segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Registos do fim-de-semana

Face Oculta — Suspeitos foram avisados das escutas

ERC abre inquérito sobre pressões políticas à imprensa

REN obrigada a substituir Penedos

Oliveira Costa arrecadou mais de 24 milhões de euros

Guardas-nocturnos em extinção
Sol (27/11/09)

Irregularidades no grupo BPN detectadas em 2000 pelo Banco de Portugal

Deputados do PS contra "agenda" de Jaime Gama

Isabel Alçada acaba com divisão da carreira docente mas cria a polémica das vagas

ME gravou conversa entre jornalistas sem autorização

ERC investiga acusações sobre alegadas pressões do Governo nos media

Juízes repudiam "espionagem política"

Tribunal de Contas chumba mais uma concessão rodoviária

Polícias vivem menos 11 anos que o resto da população
Público (27/11/09)

Freeport em risco. Atrasos em Londres encravam processo

Ministério da Educação grava conversas informais entre jornalistas

Gripe A. Apenas se vacinaram 8% das grávidas, 18% dos enfermeiros e 32% dos médicos

Primeira derrota do governo Sócrates: Código Contributivo adiado um ano

Demora na devolução de 190 milhões de IVA à Estradas alivia défice.

"Sol" quer ser assistente no processo Face Oculta
i (27/11/09)

Ambiente não investiga erros que pouparam 55 mil euros a Godinho

Governo e PS dramatizam aliança negativa da oposição

Ex-Presidentes da República pedem serenidade na Justiça
Público (28/11/09)

Oposição sufoca Governo na AR

BPN já custou 4 mil milhões à Caixa

Ministro quer portagens nas SCUT

Vai doer muito a saída desta crise

Fundação de Lino perdeu meio milhão em três meses

Inquérito ao fim do Jornal de 6ª parado há dois meses

Nos dias de maior movimento de turistas, há castelos e museus fechados
Expresso (28/11/09)

"Portugal está à beira da irrelevância, talvez do desaparecimento"
"Se não houvesse Europa, já teríamos tido golpes de Estado"
"A Justiça está refém de grupos profissionais e os portugueses sem esperança"
"O Presidente da República devia enviar mensagens à Assembleia da República"
"Conheço pessoas com receio de falar" (António Barreto)

O mundo está mesmo a aquecer? Parece que não
i (28/11/09)

Paulo Portas desafia José Sócrates a provar aumento da despesa das medidas anticrise aprovadas pela oposição no Parlamento

Ministra pede a médicos que estudem vacina
Público (29/11/09)

domingo, 29 de novembro de 2009

Pensamentos de domingo

«"Legalmente" é um advérbio bastante robusto; ele suporta bem as fortunas.»
Balzac

«Não seria mais simples se o Governo dissolvesse o povo e escolhesse um novo?»
Bertold Brecht

«Aos olhos da Natureza nós somos uma espécie com problemas.»
Lionel Tyger & Robin Fox
In José Manuel Veiga, Manual para Cínicos

Keith Jarrett

sábado, 28 de novembro de 2009

Retratos de Sócrates (11)

«No dia 4 de Março de 2001, por volta das 21h00, um dos pilares da Ponte de Hintze Ribeiro ruiu, arrastando para o rio Douro um autocarro e três automóveis ligeiros, que custaram 59 vidas. A queda da ponte de Entre-os-Rios foi um dos momentos mais difíceis de sempre para os governantes em funções executivas. De uma forma brutal, foram confrontados com a realidade da governação. Uns assumiram a responsabilidade, outros sacudiram a água do capote. [...]
Além da desgraça humana, a questão da responsabilidade política veio ao de cima. De imediato, dois ministros ficaram sob imediata pressão: Jorge Coelho e José Sócrates. O então ministro do Equipamento demitiu-se na madrugada seguinte ao acidente, uma atitude que mereceu o aplauso de todos, e que serviu para doirar a imagem de vulgar, ainda que poderoso, aparatchik. Aliás, uma decisão que ainda teve o mérito de arrastar consigo uma série de outros responsáveis. E o que fez José Sócrates? Fechou-se no gabinete durante 48 horas, recusando responder a qualquer pedido de declaração da comunicação social. [...]
A referência ao acidente de Entre-os-Rios é imprescindível, pois permite recordar a forma politicamente cobarde como inicialmente reagiu ao acidente. Não, não se trata de julgar uma questão de consciência, que só o próprio pode avaliar. Apenas de perceber a sua noção de ética política. Certamente, Jorge Coelho não se demitiu por ter minado a ponte. O seu gesto revelou elevação pessoal e política.
Não bastou o exemplo. Até parecia que não era nada com ele, mas foi, conforme se constatou depois de conhecidas as conclusões da comissão parlamentar de inquérito. O exercício da responsabilidade política não eras — não é! — o seu forte. Nem imediatamente a seguir ao desastre, nem depois. Senão, vejamos. Seis meses depois da catástrofe, a comissão de deputados concluiu que a causa directa da queda da ponte foi "a descida do leito do rio na zona do quarto pilar". E por que razão? Por causa das "actividades de extracção de inertes do leito do rio". A descida do leito do Douro, na zona do Pilar P4, a um nível perigosamente baixo, foi fatal.
Todos se voltaram para o então ministro do Ambiente, que permaneceu impassível e inamovível. Nem as notícias, que chegaram a impressionar, foram suficientes. No dia 13 de Março de 2001, a "SIC" passou, em exclusivo as filmagens aos pilares da ponte, realizadas em 1986, que, vinham dar consistência a quem acusava os dirigentes políticos de total incúria. O pior do "Bloco Central" ficou à vista. E José Sócrates não se comoveu. Nada o chamou à razão da ética. Nem a romaria dos governantes a Castelo de Paiva. José Sócrates continuou em Lisboa.»
Rui Costa Pinto, José Sócrates - o Homem e o Líder, Exclusivo Edições, pp. 66-68.

