terça-feira, 24 de julho de 2012

Nacos

Canto VII

29
Bloom queria saber mais da Índia. Para
que lado o pescoço dos homens roda mais
— para as mulheres ou para as coisas?
Porque razão existem tantas escadas distribuídas
pelas ruas, quase todas deitadas no chão,
como se fossem um utensílio
para ser usado horizontalmente
e não na vertical? Serão assim tão religiosos
que nem precisem de escadas para pequenos arranjos
domésticos? — gracejou Bloom.
Anish respondeu: vou falar da Índia. O que tu
conheces são postais.

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Mas a Índia tem homens e tem mulheres — disse Anish.
O ouro foi todo levado, mas por vezes parece que ainda
o querem levar de novo. As cidades
começaram a ser construídas como poemas,
mas rapidamente foram concluídas com tijolos baratos
e o sofrimento dos que trabalharam longamente
e ganharam pouco. Este país
é como os outros: belo e bruto.
E se conheces um país que não o seja, então
digo-te que não o conheces realmente.
Os países nasceram do lado
errado.

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Um país deveria ser um espaço
para o povo existir, mas o povo não existe — disse Anish.
Ambíguas instituições adiam a salvação
imediata que uma refeição costuma dar
e encaminham os mendigos para
departamentos mais competentes
no outro lado da cidade, ou no céu,
onde os Deuses, inábeis na cozinha urgente,
se especializaram em longuíssimas promessas.
Eis a Índia; apresento-te este país.
Gonçalo M. Tavares, Uma Viagem à Índia, Caminho