segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Sei que não vou por aí ...

...
Não sei por onde vou
Não sei para onde vou
Sei que não vou por aí!
(José Régio, Cântico Negro)


Mais que uma vocação(?), ser professor foi para mim uma opção consciente. Assumi-a num tempo em que, sobretudo, sabia por onde ía e para onde ía. Nunca me arrependi, nem me arrependo, mesmo que o caminho para o futuro seja por onde nunca irei.

Foi no longínquo ano de 1975 que pela primeira vez fui professor. Então aluno de uma recém criada Faculdade de Direito de Luanda, que o conturbado processo de descolonização não permitiu que funcionasse, em Janeiro desse ano decidi aproveitar a oportunidade de ir dar aulas no ensino primário, num musseque, o Cazenga. Com o meu amigo Zé, aluno de Economia e um dos maiores amigos mulatos que fiz, lá fomos substituir duas professoras que haviam abandonado um "território onde as armas se ouviam com frequência e onde os homens nunca foram meninos", como diria Soeiro Pereira Gomes.

Em dois períodos lectivos demos apenas cerca de um terço das aulas previstas, pois na maior parte dos dias o condutor do autocarro que nos levava recebia instruções para não seguir, tal era o clima de insegurança vivido. Os obuses e as metralhadoras ditavam a lei ...

Ninguém nos deu a mais pequena orientação para sermos professores, eu de uma turma de 3ª classe e o Zé de 4ª classe. Só rapazes, como era comum nesse tempo.

Foram eles, os meninos com quem jogávamos à bola no recreio, que nos mostraram o caminho. Também, um verdadeiro trabalho de equipa "a dois" fez o resto.

Nunca esquecerei a felicidade estampada no rosto daqueles meninos negros quando, no final do ano, passaram todos de classe. Como não esquecerei o "obrigado camarada professor ..." que o chefe da comissão de bairro e pai de um aluno meu me dirigiu. Obrigado (?!) ... pensei, obrigado por ter feito o que era minha obrigação? por ter exigido que no exame os alunos apenas fossem avaliados naquilo que eu tinha podido tentar ensiná-los? Como não esquecerei que foram esses meninos que cimentaram de vez a minha convicção de que a cor da pele é apenas, e só, um acaso da natureza. Como não esquecerei que foram eles que me mostraram que valia a pena tentar ser professor. Afinal, foi com eles que decidi abandonar Direito e tirar um curso em que sabia que o ensino era a mais que provável saída profissional.

Foi nesta profissão que fiz alguns dos amigos para a vida, foi nesta profissão que conheci gente de inegável dimensão intelectual (quase sempre sem o devido reconhecimento), foi nesta profissão que encontrei a paixão e a companheira de uma vida.

É verdade que também foi nesta profissão que percebi porque é que o Alberto Pimenta disse um dia que "a escola é o lugar excelso do filho da p...".

Os últimos quatro anos tornaram-se uma espécie de pesadelo em que, a cada acordar, em vez do alívio do fim de um sonho mau se sucede um sonho ainda pior. Apenas alguns exemplos, retirados da experiência que todos estamos a viver e significativos do que mais importa - a dimensão humana:

- Vi um grande amigo, e um dos melhores profissionais com quem tive o privilégio de trabalhar, dizer-me: "isto é um triste fim de vida. Não vale a pena ... vou também pedir a reforma antecipada;

- Vi a satisfação e o orgulho profissional darem lugar ao desânimo, à descrença, à indignação surda ... porque o medo se vai instalando;

- Vi os novos capatazes a falar cada vez mais alto. E ouvi neles o eco da voz do Poder, que essa coisa da democracia deve ser doseada,a crise está para durar e exige moderação (a moderação é a principal qualidade a exigir àqueles a quem cabe obedecer, não é?!)... deem-se por felizes por terem emprego, a lei não se discute, etc, etc. Reuniões Gerais de Professores??? Ao Sábado, de pé e apenas para quem quiser ... ainda vá que não vá. Mas vão-se desabituando que a vida não está para essas esquisitices democráticas!

- Vi até onde pode chegar o oportunismo servil de um Deputado da AR, que lamentavelmente conheci, professor(?!) do 1ºCiclo, dirigente sindical há mais de vinte anos e sempre com dispensa integral de serviço docente (certamente já nem se lembra do que é dar uma aula), que chegou a ser candidato à Junta de Freguesia de Amora numa lista contra a do PS (partido de que já era militante ... mas que não o expulsou). Sim, no voto contra a suspensão do modelo da avaliação do ME por parte de alguém que passou quase toda a carreira a "viver à conta" das dispensas de serviço" vi um dos mais miseráveis exemplos de carreirismo político e de traição à classe. Vi "cuspir na sopa" a troco da gamela do Poder.

YES, WE CAN ? Acredito que sim. Mas, se nada mais restar, direi a mim mesmo: Yes, ... I can.