Ao sábado: momento quase filosófico


Acerca da Filosofia da Linguagem - II

«Wittgenstein atribuía a culpa de todos os erros da filosofia ocidental ao que denominava "ser enfeitiçado pela linguagem», querendo com isto dizer que as palavras podem enganar-nos, levando-nos a classificar erradamente as coisas. Somos ludibriados pela forma gramatical das frases em que as questões filosóficas são formuladas. Por exemplo, no seu magnum opus, Being and Time, Heidegger debateu "nada" como se designasse alguma coisa esquisita. Eis um exemplo similar de confussão linguística:
— Espero que vivas até aos cem anos e mais três meses, Freddy.
— Obrigado, Alex. Mas porquê os três meses?
— Não quero que morras de repente.
Se pensam que Alex está enfeitiçado pela linguagem, atentem em Garwood na história que se segue:
Garwood vai a uma consulta com um psiquiatra, onde se queixa de que não consegue arranjar uma namorada.
— Não admira! — diz o psiquiatra. — O senhor cheira extremamente mal!
— É isso mesmo — replica Garwood. — É por causa do meu emprego... eu trabalho no circo e tenho de seguir os elefantes por todo o lado para limpar os seus excrementos. Por muito que me lave, o cheiro cola-se a mim.
— Nesse caso, despeça-se e arranje outro emprego — aconselha o psiquiatra.
— Está doido? — replica Garwood. — E desistir do mundo do espectáculo?
Garwood confundiu a denotação de "mundo do espectáculo", que, no seu caso, inclui limpar os excrementos dos elefantes, com a conotação emocional de "mundo do espectáculo", em que a única coisa que importa é estar sob as luzes da ribalta.»
Thomas Cathcart e Daniel Klein, Platão e um Ornitorrinco Entram num Bar...

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Fragmenti veneris diei

«Havia uma parede e, no centro, uma janela: estavam os dois deitados no chão, sobre um tapete. Pela janela via-se um cemitério e os canais de uma cidade onde os barcos entravam transportando drogas, contrabando, plantas exóticas. Era com essa imagem do cemitério e dos canais, a uma hora estranha (porque não era de noite, não era o crepúsculo dourado das cidades, não era o amanhecer), que os dois se deitavam, o rosto voltado para a janela. A princípio pareceu-lhe que estava a assistir a um filme - e que aguardavam por uma mão estendida que atravessa as janelas. Uma mão que atravessa as janelas. Nunca viu o rosto da mulher mas lembra-se da sua pele que ficava iluminada quando ambos olhavam para a janela e viam as andorinhas sobre os muros do cemitério.»
Francisco José Viegas, O Mar em Casablanca, p. 198.

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Os «Princípios» do novo Ministério da Educação

