segunda-feira, 16 de julho de 2012

Política e náusea

A política devia ser uma actividade decente, mas não é. Não o é, porque uma parte substancial da elite política portuguesa não está na política para prestar um serviço público, está somente para satisfação de uma vaidade, e/ou para promoção pessoal, e/ou para obtenção de uma carreira que garanta privilégios e mordomias, enfim, por várias razões, mas nenhuma delas relacionada com a função nobre que a democracia lhe destinou.
Sendo este o ponto de partida da maioria dos nossos políticos, compreende-se que para muitos deles o fim justifique os meios, e que a seriedade intelectual ceda facilmente a conveniências e a interesses partidários ou de clientelas.
Paulo Portas foi disto um exemplo recente.
Na abertura do congresso do CDS-Madeira, realizado no último fim-de-semana, o líder do CDS, a propósito da declaração de inconstitucionalidade do corte dos subsídios na Função Pública, fez a afirmação seguinte: «Temos de saber e entender que, se o problema de Portugal é défice do Estado [palavra pronunciada com acentuada ênfase], não é justo pretender que o sector privado tenha a mesma responsabilidade de ajudar.» Isto é, segundo Portas, como o défice é do Estado, o sector privado não é co-responsável no pagamento desse défice.
É curioso que o líder do CDS não se lembre desta (aparente) separação entre o Público e o privado, quando a situação ocorre ao contrário, ou seja, quando é o Estado que se endivida para emprestar dinheiro aos bancos privados (BPI e BCP), como o aconteceu há poucas semanas.
Contudo o que é verdadeiramente grave é a repulsiva desonestidade política do argumento e o pressuposto, presente na mente do seu autor, de que os portugueses são estultos. Na realidade, Paulo Portas sabe, como todos sabemos, que os gastos do Estado na Educação, na Saúde, na Justiça, na Defesa, na Segurança, etc. são gastos de cujos os benefícios todos usufruem. Quando se constrói uma escola, essa escola é para todos, quando se constrói um hospital, esse hospital é para todos, quando se constrói um tribunal, esse tribunal é para todos, quando se paga o salário a um professor é para ele ensinar a todos os alunos, quando se paga o salário a um médico é para ele tratar de todos os doentes, etc.
Para além disso, o Estado, como acima referi, ainda vai em socorro dos privados, como foi o caso do BPN — que foi, esta sim, uma intervenção com o dinheiro de todos, mas ao serviço de alguns.
Paulo Portas sabe tudo isto, como qualquer um de nós o sabe, mas deliberadamente omite-o, conscientemente quer enganar quem o ouve. A afirmação que fez ofende pelo farisaísmo que encerra.
Assim a política e a náusea tendem a fundir-se.