quarta-feira, 6 de junho de 2012

Crato e o caracol

A sabedoria popular diz que se apanha mais depressa um mentiroso do que um coxo. A acção deste governo confirma o adágio e amplia-o. Se nos inspirarmos na acção política de vários dos seus ministros, não seremos muito atrevidos se dissermos que, nestes casos, se apanha mais depressa um mentiroso do que um caracol. O comportamento político de Nuno Crato é um desses exemplos. Ainda o caracol está a iniciar o seu amolentado movimento e já Nuno Crato foi apanhado.
Uma das mais recentes mentiras políticas do ministro da Educação está plasmada na matriz dos cursos científico-humanísticos do ensino recorrente. De modo objectivo:
1. Nuno Crato anunciou (e bem) que ia apostar fortemente no relançamento do ensino recorrente, de forma a possibilitar que todos os adultos (e em particular os trabalhadores-estudantes) que pretendam prosseguir os seus estudos tenham a preparação adequada que os capacite para esse objectivo. Os cursos EFA não dão, como se sabe, essa capacitação.
2. Nuno Crato anunciou que as regras de acesso ao ensino superior devem ser iguais para os alunos dos cursos do ensino recorrente e para os alunos dos cursos do ensino regular (vamos admitir que o princípio é correcto — ainda que aqui entrem factores que podem complexificar a análise do problema, mas adiante). 
3. Como consequência de 1 e 2, dever-se-ia esperar que a matriz dos cursos científico-humanísticos do ensino recorrente fosse semelhante à matriz dos cursos científico-humanísticos do ensino regular (exceptuando naturalmente as disciplinas de Educação Física e de Educação Moral e Religiosa, que não existem nos cursos nocturnos). Se os alunos do ensino recorrente e os alunos do ensino regular são submetidos às mesmas provas de acesso ao ensino superior, se os programas curriculares são os mesmos, se a preparação e a exigência devem ser do mesmo nível, não se compreende que possa existir disparidade entre as matrizes de um curso e de outro. Poder-se-iam admitir pequenas adaptações, mas de forma alguma o quadro que agora foi definido, para os 10.º e 11.º anos:
                                               
                                                    Carga horária semanal (em minutos)

Ensino Recorrente
Ensino Regular
Português
135
180
Líng. Estr. I, II, ou III
90
180
Filosofia
135
180
Trienal
180
270
Bienal 1
180
270
Bienal 2
180
270
Total
900
1270


Como se observa, as diferenças são (incompreensivelmente) enormes: por ano lectivo, os alunos do ensino recorrente têm, aproximadamente, menos 200 horas de aulas do que os seus colegas do ensino diurno.
Chegados ao 12.º ano, os alunos do ensino recorrente têm uma pequena recuperação de tempo lectivo na disciplina de Português (ainda que isso não possibilite superar o défice acumulado nos dois anos anteriores), mas vêem o seu défice aumentar desmesuradamente nas disciplinas de opção: inexplicavelmente, os alunos do recorrente só têm uma disciplina de opção, enquanto que os seus colegas do regular têm duas; e mesmo essa disciplina de opção, no recorrente, terá uma carga horária semanal de 135 minutos e, no ensino regular, de 180 minutos. Porquê esta tremenda divergência, se aos alunos de ambos os cursos vão ser exigidas as mesmas aprendizagens e as mesmas competências?

Conclusão: o caracol fugiu e Nuno Crato mais uma vez foi apanhado. 
Na verdade, não se pode ter um discurso, como é o caso deste ministro, repleto de termos como rigor, exigência, seriedade e depois agir assim: com falta de exigência consigo próprio e com falta de rigor e de seriedade com os outros.