O Ministério da Educação entregou aos sindicatos os «Princípios da Revisão do Estatuto da Carreira e da sua articulação com a Avaliação do Desempenho». (Ler aqui.)
Dos cinco pontos apresentados, só consigo encontrar de positivo a existência de uma carreira única com uma categoria única.
Quanto ao resto, algumas notas breves:
1. A carreira volta a ter 10 escalões. Isto significa que voltaremos a perder a equiparação ao topo dos quadros técnicos superiores do Estado (que esta última revisão do ECD tinha consignado com a introdução de um novo escalão), ou que o actual décimo escalão será equiparado ao futuro 9.º escalão?
2. Parece entender-se que os dois últimos escalões ficarão reservados a quem queira especializar-se em funções de supervisão pedagógica, de gestão da formação, de desenvolvimento curricular e de avaliação. Diz-se, até, que o acesso se faz através de candidatura, reservada aos docentes que possuam formação específica adequada.
Isto significa duas coisas:
a. Restrição de acesso ao topo. Ele só será acessível a quem se especializar em uma daquelas áreas. Isto significa, ou continua a significar a desvalorização do professor enquanto professor: ser um excelente professor não chega para poder aceder ao topo da carreira. Aquilo que é o mais importante, saber ser professor, é insuficiente para a novel ministra da Educação. Neste aspecto específico, a alteração é para pior, relativamente ao que existe;
b. Como o acesso se faz por candidatura, certamente que aqui também haverá quotas, caso contrário, bastaria apresentar o currículo comprovativo da respectiva especialização.
3. O ingresso na carreira mantém-se igual (prova pública de acesso e da aprovação no final de um período probatório de um ano, em que é obrigatória a observação de aulas e a avaliação da prática docente não lectiva). A este respeito, digo com clareza o seguinte: estes requisitos são inaceitáveis para quem já exerce as funções de professor, ainda que não tenha ingressado na carreira. Não se pode admitir que quem tem servido para ser professor tenha, agora, que se submeter a essas provas.
Todavia não me intrometo na querela entre o Ministério da Educação e as instituições do ensino superior visadas por esta exigência. Todos sabemos que a obrigatoriedade de realização de provas públicas de acesso à carreira significa uma objectiva descredibilização da formação que é dada por aquelas instituições. Mas isso é um conflito entre o ME e Universidades/Institutos Politécnicos. Quem, em primeiro lugar, tem a obrigação de se pronunciar e entrar na discussão desta medida são estas instituições.
4. Os ciclos de avaliação continuam a ser, inexplicavelmente, de dois anos.
5. As quotas mantêm-se. Melhor, as quotas agravam-se, porque passam a ser impostas em três momentos: acesso ao 3.º, 5.º e 7.° escalões.
6. Não entendi o que se pretende fazer, em matéria de avaliação, com os docentes actualmente posicionados nos índices 299 e 340.
7. Finalmente, torna-se evidente que, subjacente a todos os princípios enunciados no documento apresentado pelo Ministério da Educação, mantém-se uma concepção de avaliação fundamentalmente preocupada no faz-de-conta e na seriação. A avaliação enquanto processo formativo continuará a ser, com esta ministra, apenas uma nota de rodapé ou um mero ramalhete para «inglês ver».
É no que dá cantar vitórias antecipadas.

Quinta da Clássica - Anton Bruckner

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Mais uma voz a dizer o que deve ser dito


A falta de classe
Santana Castilho

Perdoem hoje o estilo. A prosa sairá desarticulada, quais dardos soltos. Este artigo é, conscientemente, feito de frases curtas. Cada leitor, se quiser, desenvolverá as que escolher. Meu objectivo? Manter a sanidade mental. Escorar a coluna vertebral. Resistir. Este artigo é também uma reconfirmação de alistamento na ala dos que não trocam os princípios de uma luta pelo pragmatismo de um lance. Porque amo a verdade e a dignidade profissional como os recém-chegados ao mundo amam o bater do coração das mães. Porque não esqueço os que nenhum lance poderá já compensar. Porque com a partida prematura deles perderam-se pedaços da Escola que defendo. Porque pensar em todos é a melhor forma de pensar em cada um.
A avaliação do desempenho é algo distinto da classificação do desempenho. A avaliação do desempenho visa melhorar o desempenho. A classificação do desempenho visa seriar os profissionais. Burocratas que morreram aos 30 mas só serão enterrados aos 70 tornaram maior uma coisa menor. Quiseram reduzir realidades díspares à unicidade de fichas imbecis. Tiveram a veleidade Kafkiana de particularizar em 150.000 interpretações individuais os objectivos de uma organização comum a todos. Convenceram a populaça que se mede o intangível da mesma forma que se pesam caras de bacalhau. Chefiou-os uma ministra carrancuda, que teve o mérito de unir a classe. Chefia-os agora uma ministra sorridente, que já se pode orgulhar de dividir a classe. Porque, afinal, custa, mas não há classe. Há jogos! De cintura. De bastidores. De vários interesses. Parlamentares, sindicalistas, carreiristas e pragmatistas ajudaram à Babel. Da sua verve jorra a água morna de Laudicéia, a que dá vómitos.
Alçada derreteu o implacável Mário Nogueira que, em socorro da inexperiência da ministra, veio, magnânime, desculpar-lhe as gafes. E, cristãmente, entendeu agora, de jeito caridoso, que não seja suspenso o primeiro ciclo avaliativo. Esqueceu duas coisas: o que reclamou antes e que ciclos avaliativos são falácias de anterior ministra. Ciclos avaliativos, Simplex I, Simplex II e o último expediente (no caso, um comunicado à imprensa, pasme-se) para dizer às escolas que não prossigam com o que a lei estabelece são curiosos comandos administrativos. Uma lei má, iníqua, de resultados pedagogicamente criminosos, devia ter morrido às mãos do parlamento. Por imperativo da decência, por precaução dos lesados, por imposição das promessas de todos. Quanto à remoção das mágoas, meu caro Mário Nogueira, absolutamente de acordo. Depois de responsabilizar os que magoaram. Depois de perguntar aos magoados se perdoam. Por mim, cuja lei foi sempre estar contra leis injustas, a simples caridade cristã não remove mágoas. Não sei perdoar assim, certamente por falta de céu.
Agora, porque sou amigo de Platão mas mais amigo da verdade, duas linhas para Aguiar Branco. Gostei de o ouvir dizer, a meu lado e a seu convite, que a avaliação do desempenho era para suspender. Mas não justifique a capitulação com a semântica. Poupe-me à semântica, porque a semântica não o salva. Enterra-o. Suspender é interromper algo, temporária ou definitivamente. É proibir algo durante algum tempo ou indefinidamente. Substituir é colocar algo em lugar de. Não só não tinha como não terá seja o que for, em 30 dias, para colocar em lugar de. Sabe disso. Bem diferente, semanticamente. Mas ainda mais importante nos resultados. O Bloco Central reanimou-se nas catacumbas e o PS agradeceu ao PSD o salvar da face. Mas os professores voltaram a afastar-se do PSD, apesar do arrependimento patético de Pedro Duarte. E, assim, o PSD falha a vida!
Um olhar aos despojos. Reverbera-se a falta de capacidade de muitos avaliadores para avaliar, mas homologam-se os “Muito Bom” e “Excelente”, que significam mais 1 ou 2 pontos em concurso. Os direitos mal adquiridos de alguns valeram mais que os direitos bem adquiridos de muitos (como resolverão, a propósito, os direitos adquiridos dos “titulares” que, dizem, vão extinguir?). Porque toca a todos, muitos “titulares” que não tinham vagas de “titulares” em escolas que preferiam, foram ultrapassados em concurso por outros de menor graduação profissional, que agora lá estão, em almejados lugares de quadro. Ao mérito, há muito cilindrado, junta-se uma palhaçada final, em nome do pragmatismo. Muitos dos que foram calcados recordam agora que negociar é ceder. Mas esquecem que os princípios e a dignidade são inegociáveis, sendo isso que está em jogo. Um modelo de avaliação iníquo, tecnicamente execrável e humanamente desprezível, que não lhes foi aplicado ao longo de um processo, é agora aceite, em nome do pragmatismo, para não humilhar, uma vez, quem os humilhou anos seguidos.
Sócrates, que se disse animal feroz, vai despindo a pele. Mas não nos esqueçamos da resposta de um dos sete sábios da Grécia, quando interrogado sobre o mais perigoso dos animais ferozes. Respondeu assim: dos bravos, o tirano. Dos mansos, o adulador.
Vão seguir-se meses de negociações sobre o estatuto. O défice, que levou à divisão da carreira e às quotas, agravou-se. Se a desilusão for do tamanho da ilusão, tranquilizem-se porque a FENPROF ficará de fora, como convém, e a FNE poderá assinar um acordo com o Ministério da Educação, como não seria a primeira vez. Voltaremos então ao princípio. O que é importante continuará à espera. Mas guardaremos boas recordações de duas marchas nunca vistas.
in Público (25/11/09)

