O descontrolo verbal contra a declaração de inconstitucionalidade do corte dos subsídios de férias e de Natal dos funcionários públicos não pára. A imagem de contenção e de razoabilidade que os sectores dominantes da nossa sociedade gostam de preservar deu lugar a uma rara desorientação e à incontinência discursiva. Tudo isto porque aquilo que lhes era particularmente interessante e cómodo ver — os funcionários públicos, os pensionistas, para além dos desempregados, a pagarem o grosso da crise — já não pode ocorrer no próximo ano, do modo vergonhoso como este ano ocorreu.
A argumentação com que a elite governamental, empresarial e financeira se socorre para esgrimir contra a decisão do Tribunal Constitucional (TC) é intelectualmente grosseira. Um dos recorrentes argumento é este: no sector privado é mais fácil despedir que no sector público, isto quer dizer que os funcionários públicos são privilegiados, logo devem ser penalizados nos subsídios de férias e de Natal.
Três breves observações:
1. Os factos desmentem o discurso. O caso dos professores contratados é suficiente: profissionais com quinze, vinte e mais anos de serviço no ministério da Educação são despedidos, aos milhares, sem apelo nem agravo. Não parece que exista, com estas dimensões, exemplo idêntico no sector privado.
2. No contexto da discussão sobre a justiça do conteúdo do acórdão do TC, afirmar que há mais despedidos no sector privado do que no público é intelectualmente desonesto, é desconversar: quem é despedido não tem, infelizmente, subsídios de férias nem de Natal, portanto, não pode ficar sem eles. A discussão recai não sobre os despedidos mas sobre quem tem os subsídios e outros rendimentos, isto é, sobre aqueles que estão no activo, sejam do público ou do privado. Qual seria a exotérica razão que justificaria serem atingidos apenas os do sector público?
3. Um argumento não pode ser ambivalente, não pode ser utilizado para teses opostas. Mas as nossa elites fazem-no com à-vontade.
Defendem insistentemente que tornar o despedimento mais fácil é algo de benéfico — isso possibilita criar mais emprego, dizem-nos; sendo mais fácil despedir, os patrões contratarão mais pessoas e o desemprego baixará. A facilidade de despedir é, por conseguinte, algo de intrinsecamente bom. Ora, aquilo que é intrinsecamente bom não pode ser, em simultâneo, algo de intrinsecamente mau. Contudo, é precisamente isto que as nossa elites desonestamente defendem, quando afirmam que, sendo mais fácil despedir no sector privado, este sector está em desvantagem em relação ao sector público — ou seja, a facilidade de despedir, repentina e misteriosamente, deixa de ser uma coisa boa e torna-se uma coisa má. A perturbação das nossa elites fá-las tropeçar em si próprias.
Como referi em texto anterior, quem tem autoridade política e ética para se opor aos cortes/taxas/impostos sobre os salários, sejam do sector público ou do sector privado, são aqueles que sempre defenderam que os impostos devem recair sobre o sector financeiro, as grandes fortunas e os rendimentos mais elevados. Estes têm autoridade para protestar, os demais não têm essa autoridade nem essa possibilidade, sem entrarem em impúdicas contradições.
Defendem insistentemente que tornar o despedimento mais fácil é algo de benéfico — isso possibilita criar mais emprego, dizem-nos; sendo mais fácil despedir, os patrões contratarão mais pessoas e o desemprego baixará. A facilidade de despedir é, por conseguinte, algo de intrinsecamente bom. Ora, aquilo que é intrinsecamente bom não pode ser, em simultâneo, algo de intrinsecamente mau. Contudo, é precisamente isto que as nossa elites desonestamente defendem, quando afirmam que, sendo mais fácil despedir no sector privado, este sector está em desvantagem em relação ao sector público — ou seja, a facilidade de despedir, repentina e misteriosamente, deixa de ser uma coisa boa e torna-se uma coisa má. A perturbação das nossa elites fá-las tropeçar em si próprias.
Como referi em texto anterior, quem tem autoridade política e ética para se opor aos cortes/taxas/impostos sobre os salários, sejam do sector público ou do sector privado, são aqueles que sempre defenderam que os impostos devem recair sobre o sector financeiro, as grandes fortunas e os rendimentos mais elevados. Estes têm autoridade para protestar, os demais não têm essa autoridade nem essa possibilidade, sem entrarem em impúdicas contradições.