terça-feira, 21 de julho de 2009

Relatório da OCDE - 3

A segunda conclusão do relatório da OCDE é a seguinte: Uma série de factores explicam a resistência à sua concretização [do modelo de avaliação do Governo].
Para fundamentar esta conclusão, o relatório diz: «A implementação do modelo tem constituído um desafio. Em parte, devido a uma natural resistência à mudança mas também graças à introdução de uma nova cultura de avaliação nas escolas». Afirmar que a implementação do modelo tem constituído um desafio é, com benevolência, um eufemismo, ou é sinal de que não se sabe do que se fala. Na realidade, não há desafio algum, há, sim, incompetência, arrogância, teimosia, cegueira e há uma quase infinita paciência e excessiva tolerância por parte de muitos professores para com quem, malevolamente, os afronta e vilipendia.
Para tentar fundamentar que a implementação do modelo tem sido um desafio, o texto adianta, aparentemente, duas razões: a primeira, a «natural resistência à mudança» e, a segunda, a «introdução de uma nova cultura de avaliação».
A publicidade tornou famosa a expressão «dois em um», a OCDE tenta fazer o inverso, tenta fazer «um em dois». Isto é, de uma razão tenta fazer duas. Ou, para se ser mais exacto, de razão nenhuma tenta encontrar duas falsas razões para a resistência dos professores.
São duas falsas razões porque:
1. Não há resistência à mudança, em abstracto. É uma falácia tentar fazer passar por uma verdade universal aquilo que não o é, para, depois, ser possível chegar a conclusões falsas. Parte-se do princípio (falso) de que o ser humano é avesso à mudança, e os professores, como seres humanos que são, também reagem negativamente à mudança, a qualquer mudança. Ora se há coisa que o ser humano procura, desde que existe, é a mudança: do conhecimento às condições materiais de vida; das conquistas da humanidade aos desafios individuais que cada um de nós assume. A verdade é, então, outra: há mudanças que o ser humano quer e há mudanças que o ser humano não quer. Não existe nenhuma natural resistência à mudança. E, por consequência, nos professores também não existe nenhuma natural resistência à mudança. Por exemplo: mudem as vergonhosas condições de trabalho nas escolas e veja-se se isso conduz a alguma resistência dos professores. A resistência à mudança existe, por exemplo, quando se muda para pior, não para melhor. A resistência à mudança existe quando essa mudança assenta na injustiça e na indignidade.
2. Não foi introduzida nenhuma nova cultura de avaliação. Não é sério classificar de nova cultura de avaliação aquilo que é um simulacro de avaliação, aquilo que diz que avalia e não avalia, aquilo que não passa de um gigantesco faz-de-conta, aquilo que assenta em pretensos princípios que inicialmente são ditos como incontornáveis, absolutos e peremptórios e, meses depois, já são ditos, pelas mesmas vozes, como questionáveis, reformuláveis, imprecisos, prematuros, impraticáveis, etc., etc.
Não se pode classificar de nova cultura de avaliação um sistema que assenta na iniquidade e no desrespeito pela dignidade profissional de muitos dos seus melhores profissionais.
E enquanto a OCDE não perceber isto, nunca perceberá nada.

Ainda dentro da fundamentação da segunda conclusão, o relatório acrescenta: «[...] qualquer reforma dirigida à classe docente está inevitavelmente ligada e condicionada pelas reformas feitas no sector público em geral. A necessidade de alinhar as medidas destinadas à classe docente com as já anteriormente tomadas para a generalidade dos trabalhadores da administração pública [...]».
Mais uma falácia: o relatório procura dar como verdade adquirida e consensual aquilo que não o é, e procura estabelecer, entre diferentes sectores profissionais, relações que não existem.
A generalidade dos trabalhadores da função pública, os juízes e magistrados, os professores e os médicos do serviço nacional de saúde constituem quatro corpos da administração pública que não têm nada de comparável, quanto à especificidade das funções que exercem. E, desse modo, os seus sistemas de avaliação têm de ser completamente diferentes (e se o Governo tivesse a seriedade que apregoa ter, mas que não tem, já deveria ter assumido que o famoso SIADAP é um pântano de inenarráveis injustiças e de vergonhosos episódios). Ou seja, não existe, no contexto da avaliação, e ao contrário do que afirma a OCDE, nenhuma necessidade, nem obrigatoriedade, nem admissibilidade para fazer «alinhar as medidas destinadas à classe docente com as já anteriormente tomadas para a generalidade dos trabalhadores da administração pública».

A encerrar a segunda conclusão, o relatório acrescenta: «A resistência por parte dos professores reflecte ainda as dificuldades criadas pela operacionalização de um modelo tão abrangente num curto espaço de tempo, aliadas a algumas consequências inesperadas do modelo.»
Inesperadas consequências do modelo?! Inesperadas?! O decreto regulamentar da avaliação saiu em Janeiro de 2008, dois meses depois, a 8 de Março, 100 mil professores vieram para a rua protestar contra o óbvio, contra as enormidades do modelo de avaliação. Toda a gente viu no que aquilo ia dar, e deu. Toda a gente.
Então: inesperado para quem? Só se foi para o Governo e, pelos vistos, também para a OCDE. Mas isso não abona nada a favor de ambos.
(Continua)