terça-feira, 3 de julho de 2012

Nacos

Canto VI

73
Na tempestade, os motores de máquinas incontestáveis exibem
uma evidente ingenuidade. Qualquer máquina
contemporânea torna-se antiquada quando surgem no céu
os inovadores trovões que rugem. Conflitos de épocas,
vulgares noutras situações, desaparecem no meio de uma
tempestade e toda a inteligência do homem é posta em causa.
O que inventámos nós, com significado, se o céu se mantém assim
— um elemento que assusta?

74
Os ventos primitivos substituem
durante horas a autoridade do governo. Os animais
defendem-se como os homens, os
filósofos deixam de procurar a verdade
e humilham-se por um pequeno abrigo.
A terra move-se e durante meia hora
não nascem crianças. Bloom deixou de fazer
perguntas: o tempo tornou-se material, exige
actos e experiência. A tempestade é também
uma etapa para a Índia.

75
Os objectos — os belos — são flor sem raiz: caem
facilmente. A obra de arte da barbárie tem
no terramoto a sua ideologia pura: as tempestades
são absolutamente ilegais, grita um juiz, e um
vento estranhamente manso no meio da gritaria,
vira página a página o livro de leis, como se o
consultasse.
No exterior, os méritos dos grandes oradores
não se conseguem ouvir devido ao som que o vento faz
quando os atira contra o chão e os mata.

Gonçalo M. Tavares, Uma Viagem à Índia, Caminho