É uma irresistível tentação ouvir o parecer de alguns comentadores acerca da recente declaração de inconstitucionalidade do corte dos subsídios de férias e de Natal dos funcionários públicos e pensionistas. A profunda preocupação que alguns comentadores manifestam com a possibilidade de se estar a cometer uma injustiça com aquela declaração de inconstitucionalidade enternece o mais bárbaro.
A atenção, o cuidado e a importância que alguns comentadores passaram a dar às questões relacionadas com a igualdade, a equidade e a justiça social devem ser objecto de registo. É verdade que até agora nunca os tínhamos visto indignados ou sequer preocupados com o facto de haver, no nosso país, um fosso cada vez maior entre ricos e pobres, ou com o facto de eles próprios serem principescamente pagos por aquilo que escrevem ou dizem nos órgãos de comunicação social, para os quais trabalham, em contraponto com os miseráveis vencimentos que os jovens jornalistas recebem e com as péssimas condições de trabalho que têm. Pelo contrário, vêmo-los sempre muito confortáveis no seu estatuto de bem sucedidos e de bem instalados na vida. Aliás nunca os vimos questionar as «regras» de ascensão social que vigoram na nossa sociedade e que lhes possibilitam ficar tão acima de todos os outros. O próprio desemprego é visto por muitos deles apenas como uma coisa desagradável — para alguns, é mesmo e só uma maçada, porque obriga a ter mais cuidado com essa gente sem emprego que pode tornar-se socialmente inconveniente a qualquer momento.
Sabemos pois que, apesar de sempre terem ligado pouco ou nada a essas «coisas» da igualdade, da equidade e da justiça social, agora manifestam-se preocupados com isso. E assenta em quê essa preocupação? Assenta no seguinte: no sector privado é possível despedir e no sector público não é, daqui retiram a consequência de que os primeiros devem ficar isentos dos cortes nos subsídios de Natal e férias e os segundos devem arcar com eles na totalidade.
O problema é que este argumento é ele próprio um problema. Aliás dois, porque:
i) o desemprego e os despedimentos são cada vez mais uma realidade na função pública. Neste momento, os milhares de contratados do Estado, nas mais diversas profissões, são vistos como seres que se descartam, sem cerimónia. Não teremos de esperar muito tempo até vermos o Estado a querer despedir sem rebuço os seus profissionais dos quadros;
ii) independentemente de o Estado despedir ou não despedir, o que está em questão é uma coisa bastante diferente: é saber sobre que rendimentos se aplica a penalização do corte dos subsídios de férias e Natal. Infelizmente os desempregados não são tidos para esta questão, pois já perderam os seus rendimentos e não têm sequer aqueles subsídios. A questão coloca-se, pois, em relação a quem tem rendimentos, independentemente desses rendimentos provirem do sector público ou privado. Porque razão os rendimentos do sector privado haveriam de ter um tratamento especial? Em nome de que princípio os rendimentos do sector privado deveriam ser privilegiados?
Aqui ainda há um outro elemento estranho: os comentadores que agora se mostram particularmente preocupados com esta alegada desigualdade (sustentada no factor despedimento) são justamente os mesmos que não se cansam de nos dizer que os despedimentos são uma inevitabilidade, que já não há empregos para toda a vida, que os direitos adquiridos têm de terminar, que a precariedade é o futuro e que tem de ser assim e que só pode ser assim. Não se compreende pois esta súbita preocupação com os despedimentos, por parte destes comentadores.
Finalmente, se estes comentadores estivessem verdadeiramente preocupados com a igualdade, a equidade e a justiça social deveriam dizer que os rendimentos do trabalho, em particular os baixos e os médios rendimentos, provenham eles do sector público ou privado, não podem ser objecto de quaisquer cortes ou penalizações. E deveriam acrescentar que, em primeiro lugar, é sobre os rendimentos do sector financeiro que esses cortes e/ou penalizações têm de recair, pois é na incomensurável diferença entre estes dois tipos de rendimentos que assenta grande parte da desigualdade, da falta de equidade e de justiça social.
