em que vivemos e a que moda as elites, que têm poder no nosso país, estão vinculadas. A argumentação a favor da elaboração dos rankings é confrangedoramente pobre e deliberadamente falaciosa: 1. os rankings fazem justiça pois premeiam quem tem mérito; 2. os rankings promovem uma salutar competitividade entre as escolas; 3. os rankings incentivam à melhoria das piores classificadas; 4. os rankings informam os pais da qualidade das escolas. Basicamente é isto.
É isto e tudo isto é falso. Contudo, tudo isto passa para a opinião pública como sendo um conjunto de verdades óbvias. Os publicistas destes argumentículos, quando, nesta altura do ano, colocam ou lêem nos jornais estes rankings, vivem o seu momento único de prazer. Cegos por meia dúzia de dogmas ideológicos, julgam ter encontrado nos rankings o Santo Graal, na versão educativa. Pouco importa se aquilo que defendem tem alguma correspondência com a realidade. Fazer esse teste, proceder a esse escrutínio não é pertinente, nem relevante. O mito da competividade, enquanto sagrado motor da evolução, remédio de todos os males e salvador da humanidade, tem de continuar a ser idolatrado custe o que custar, embuste o que embustear. Os dados estão viciados e compara-se o que não tem comparação? Que importa? Vale tudo. Veja-se.
O Colégio Nossa Sra. do Rosário, do Porto, é, pelo segundo ano consecutivo, a primeira escola, a nível nacional, do ranking de alguns jornais. Este colégio particular situa-se na Avenida da Boavista, numa área dominada por famílias de nível sócio-económico elevado. A maioria dos alunos que frequentam aquele colégio é oriunda dessas famílias.
A Escola Básica e Secundária do Cerco, do Porto, está entre as vinte piores escolas, a nível nacional, no ranking de alguns jornais. Esta escola pública situa-se na zona do bairro do Cerco, junto à Estrada da Circunvalação. É um bairro de habitação social, já famoso pelas piores razões. A maioria dos alunos que frequentam aquela escola é oriunda de famílias de nível sócio-económico muito baixo, muitas delas desestruturadas e outras atingidas pela toxicodependência e pelo crime.
São estas realidades que são comparadas nos famosos rankings das escolas, como se fossem realidades que se pudessem comparar.
Esta comparação ilucida-nos alguma coisa quanto à qualidade de uma e outra escola? Ilucida-nos nada. Ilucida-nos alguma coisa quanto ao mérito do trabalho desenvolvido em cada uma das escolas? Ilucida-nos nada. Esta comparação é credível? Não é. Esta comparação é séria? Não é. Quem faz estes rankings sabe que isto não é credível nem é sério? Sabe.
Sabe e continua a fazê-lo, ano após ano, vergonhosamente.
Vergonhosamente, porque estes rankings mentem acerca das realidades escolares e enganam os pais dos alunos.
As nossas elites sempre foram, salvo raras excepções, medíocres. E as elites que dominam os nossos jornais não fogem à regra. Alimentam e alimentam-se do mito da competitividade e do mito da redução da realidade a números, a fórmulas, a classificações, ou, se se preferir, a folhas de Excel. As cabeças que vêem na folha de Excel a sua máxima realização intelectual são as cabeças da moda. Formatadas na superficialidade querem fazer das suas limitações as limitações do país.