sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

A vítima


1.
José Sócrates deu, ontem, uma conferência de imprensa para dizer que:
— está «a ser vítima de uma campanha negra»;
— «há poderes ocultos» contra ele;
— «não é a primeira vez que passa por isto»;
— está «a ser objecto de técnicas de deturpação e de insídia»;
— está «a enfrentar um teste de resistência».

2. Vamos aos factos. O Diário de Notícias divulga, na edição de hoje, o extenso conteúdo da carta rogatório oficial que a polícia inglesa (Serious Fraud Office) enviou ao DCIAP português.
Nesta carta estão escritas muitas coisas, entre as quais:

«A Serious Fraud Office e a Polícia da Cidade de Londres estão a fazer uma investigação por suspeita de crimes. Esta investigação está relacionada com uma outra feita pelas autoridades portuguesas sob suspeita de suborno e corrupção relacionadas com o Freeport de Alcochete.
Os cidadãos do Reino Unido que se sabe terem ligações ao caso e que estão por isso a ser investigados são os seguintes:
1- Sean Collidge
2- Garry Russel
3- Jonathan Rawnsley
4- Rick Dattani
5 - Charles Smith
6 - William (Billy) Mc Kinney Jr
Há razões para acreditar que estas pessoas tenham cometido crimes de suborno e corrupção violando as leis de Inglaterra e do País de Gales. (...)
Os cidadãos indicados em baixo, que não são do Reino Unido, são considerados sob investigação por terem solicitado, recebido ou facilitado pagamentos que constituam os crimes indicados no anexo 1 (referência a todos os crimes que podem estar em causa):
7. José Sócrates
8. José Marques
9. João Cabral
10. Manuel Pedro»
Isto é um facto. A polícia inglesa afirma isto. Não é invenção de nenhuma campanha negra. É uma carta oficial escrita por uma autoridade estrangeira dirigida a uma autoridade portuguesa. José Sócrates, primeiro-ministro de Portugal, é considerado, conjuntamente com mais três portugueses, sob investigação, por ter solicitado, recebido ou facilitado pagamentos que podem constituir crime. Preto no branco é isto que está escrito.
Há aqui algum poder oculto? A polícia inglesa é um poder oculto? Não é. É uma autoridade institucional e bem visível.
Diz José Sócrates que não é a primeira vez que passa por isto. Mau sinal. Pior ainda.
O primeiro-ministro também se queixa
que está a ser objecto de técnicas de deturpação e de insídia. Mas onde está a deturpação, onde está a insídia? O conteúdo da carta foi mal traduzido? O conteúdo da carta foi deturpado? Ou a carta nem sequer existe?
Por fim, afirma que
está a enfrentar um teste de resistência. Um teste de resistência estamos nós a enfrentar. Porque aguentamos diariamente a sua arrogância, a sua grosseria, a sua vaidade, a sua falta de discernimento político, a sua teimosia patológica e muito mais que não vale sequer a pena enumerar.

3. Não se faça de vítima, sr. primeiro-ministro. O senhor está sob investigação policial e ponto final. Pode acontecer a qualquer um de nós. V. Ex.ª julgava que era ou queria ser uma excepção? Como sabe, não pode ser excepção. No Estado de Direito somos todos iguais perante a Lei. Não gosta? Não lhe é oportuno? Acredito, mas como V. Ex.ª diz, e bem, a Justiça não se pode regular pelos calendários eleitorais. Não seria razoável que ela esperasse pelo fim do ciclo eleitoral que se aproxima para, só depois, investigar. Não é isso que está a sugerir, pois não, sr. primeiro-ministro?
V. Ex.ª está inocente? É possível. Vamos ver. Tem direito a reclamar a sua inocência? Tem. Mas não se faça de vítima, de injustiçado. Quem está, objectivamente, a fazer aproveitamento político desta situação é V. Ex.ª. É que, como muito bem sabe, a vitimização rende eleitoralmente, e V. Ex.ª não se faz rogado em enveredar por esse caminho.
Do ponto de vista da Justiça, ninguém o pode acusar, a não ser, se fôr caso disso, as autoridades competentes. É um caso entre V. Ex.ª e a Justiça.
Do ponto de vista político, a situação é outra. V. Ex.ª já vai na terceira trapalhada: processo da sua licenciatura, processo da assinatura de projectos de colegas seus, processo Freeport. Politicamente V. Ex.ª está debilitado. São já muitos os portugueses que, independentemente de concordarem consigo, deixaram de acreditar em si. Perdeu a já pouca credibilidade política que tinha.
Mas eu sei que nestas coisas da política, infelizmente, nada é irreversível e as cambalhotas são o pão nosso de cada dia. E como V. Ex.ª é mestre em fazer uma coisa parecer aquilo que não é, ainda pode ser que tenha, para mal de todos nós, um auspicioso futuro político.
Mas, por favor, não se faça de vítima. Pelo menos nisso, tenha decoro.