Curiosamente ninguém os ouve dizer isto.
A atenção, o cuidado e a importância que alguns comentadores passaram a dar às questões relacionadas com a igualdade, a equidade e a justiça social devem ser objecto de registo. É verdade que até agora nunca os tínhamos visto indignados ou sequer preocupados com o facto de haver, no nosso país, um fosso cada vez maior entre ricos e pobres, ou com o facto de eles próprios serem principescamente pagos por aquilo que escrevem ou dizem nos órgãos de comunicação social, para os quais trabalham, em contraponto com os miseráveis vencimentos que os jovens jornalistas recebem e com as péssimas condições de trabalho que têm. Pelo contrário, vêmo-los sempre muito confortáveis no seu estatuto de bem sucedidos e de bem instalados na vida. Aliás nunca os vimos questionar as «regras» de ascensão social que vigoram na nossa sociedade e que lhes possibilitam ficar tão acima de todos os outros. O próprio desemprego é visto por muitos deles apenas como uma coisa desagradável — para alguns, é mesmo e só uma maçada, porque obriga a ter mais cuidado com essa gente sem emprego que pode tornar-se socialmente inconveniente a qualquer momento.
Sabemos pois que, apesar de sempre terem ligado pouco ou nada a essas «coisas» da igualdade, da equidade e da justiça social, agora manifestam-se preocupados com isso. E assenta em quê essa preocupação? Assenta no seguinte: no sector privado é possível despedir e no sector público não é, daqui retiram a consequência de que os primeiros devem ficar isentos dos cortes nos subsídios de Natal e férias e os segundos devem arcar com eles na totalidade.
O problema é que este argumento é ele próprio um problema. Aliás dois, porque:
i) o desemprego e os despedimentos são cada vez mais uma realidade na função pública. Neste momento, os milhares de contratados do Estado, nas mais diversas profissões, são vistos como seres que se descartam, sem cerimónia. Não teremos de esperar muito tempo até vermos o Estado a querer despedir sem rebuço os seus profissionais dos quadros;
ii) independentemente de o Estado despedir ou não despedir, o que está em questão é uma coisa bastante diferente: é saber sobre que rendimentos se aplica a penalização do corte dos subsídios de férias e Natal. Infelizmente os desempregados não são tidos para esta questão, pois já perderam os seus rendimentos e não têm sequer aqueles subsídios. A questão coloca-se, pois, em relação a quem tem rendimentos, independentemente desses rendimentos provirem do sector público ou privado. Porque razão os rendimentos do sector privado haveriam de ter um tratamento especial? Em nome de que princípio os rendimentos do sector privado deveriam ser privilegiados?
Aqui ainda há um outro elemento estranho: os comentadores que agora se mostram particularmente preocupados com esta alegada desigualdade (sustentada no factor despedimento) são justamente os mesmos que não se cansam de nos dizer que os despedimentos são uma inevitabilidade, que já não há empregos para toda a vida, que os direitos adquiridos têm de terminar, que a precariedade é o futuro e que tem de ser assim e que só pode ser assim. Não se compreende pois esta súbita preocupação com os despedimentos, por parte destes comentadores.
Finalmente, se estes comentadores estivessem verdadeiramente preocupados com a igualdade, a equidade e a justiça social deveriam dizer que os rendimentos do trabalho, em particular os baixos e os médios rendimentos, provenham eles do sector público ou privado, não podem ser objecto de quaisquer cortes ou penalizações. E deveriam acrescentar que, em primeiro lugar, é sobre os rendimentos do sector financeiro que esses cortes e/ou penalizações têm de recair, pois é na incomensurável diferença entre estes dois tipos de rendimentos que assenta grande parte da desigualdade, da falta de equidade e de justiça social.
Curiosamente ninguém os ouve dizer isto.