«Conhecia perfeitamente os seus horários, os seus hábitos, as suas rotinas, de modo que um dia, simulando um encontro casual, abordeia-a quando saía da escola. Visto que íamos os dois para casa, fingi que me parecia natural acompanhá-la, e assim pus-me ao seu lado tentando ajustar os meus passos ao ritmo dela e comecei a falar de uma coisa qualquer. Como ela, mais que andar, deslizava, a minha marcha, ao lado dela, era grotesca. Eu tinha consciência disto, e também de que os meus sapatos estavam deformados, as minhas meias não se aguentavam nas pernas, os meus calções eram demasiado compridos (um engraçadinho da minha turma dizia que era impossível saber se eram calças que me estavam curtas ou calções que me estavam compridos), a minha camisa estava um desastre. Em qualquer caso balbuciei, acho eu, qualquer frase desconexa a que ela não respondeu. Em duas ocasiões, dada a nossa proximidade (o passeio era muito estreito), as costas da minha mão direita roçaram nas da sua mão esquerda, em que levava a pasta, provocando nas minhas extremidades uma série de perturbações motoras que tentei ocultar com palavras atropeladas sobre isto ou aquilo. Pouco antes de chegarmos à nossa rua, a Maria José parou e tirou da pasta um lápis e um bocado de papel em que escreveu com a mão esquerda (com a mão esquerda!): "Não posso falar, estou em exercícios espirituais."
Foi uma saída completamente inesperada para mim, pelo que me limitei a assentir firmemente com a cabeça, dando a entender que me dava conta da gravidade da situação e que solicitava as suas desculpas, pois não era minha intenção interromper o seu recolhimento espiritual. Por outro lado, a Maria José dava sempre a impressão de estar em exercícios espirituais, coisa que condizia muito com o seu aspecto físico, mesmo com o seu fundo imaterial. Acompanhei-a, pois, sem pronunciar uma só palavra, até à loja, onde fiz com as sobrancelhas um gesto de despedida.»
Foi uma saída completamente inesperada para mim, pelo que me limitei a assentir firmemente com a cabeça, dando a entender que me dava conta da gravidade da situação e que solicitava as suas desculpas, pois não era minha intenção interromper o seu recolhimento espiritual. Por outro lado, a Maria José dava sempre a impressão de estar em exercícios espirituais, coisa que condizia muito com o seu aspecto físico, mesmo com o seu fundo imaterial. Acompanhei-a, pois, sem pronunciar uma só palavra, até à loja, onde fiz com as sobrancelhas um gesto de despedida.»
Juan José Millás, O Mundo, Planeta Manuscrito, pp. 102-103.