Às quartas

Laranja, Peso, Potência

Laranja, peso, potência.
Que se finca, se apoia, delicadeza, fria abundância.
A matéria pensa. As madeiras
incham, dão luz. Apuram tão leve acúçar,
tal golpe na língua. Espaço lunado onde a laranja
recebe soberania.
E por anéis de carne artesiana o ouro sobe à cabeça.
A ferida que a gente é: de mundo
e invenção. Laranja
assombrosamente. Doce demência, arrancada à
monstruosa
inocência da terra.

Herberto Helder

terça-feira, 24 de novembro de 2009

Retratos de Sócrates (10)

«Os inúmeros casos não impediram que a vida política lhe tenha sorrido, a partir da segunda metade dos anos 90, comprovando que não são as notícias que liquidam a performance dos políticos. Depois de chegar ao poder, em 1995, com a eleição de António Guterres, o jovem governante tinha motivos para se sentir confiante e orgulhoso. A secretaria de Estado do Ambiente foi um prémio merecido, uma etapa para poder almejar outros voos mais altos. Nem a rivalidade pessoal com a então 'independente' Elisa Ferreira conseguiu atrapalhar a sua progressão. De igual modo, os amuos e as zangas com a 'chefe' não foram suficientes para o retardar na corrida a um lugar de maior confiança, e ao lado, mesmo ao lado, do então primeiro-ministro e secretário-geral do Partido Socialista.
Depois de um passado de militância efémero na JSD, e de uma entrada oportuna no PS, em 1981, durante mais um dos períodos de separação de águas no 'secretariado', o qual lhe permitiu exibir os seus dotes de orador, o caminho ficou escancarado, de par em par. Tinha ambição, energia, influência e um punhado de amigos à prova de bala. É certo que faltavam 'tropas' no seio do partido, mas tinha projectos, projectos e muitos projectos e um par de fiéis. É certo que eram de fraca qualidade política, mas foram navegando ao sabor das oportunidades e até da aposta de alguns caciques socialistas, conseguindo reunir um 'aparelho' que foi crescendo à medida que se abeirava do poder.
Desde então, a sua imagem de marca ficou associada a uma máscara de desafio, muitas vezes a atingir o teatral, algumas vezes a roçar o ridículo. Por tudo e por nada, a propósito deste ou daquele assunto, muitas vezes banais ou inócuos, fosse qual fosse a polémica, emprestava sempre dramatismo. [...] A habilidade foi um dos motores da sua confirmação, cuja história se fez mais pela retórica agressiva do que por uma real assumpção de convicções. [...]
O homem registado em Vilar de Maçada, mas nascido em Miragaia, no Porto, foi capaz de encantar, e de se encantar com a visibilidade mediática, assumindo uma atitude confiante, com grande exuberância.
Os tempos corriam de feição. Tinha todas as razões para estar deslumbrado. Após a primeira remodelação do XIII governo constitucional, a promoção do inexperiente secretário de Estado a ministro Adjunto do primeiro-ministro, em 1997, foi algo de monta, um inegável feito que foi muito bem trabalhado pelos seus aliados na comunicação social, sempre ávida a deglutir o que brilha sem cuidar de saber se esse brilho é autêntico. [...]
No lugar de super ministro, ainda mais próximo do primeiro-ministro [...] sofreu uma gigantesca metamorfose. A frescura, a energia e a ambição das causas de civilização passaram a estar direccionadas para o grandioso, o desperdício e o acessório, ou seja para o mais passadista apelo ao orgulho nacional. Num ápice, passou da defesa dos direitos dos cidadãos à defesa das grandes obras públicas, tornando-se mais sensível aos interesses dos grandes grupos económicos e excitando fantasias douradas do agrado de todos: bancos, promotores imobiliários, intermediários, construtores, gabinetes de advogados, políticos, partidos políticos, comunicação social e até, por que não dizê-lo, dos portugueses. Obviamente, tais ilusões, perdão, grandes obras do regime, eram sempre dispendiosas e pagas à custa do erário público. As ideias cintilantes do então ministro, quais quimeras rosas, geraram lucros fabulosos aos privados, com margens prodigiosas, sobretudo para os bancos e grandes construtoras.»
(Continua)
Rui Costa Pinto, José Sócrates - o Homem e o Líder, Exclusivo Edições, pp. 60-62.

