Durante uma hora e meia aproximadamente, assisti ao debate sobre o estado da Nação, realizado hoje na Assembleia da República. Durante este tempo pude confirmar mais uma vez uma característica essencial da composição do nosso parlamento: uma esmagadora maioria das mulheres e dos homens que ali se sentam está de acordo nestes pontos: há um statu quo social intocável; há uma estrutura social inamovível; há poderes estabelecidos inquestionáveis; há interesses instalados inalteráveis.
Neste contexto, para esta enorme maioria de deputados, apenas são admissíveis alguns retoques sociais, apenas são aceitáveis pequenas alterações nas relações de força e ligeiros avanços ou recuos em direitos, mas tudo deve ficar essencialmente na mesma, em relação ao modo como a sociedade está estruturada.
Para esta grande maioria de deputados há uma linha muito clara (à semelhança do filme publicitário) que separa o que pode do que não pode ser alterado, o que é aceitável discutir do que não é aceitável discutir. Assim, quando estes deputados esgrimem entre si argumentos sobre o rumo do país, nada de verdadeiramente importante está a ser discutido, nada que verdadeiramente possa alterar as regras do jogo social.
Grande parte das mulheres e dos homens que se sentam naquelas cadeiras está essencialmente preocupada consigo própria, com a sua performance, com a sua carreira, com a sua maior ou menor influência, com a sua maior ou menor respeitabilidade social e partidária. Nenhum destes deputados está disponível para pensar políticas que possam alterar o statu quo, mesmo que essas políticas sejam socialmente mais justas e equilibradas.
Vivemos inseridos numa sociedade estruturada de uma forma objectivamente injusta e geradora de sofrimento. Mas quase todos os deputados da nossa Assembleia da República estão mais concentrados no fato e na gravata que envergam e no modo como se debruçam sobre a bancada, sempre que discursam, do que em promoverem verdadeiras transformações que defendam os legítimos interesses de quem os elegeu.
Deste parlamento nada há a esperar.