«E se o adulto sonhava que lhe apareciam romances, a criança sonhava que lhe aparecia Deus, coisa que em princípio não era assim tão difícil. Vivíamos num mundo em que Deus existia hora a hora, minuto a minuto. Rezávamos quando as aulas começavam, quando acabavam; persignávamo-nos quando atravessávamos a rua; beijávamos as mãos dos sacerdotes; orávamos quando nos deitávamos, quando nos levantávamos; quando nos sentávamos à mesa; quando nos levantávamos dela... Cada acto da nossa vida era um sacrfício feito a Deus, fosse para o comprazer, ou para provocar a sua ira.
O inferno ficava ali à esquina, podia-se dar um passseio até lá, às vezes bastava tropeçar numa pedra para cair nele. Se nessa noite nos masturbássemos e morrêssemos, íamos para o inferno... Se chupássemos um rebuçado antes de comungar e morrêssemos, íamos para o inferno... Era mais fácil acabar no inferno do que na prisão, apesar do premonitório "vais acabar na cadeia". Felizmente a confisssão punha o contador a zero.»
O inferno ficava ali à esquina, podia-se dar um passseio até lá, às vezes bastava tropeçar numa pedra para cair nele. Se nessa noite nos masturbássemos e morrêssemos, íamos para o inferno... Se chupássemos um rebuçado antes de comungar e morrêssemos, íamos para o inferno... Era mais fácil acabar no inferno do que na prisão, apesar do premonitório "vais acabar na cadeia". Felizmente a confisssão punha o contador a zero.»
Juan José Millás, O Mundo, Planeta Manuscrito, p. 85.