Bonecos de palavra

Para ampliar, clicar na imagem.

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

O PS queixa-se de quê?

O caso "Face Oculta" tem desencadeado, por parte do PS, uma série de reacções que procuram, mais uma vez, fazer de Sócrates uma vítima e de todos os outros uns malvados. Desde "espionagem política" a "tentativa de homicídio de carácter", vale tudo.
Mas, afinal, de que se queixa o PS?
Os factos são estes: no primeiro conjunto de escutas, um juiz e um procurador consideraram que as conversas de Sócrates com Vara continham indícios de um crime contra o Estado; o procurador-geral e o presidente do Supremo Tribunal de Justiça consideraram que não existiam esses indícios.
No segundo conjunto de escutas, um juiz e um procurador consideraram que as conversas de Sócrates com Vara continham indícios de um crime contra o Estado; o procurador-geral considerou que não.
Até agora, a conclusão é esta: na primeira leva de escutas, houve um empate técnico, dois contra dois; na segunda leva, o resultado está em dois contra Sócrates e um a favor. E, apesar de estar a perder, não vai ser alvo de nada, nem sequer de um inquérito, porque o procurador-geral manda mais que os outros dois juntos.
Afinal, o PS queixa-se de quê?
Da violação do segredo de Justiça? Muito bem, mas quando essa violação atingiu responsáveis do PSD e do CDS (caso da Universidade Moderna, caso Portucale, caso BPN, etc.) nunca ouvi os agora indignados a falarem de espionagem política e muito menos de tentativas de homicídio de carácter...

Registos do fim-de-semana

Buraco gigante no Orçamento

PS e PSD de braço dado pela avaliação dos professores
i (20/11/09)

Socialistas derrotados nas autárquicas foram nomeados governadores civis
Público (20/11/09)

Escutas a Sócrates não serão destruídas

Pinto Monteiro e Noronha contestados

'Face Oculta' abala Governo

"Não alinho em teorias da conspiração" (Carlos César)
— Vera Jardim também se distancia do PS e do Governo

Dívida ultrapassa 80% do PIB

Godinho favorecido na Expo 98
Sol (21/11/09)

PSD deixa Ferreira Leite a falar sozinha

Caso dos submarinos: Portas aumentou milhões ao lucro dos bancos
— Tribunal de Contas quer apurar responsabilidades financeiras

PSD assume que deu "oportunidade" ao Governo na avaliação mas nega Bloco Central

[Processo Cova da Beira] Ex-mulher de Morais diz-se ameaçada para fechar conta suspeita — Morais quer fazê-la desaparecer há anos.

Empresa de Godinho ganhou concursos públicos do Exército

Rohde — Trabalhadores da multinacional alemã do calçado [localizada em Santa Maria da Feira] recusam escolher os 500 colegas que poderão ter de sair

IVA sobre o imposto automóvel será abolido mas os consumidores não vão beneficiar
Público (21/11/09)

Godinho ganhou seis contratos no Exército esta semana

Juristas não se entendem sobre legalidade da destruição de escutas

António José Morais investigado em mais dois casos
— Ministério Público inquire branqueamento de capitais e um gabinete público gerido pelo antigo professor de Sócrates
Expresso (21/11/09)

Governo vê mais uma auto-estrada chumbada — mas obras continuam

Portugal sem capacidade tecnológica para detectar mutações de vírus

Portugal à venda?
— Com défice e dívida em valores recorde, os economistas avisam: não há soluções a curto prazo. Privatizar será apenas um paliativo
i (21/11/09)

domingo, 22 de novembro de 2009

Pensamentos de domingo

«É a golpadazeca do ordinareco que faz uma jogadas, umas burlas, umas corrupções, umas porcarias, condenando o País.»
Ernâni Lopes, economista, Sol.

