Há cerca de duas semanas, Peres Metelo, na TSF, tinha dado o mote (como tive oportunidade de aqui referir), disse ele: «Nos próximos tempos a queda da economia chegará a zero e voltaremos ao crescimento económico. [...] Os resultados do nosso esforço colectivo são admiráveis. Isto deveria ser estudado por sociólogos. Os portugueses perante as dificuldades adaptam-se de uma forma verdadeiramente invulgar. Não há muitos povos no mundo que o façam. Os resultados dos nossos esforços vão causar a admiração de todos.»
Recordo-me de na altura ter pensado se este jornalista económico estava de novo a exercer funções de porta-voz, agora ao serviço do governo. Mas não, não falava como porta-voz. Tratava-se de um pregão voluntário. Voluntário e prenunciador: na passada sexta-feira, no 5.º congresso da Associação Cristã de Empresários e Gestores, foi o primeiro-ministro a repetir, a seguir a peugada de Peres Metelo. Disse Passos Coelho: «Hoje, podemos dizer com confiança que Portugal está muito próximo do caminho do crescimento e, para que todos os dias possamos estar mais próximos, não podemos retardar e abrandar o ritmo das mudanças que estamos a introduzir».
Contudo, a sintonia de ambos os pregões não se circunscreveu à previsão de que estamos aqui estamos a crescer. Metelo, como lemos, teve o cuidado e a preocupação de enfatizar o nosso esforço colectivo — que classificou de admirável — e de acrescentar que esse esforço deveria ser estudado por sociólogos, e de dizer que somos um povo invulgar, e de sentenciar que vamos ser admirados por todo o mundo. Por seu lado, Coelho, no mencionado congresso, fez questão de encerrar o discurso fazendo «uma referência muito particular ao sacrifício extraordinário que todos os portugueses, de um modo geral, têm demonstrado», e dizendo que «tem sido realmente extraordinário e uma honra muito grande chefiar um Governo que tem tido a possibilidade de contar com um povo tão extraordinário como aquele que nós temos em Portugal.»
Somos, pois, um povo tão extraordinário! — no entendimento e nas palavras de Peres Metelo e de Passos Coelho. Este alargado consenso acerca da nossa prodigiosidade deixa-nos naturalmente reconfortados e certamente com ânimo acrescido para aceitarmos, de uma forma ainda mais extraordinária, o novo e urgente abaixamento de salários exigido há dois dias pelo economista, agora ao serviço do governo, António Borges.