Nuno Crato, no livro intitulado O 'Eduquês' em Discurso Directo (2006), apresenta, entre outras coisas, os argumentos que considera relevantes a favor da realização de exames nacionais.
O primeiro argumento é este: «Os exames estabelecem metas e, por isso, podem incentivar os alunos a lutar para ultrapassar essas metas» (p. 47).
Vou pôr de lado as modas pedagógicas que por vezes fazem com que os mesmos termos expressem diferentes conceitos — o que sucede com o termo «metas» e com o termo «objectivos», cuja extensão dos respectivos conceitos foi, em alguma literatura, inexplicavelmente invertida —, o que se traduz numa dificuldade acrescida para o leitor, se não houver esclarecimento prévio por parte do autor sobre o significado dos termos que utiliza (como é manifestamente o caso de Nuno Crato), e vou supor que, em O 'Eduquês' em Discurso Directo, metas e objectivos (de aprendizagem) são termos mais ou menos sinónimos.
Passo então às observações que o argumento a favor dos exames, enquanto instrumento que formula metas, suscita:
1. Pelo modo como o argumento está elaborado, um leitor não iniciado no assunto seria levado a supor que são os exames que estabelecem as metas de aprendizagem, reconhecendo, a partir daqui, utilidade a estas provas, enquanto orientadores do estudo dos alunos. Mas mal estaríamos nós se isto fosse verdade. Quem estabelece as metas de aprendizagem é o próprio Ministério da Educação, em documento próprio e específico para o efeito ou no programa de cada disciplina. Não são, portanto, os exames que estabelecem as metas. Os exames supostamente testam se (algumas) metas foram alcançadas pelos alunos.
2. Se Crato pretende enfatizar que os exames se elaboram a partir das metas/objectivos que os alunos devem alcançar, pergunta-se se não é isso que acontece com qualquer prova de avaliação sumativa? Neste contexto, onde reside exactamente a presumida mais-valia dos exames? Aliás todo o processo de ensino-aprendizagem não é pensado e concretizado a partir de objectivos a atingir?
3. Mas, por outro lado, se Crato utiliza o termo «metas» como sinónimo de «objectivos» (de aprendizagens), que razoabilidade tem o final da frase: «[os exames] podem incentivar os alunos a lutar para ultrapassar essas metas»? As metas/objectivos de aprendizagem não se ultrapassam, como acontece numa corrida de obstáculos, as metas/objectivos de aprendizagem atingem-se, concretizam-se, realizam-se. Portanto, o final da frase adequa-se mal ao significado dos conceitos.
Chegados aqui, fica-se sem se saber ao certo o que Crato quer efectivamente dizer quando fala «em metas que os exames estabelecem»: se são metas de aprendizagem, não é adequado, como acabámos de ver, falar em ultrapassagens...; se não são metas de aprendizagem, se são metas no sentido de «etapas a vencer», de «obstáculos a ultrapassar», isto significaria dizer que se está a criar uma parafernália de exames apenas para dar ao aluno o «incentivo» de ter metas para vencer! Não me parece que possa ser esta a ideia de Crato. Aliás dentro do género (se entendermos as metas como sinónimo de desafios a vencer) já existe um menu suficientemente variado (e mais barato) que pode ser/é apresentado ao aluno: Meta 1 — a passagem de ano; Meta 2 - a passagem de ano com classificações acima de...; Meta 3 —a passagem para um outro ciclo de ensino; etc.
Contudo, se é mesmo este sentido que Crato atribui ao termo «metas», estaremos então perante mais um sinal da falta de consistência do discurso do nosso ministro da Educação. Na verdade, quem verdadeiramente valoriza o rigor e a cultura do esforço não pode assentar a educação dos alunos no método da cenoura que se coloca à frente do burro para o motivar a andar. Quem valoriza o rigor e a cultura do esforço, enquanto referenciais educacionais, tem de desenvolver a cultura do dever: o dever do estudante é estudar e a passagem de ano e as classificações que obtém resultam do cumprimento desse dever. Cada aluno tem o dever de dar o melhor de si próprio para aprender, porque se usufrui do estatuto de estudante tem de cumprir o papel que lhe corresponde; e porque sendo o melhor para si próprio é também o melhor para os outros, no sentido em que é a melhor forma de corresponder ao esforço colectivo que paga o ensino (público) de cada aluno.
Contudo, se é mesmo este sentido que Crato atribui ao termo «metas», estaremos então perante mais um sinal da falta de consistência do discurso do nosso ministro da Educação. Na verdade, quem verdadeiramente valoriza o rigor e a cultura do esforço não pode assentar a educação dos alunos no método da cenoura que se coloca à frente do burro para o motivar a andar. Quem valoriza o rigor e a cultura do esforço, enquanto referenciais educacionais, tem de desenvolver a cultura do dever: o dever do estudante é estudar e a passagem de ano e as classificações que obtém resultam do cumprimento desse dever. Cada aluno tem o dever de dar o melhor de si próprio para aprender, porque se usufrui do estatuto de estudante tem de cumprir o papel que lhe corresponde; e porque sendo o melhor para si próprio é também o melhor para os outros, no sentido em que é a melhor forma de corresponder ao esforço colectivo que paga o ensino (público) de cada aluno.
Concluindo: este primeiro argumento de Crato a favor dos exames tem uma grande fragilidade, quer as metas sejam entendidas como objectivos de aprendizagem, quer as metas sejam entendidas como etapas a vencer. Em qualquer dos casos, chega-se à conclusão de que o argumento dificilmente se sustenta.
(Continua)