«Não é verdade que a minha mãe fosse mulher-a-dias no Parlamento. Nunca teria aceitado um emprego desses, aquilo é demasiado porco.»
Michael Caine, actor, The Observer, in Courrier Internacional.

«Juro por Deus que vou enfiar a puta da bola na puta da sua garganta.»
Serena Williams, tenista (dirigindo-se à juíza de linha), The Miami Herald, in Courrier Internacional.

Charles Mingus

sábado, 21 de novembro de 2009

Ao sábado: momento quase filosófico

Acerca da Filosofia da Linguagem

«Em meados do século XX, Ludwing Wittgenstein e os seus seguidores na Universidade de Oxford afirmaram que as questões clássicas da filosofia — o livre-arbítrio, a existência de Deus, etc. — só eram intrigantes por serem formuladas numa linguagem confusa e desconcertante. A sua missão enquanto filósofos era desatar os nós linguísticos, retocar as questões e fazer a segunda coisa melhor para resolver os quebra-cabeças: fazê-los desaparecer.
Por exemplo, no século XVII, Descartes tinha declarado que as pessoas são compostas por uma mente e um corpo — sendo a mente como um fantasma numa máquina. Os filósofos interrogaram-se, então, durante séculos sobre que tipo de coisa é um fantasma. Gilbert Ryle, o discípulo de Oxford de Wittgenstein, disse em relação a isso: "Pergunta errada! Não é qualquer tipo de coisa, porque não é coisa nenhuma. Se olharmos para a forma como falamos sobre os pseudo-episódios mentais, veremos que as nossas palavras são apenas uma definição para descrever o comportamento. Não se perde nada se deitarmos fora a palavra e a substituirmos pelo 'lugar' de onde supostamente vem o comportamento." Considera-a deitada fora, Gilly.
O jovem casal da história seguinte necessita, claramente, de reformular a sua pergunta:
Um jovem casal muda-se para um apartamento novo e decide forrar as paredes da sala de jantar com papel. Vão a casa de um vizinho que tem uma divisão do mesmo tamanho e perguntam:
— Quantos rolos de papel de parede comprou quando forrou a sua sala de jantar?
— Sete — responde o vizinho.
O casal compra os sete rolos de um papel de parede caríssimo e começam a forrar as paredes da sala de jantar. Quando chegam ao fim do quarto rolo, a divisão está pronta. Aborrecidos, voltam a casa do vizinho e dizem-lhe:
— Seguimos o seu conselho, mas sobraram três rolos!
— Então — diz ele — também vos aconteceu.»
Thomas Cathcart e Daniel Klein, Platão e um Ornitorrinco Entram num Bar...

Missiva de Ana Drago aos professores

Caro/a Professor/a,

O retomar dos trabalhos parlamentares nesta nova legislatura foi feito em torno do debate sobre Educação e Carreira Docente.

Para que o trabalho político do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda na área da educação tenha a qualidade que nos é exigida, e para que esse trabalho seja também participado e avaliado por todos os envolvidos e interessados no debate sobre política educativa, retomamos por este meio o contacto e o diálogo com todos os professores e educadores que a nós se dirigiram na anterior legislatura.

A Assembleia da República votou hoje os projectos apresentados pelos diferentes partidos da oposição relativos ao fim da divisão da carreira e ao actual modelo de avaliação.

O resultado da votação será hoje divulgado pela comunicação social – os projectos apresentados pelo Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda, que previam quer o fim da divisão da carreira de professor, quer a suspensão do actual modelo de avaliação (o que implicaria a não penalização de qualquer professor ao abrigo deste modelo, ou a contagem das classificações para os efeitos de concurso ou progressão) foram chumbados.

Os restantes projectos que também previam a suspensão, designadamente do PCP e do CDS, foram também chumbados.

As intervenções do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda no debate dessas propostas, de Francisco Louçã, Ana Drago, José Manuel Pureza e Cecília Honório podem ser visualizadas nas respectivas hiperligações.

Da votação de hoje resultou apenas a aprovação do projecto de resolução do PSD. Porque muita desinformação e confusão se tem instalado sobre o que significa esta iniciativa, e muitas dúvidas se criaram sobre as implicações desta votação, aproveitamos para fazer alguns esclarecimentos.

1. A proposta pelo PSD não define a suspensão do actual modelo de avaliação. Defende sim a substituição no futuro por um outro modelo, mas sem o balizar (ou seja, não acautela a não introdução de quotas, ou dos resultados escolares dos alunos num futuro modelo), e sem acautelar os efeitos das classificações do actual modelo nos futuros concursos ou na progressão na carreira.

O que significa que o modelo de avaliação ainda está em vigor, e que só o Governo pode agora definir o que vai acontecer. Ou seja, o acordo do PS e do PSD vai no sentido de passar um “cheque em branco” ao Governo.

