sexta-feira, 27 de julho de 2012

Exames nacionais - apontamentos (12)

Um terceiro argumento a favor da realização de exames nacionais apresentado por Nuno Crato, no livro  O 'Eduquês' em Discurso Directo (2006), é o seguinte: «Há uma correlação fortíssima [entre o que o aluno responde num exame e aquilo que ele efectivamente sabe]. [...] A este propósito, é curioso relembrar as semelhanças e dissemelhanças entre as avaliações internas e externas do 12.º ano verificadas nos dados difundidos através dos rankings. Nas escolas que apresentam alunos mais bem preparados, as avaliações médias internas e externas são muito semelhantes. Em contraste, nas escolas que apresentam alunos mais mal preparados, os valores nas avaliações internas são geralmente bastante mais elevados do que os obtidos nos exames nacionais» (p. 52).
A necessidade de recurso aos «dados difundidos através dos rankings» para sustentar um argumento é um prenúncio pouco favorável sobre a sua solidez, mas, pondo isso de lado, vejamos melhor o que diz o argumento.
Crato afirma que «nas escolas que apresentam alunos mais bem preparados, as avaliações médias internas e externas são muito semelhantes.» Mas que entende Crato por «alunos mais bem preparados»? Crato não esclarece o conceito de «aluno mais bem preparado», o que, num homem que se afirma adepto do rigor, é falha grave. Temos então de procurar adivinhar o que é, para Crato, o «aluno mais bem preparado». O seu raciocínio conduz-nos a supor que para ele o «aluno mais bem preparado» é aquele que tira bons resultados nos exames. Mas isto levanta um problema, porque afirmar isto significa já pressupor que o exame é uma prova que avalia com fidelidade. Ora isto era precisamente o que Crato queria provar, que o exame tem fidelidade, ou, por outras palavras, que o exame estabelece uma «correlação fortíssima entre o que o aluno responde num exame e aquilo que ele efectivamente sabe». Crato põe-nos assim a andar em círculo: a premissa e a conclusão são uma e a mesma coisa — acontece exactamente o mesmo com a parte que se refere aos «alunos mais mal preparados». Ora, como todos sabemos, uma proposição não pode ser simultaneamente conclusão e premissa do mesmo argumento. Portanto, Crato não pode afirmar que existe «uma correlação fortíssima entre o que o aluno responde num exame e aquilo que ele efectivamente sabe», porque não apresenta provas disso. Crato pode afirmar, como qualquer um pode afirmar, que há casos em que as classificações dos exames são semelhantes às classificações internas e há casos em que classificações dos exames não são semelhantes às classificações internas. Mas daqui conclui-se o quê quanto à fidelidade dos exames? Nada.

Para além deste argumento não chegar a ser um verdadeiro argumento, porque, como vimos, não tem validade, ele suscita algumas observações adicionais.
Não se sabe bem porquê, mas é evidente que está enraízado no pensamento de Crato que um aluno «bem preparado» é um aluno que responde bem num exame. Contudo, as múltiplas e por demais conhecidas limitações avaliativas de uma prova de exame nacional impossibilitam que, com seriedade, se possa dizer que um aluno que tira um boa nota num exame seja um aluno bem preparado. A não ser que, para Crato, a escola deva ser reduzida a um campo de treino para exames. Todavia, a escola não é — e, se um dia o for, isso significará a sua destruição — um campo de treino para exames.
A escola transmite saberes, desenvolve capacidades, educa — pelos valores que escolhe e que pratica — e forma para vida. Os exames, como é óbvio, não podem fazer esta avaliação global. É por isso que há alunos verdadeiramente bem preparados em todas estas vertentes que obtêm classificações em exames nacionais abaixo da sua real preparação e há alunos que globalmente estão menos bem preparados, mas que obtêm, em exames nacionais, classificações superiores, porque a sua «boa preparação» circunscrevia-se fundamentalmente a estar capacitado para responder a um exame de determinada natureza e com determinadas características. Mas isto não é um aluno «bem preparado», é um aluno preparado para fazer exames, ponto final.
A este propósito conviria que Crato lesse (ou relesse) com atenção o estudo realizado pela Universidade do Porto, e divulgado há pouco meses, que mostra não existir correlação entre as notas mais altas obtidas nos exames nacionais e os melhores desempenhos dos alunos, nos cursos superiores que frequentam. Quase todos os melhores alunos, nos diferentes cursos da Universidade Porto, não são aqueles que mais altas classificações obtiveram nos exames nacionais. Isto revela que, de facto, os alunos melhor preparados não eram aqueles que conseguiram notas mais altas nos exames.
As conclusões deste estudo levaram a que o reitor daquela Universidade preconizasse uma reformulação no modo como actualmente se procede à selecção dos alunos para o ingresso no ensino superior. Este estudo, contudo, tem sido olimpicamente ignorado pelos fundamentalistas dos exames nacionais, de entre os quais, Nuno Crato, actual ministro da Educação e Ciência.

(Continua)