terça-feira, 25 de outubro de 2011

Nacos

«Num autocarro de arrabalde. Cerca-me o calor de Julho-exames, sebe farpada a comprimir um potro.
No banco à minha frente, uma catraia. Quinze anos ou dezasseis, bairro na lista desclassificada. A primeira parte dela por mim vista foi a mão, a esquerda. Encostada ao vidro sujo da janela, a mão veio deslizando em movimento de fingida distracção até poisar na minha. Ali ficou, mais viva, por imóvel, do que se me deitasse os dedos. Olhei a cabeça, dona dessa mão. Não se virou, nem nesse instante nem depois. Ignoro quando ela reparara em mim para se decidir ao gesto de contacto. Tinha o cabelo preto como um corvo novo.
Ao fim de dois minutos, a mão de baixo, minha, virou-se e agarrou a dela, que estendeu um dedo calmo, pulso meu acima, até que, escondido sob o punho da camisa, o dedo me afagou a pele do pulso com a delicadeza saltitante de quem acaricia zonas totalmente proibidas. Fiquei filado.
Pouco depois, soltou a mão para tocar a campainha de mandar parar. Ergueu-se, saiu do autocarro, atravessou a calçada de basalto velho. E meteu a corta-campo direito a um canavial. Voltar-se, nunca. Ouvia-me os pés, seguindo-a, isso bastava-lhe.
A minha experiência em sexo a dois ficara sempre aquém da maravilha imaginada: cinco com pega, três delas bêbedo; envergonhado-tímido nas outras duas. Seguia agora esta catraia sem saber de todo o que sucederia. A única certeza: uma maré enchente de desejo como nunca experimentara. Para alcançar a meta, sentia-me capaz de percorrer a Via Láctea inteira, e de caminho meter dentro quanta porta se interpusesse. A catraia desapareceu no canavial.
Quando cheguei aonde ela estava encontrei-a imóvel, que esperava. Vi o sorriso semitenso e a decisão há muito fixa nos olhos pretos sérios desde o berço. Mas lembro-me dificilmente — porque foi de curta duração a primeira-última olhadela que deitei à sua cara. Chegado ao alcance de braços e antes de eu ter tempo de hesitar já ela agia, para me sorver com a naturalidade esfomeada com que o mocho acolhe a noite. Pegou-me nos cotovelos. Sem largar, deitou-se à minha frente, puxando-me para cima e para dentro dela.
A maravilha do que se seguiu. Acordo síncrono em tudo: contacto-entrada deslizante em passadeira, mucos há muito preparados; rajada rápida de movimentos imparáveis, nós dois feitos corrida de gazela à frente do leão; orgasmo dela quando eu estava a meio do acabar: Tudo somado, durou trinta segundos. Talvez menos.»
Nuno Bragança, A Noite e o Riso, Pub. Dom Quixote.