2. A proposta do PSD que foi hoje aprovada é uma recomendação ao Governo. Isto é, não tem carácter vinculativo. O Governo pode ou não cumprir essa recomendação. Se tivesse sido aprovado o projecto de lei do Bloco de Esquerda significaria que a suspensão da avaliação era uma lei da República – logo, imperativa e vinculativa.

3. Deste debate fica, portanto, muito em aberto. Contudo, se algo aprendemos com este debate na AR foi que ele forçou o Governo a recuar e a mostrar disponibilidade negocial . O que significa que a pressão tem que ser mantida, para que essa negociação tenha resultados reais.

Nesse sentido, acompanharemos com atenção o processo negocial que agora decorre entre Ministério da Educação e os representantes sindicais, e tudo faremos para que este tenha resultados positivos que permitam colocar um ponto final neste lastimável processo.

Contamos, para tal, com a sua participação, crítica ou sugestão – para que possamos cumprir o nosso compromisso político: trabalhar para construir e reforçar uma escola pública democrática e de qualidade.

Com os melhores cumprimentos,

Ana Drago, Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda


Texto encaminhado para o blogue por Ana Joaquim, a quem agradeço.

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Por falar em avaliação

O jornal inglês Financial Times fez uma avaliação de 19 ministros das Finanças europeus e publicou o ranking anual resultante dessa avaliação. O nosso ministro, Teixeira dos Santos, ficou classificado em 15.º lugar. Sem comentários.

Fragmenti veneris diei

«As minhas viagens foram isso mesmo: poeira, o coração sempre no fim da tarde, insectos, colibris nos trópicos, o sabor da cerveja, não ter endereço certo, desobedecer aos guias e aos mapas e às intempéries. Encontrar refúgios sob os beirais de edifícios em cidades desertas, no meio de trovoadas, onde procuro cabinas telefónicas em ruas movimentadas. O coração no fim da tarde é uma imagem que transporto todos os dias. A poeira também. E alguns nomes novos: sonambulismo, domingo fechado num quarto, nadar a meio da noite, livros, café, bilhetes de autocarro e de museu, contas de restaurantes e de hotel, caixas de fósforos, jornais em línguas desconhecidas, postais ilustrados, publicidade distribuída na rua, pequenos cadernos preenchidos com rabiscos, pacotes de açúcar dos cafés de Amesterdão, coisas sem importância aparente, os talões de embarque dos voos, o cheiro dos vulcões, revoluções, sobressaltos, tiroteios, poeira levantada do chão, cavaleiros que percorrem os desfiladeiros e viajantes que pernoitam em cidades quase abandonadas, as cordilheiras dos Andes, a neve dos subcontinentes, os muros abandonados de Dar El Beida (os mesmos que foram reerguidos cerca de 1770 por Mohamed Ben Abdullah), as sextas-feiras de Jerusalém, os bares de uma cidade na Catalunha, as ilhas de Donegal, a vegetação entre as colinas procurando o meu pai, imaginando como seria a minha mãe, tudo o que vi, tudo o que ouvi, as grandes árvores de Java, uma enseada na grande ilha de Flores. Eu pensava que era neblina, neblina sobre os vales quando se desce para a grande foz do Cunene. As mulheres. Ah, a Welwitschia mirabilis, a flor do deserto. As nuvens entre os arranha-céus, os caminhos pulverizados por essa poeira de geada no Inverno, os castelos, as estradas que não levam a nenhum lado e se perdem num aeroporto. E os crepúsculos do Sul, os casarões de branco ocre, os mariachis acompanhando as primeiras cervejas, a alegria de não ter pátria. E, não conseguindo explicar essa beleza intensa, é essa beleza que gostava de recordar. As colinas escuras do Cañon del Sumidero. Os bailes, os jantares prolongados. desço no mapa enquanto não chegam os tufões às ilhas, enquanto as tempestades não interrompem as estradas. É nessas estradas que se ergue a mais bela luz, a de El Jadida, recordada pelos sobreviventes da guerra, e que se refugiaram nos confins da Amazónia. É essa poeira que anima o meu coração.»
Francisco José Viegas, O Mar em Casablanca, pp. 196-197.

Suspensão da avaliação: PSD não cumpre o que prometeu

Assisti a grande parte do debate parlamentar sobre a avaliação docente, ontem realizado. E pude ver, mais uma vez, a razão pela qual o Parlamento e muitos políticos são tidos em tão má conta pelos portugueses. Pude ver, mais uma vez, a razão pela qual aos deputados são atribuídos epítetos que não são susceptíveis de reprodução, aqui.
Vi quem, desta vez, deu justificação a esses epítetos. Isto é, vi os deputados do PSD terem um comportamento politicamente deplorável. Vi como os responsáveis políticos do PSD, sem um mínimo de pudor, mentiram aos portugueses. Mentiram porque, na campanha eleitoral, prometeram uma coisa e, agora eleitos, vão fazer outra: prometeram, e escreveram no seu programa eleitoral, que tomariam a posição de suspender o actual modelo de avaliação docente e, faltando ao compromisso que assumiram com os seus eleitores, não vão cumprir. E não só anunciaram que não vão cumprir como já afirmaram também que não vão viabilizar as propostas do CDS, PCP e BE que determinam a suspensão do actual modelo de avaliação. Estes são os factos.
Factos indecorosos, que revelam a importância que os deputados do PSD dão à sua própria palavra e o respeito que têm pelos seus eleitores e pelos portugueses em geral. A palavra dos deputados do PSD vale nada e o respeito pelos portugueses é nenhum.
Ficamos hoje a conhecer qual é, afinal, a política de verdade prometida por Manuela Ferreira Leite e pelo PSD: a política de verdade, na primeira iniciativa parlamentar, revela ser uma medonha mentira.

Felizmente, ainda que com resultados infrutíferos, pudemos assistir, no mesmo debate, a comportamentos dignos e sérios. Destes, destaco, pela forma e pelo conteúdo, as intervenções da deputada Ana Drago, do BE, que fundamentou com rigor e com verdade a posição de suspensão da avaliação. Mas não fez apenas isto, foi a única deputada que defendeu um princípio básico: nenhum professor pode ser prejudicado ou beneficiado com a arbitrariedade e com a incompetência do modelo de avaliação vigente. Isto é, por um lado, não pode ficar ao critério discricionário dos directores das escolas a decisão de avaliarem uns professores e não avaliarem outros, e, por outro lado, as classificações de Muito Bom e de Excelente, já atribuídas, não podem contar para efeitos de concurso nem para a progressão na carreira. O PCP tem uma posição semelhante, mas faz uma omissão grave, não assumiu que aquelas classificações não podem contar para a progressão na carreira. O CDS remete este assunto para uma comissão ad hoc que estudaria juridicamente o assunto.
Quanto ao PS, não vale sequer a pena perdermos tempo com comentários.

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

O problema da negociação de questões que atingem princípios deontológicos e a dignidade profissional

Em abstracto
O termo «negociar» não deve ser aplicado na resolução de situações de conflito que atingem princípios deontológicos e/ou a dignidade profissional.
Quando duas partes iniciam aquilo que se denomina de processo de negociação, estão sempre presentes, de modo mais explícito ou menos explícito, as origens e as conotações comerciais («compra», «venda», «troca») que o termo «negociar» possui. Neste caso, não me refiro, evidentemente, à «compra» e à «venda», que não têm aplicação (ou não deveriam ter) no domínio da política e do sindicalismo, refiro-me ao conceito de «troca». É por isso que, quando se inicia uma negociação, é sempre lembrado às partes o pressuposto de que ambas têm de ceder, isto é: eu cedo/dou algo que tu recebes, e tu cedes/dás algo que eu recebo — trocamos. E se assim não for considera-se que não há verdadeira negociação.

Ora, na minha opinião, não é este o quadro em que deve decorrer a resolução de problemas que atingem princípios deontológicos e/ou a dignidade profissional, porque os princípios deontológicos e a dignidade profissional não são susceptíveis de «troca». Os princípios deontológicos e a dignidade profissional são valores incondicionais. Se lhes alteramos o estatuto de incondicionais, eles passam a ter valor venal e passam a valer o mesmo que uma ou duas décimas percentuais no aumento do vencimento, ou coisa similar.
Deste modo, partir para a resolução de problemas, que atingem princípios deontológicos e/ou a dignidade profissional, com o espírito de «negociar», de «trocar», significa que quem está do lado da defesa dos princípios e da dignidade vai, inevitavelmente, sair a perder, porque aquilo que pode «dar» é do domínio dos princípios e da dignidade e o que vai «receber» será sempre, em termos comparativos, de nível qualitativamente inferior.
Acresce que este quadro «comercial» não resolve verdadeiramente os problemas, apenas os «remedeia», e conduz ao descrédito da dita negociação, porque o que se retém desse processo é a transacção comercial em que se trocou o que não era susceptível de troca.

Defendo que quem está do lado dos princípios e da dignidade tem de partir para um processo destes, não para negociar, mas para discutir e para fundamentar racionalmente a defesa dos princípios e a defesa da dignidade. Tem de partir para o confronto racional e para o escrutínio rigoroso dos argumentos e das causas do conflito.
É apenas a via do confronto racional dos argumentos que pode possibilitar uma resolução séria de problemas desta natureza, e não a via «comercial». Nesta o que impera são os interesses, e são eles que ditam as «trocas» a realizar. Na via «comercial» tem de haver sempre trocas, independentemente da inexistência de qualquer razão que as justifique. E quem perde serão sempre os mesmos, serão sempre os que defendem os princípios e a dignidade, porque dão e nada podem receber que equivalha ao que dão.
Se nas circunstâncias do confronto argumentativo resultam, no final, posições inamovíveis, nenhum acordo deve ser celebrado e, consequentemente, cada parte assumirá as suas responsabilidades. O que acontece várias vezes.

Em concreto
Julgo ser pacífico considerar-se o actual problema da avaliação docente como um problema em que estão em jogo princípios deontológicos e de dignidade profissional, de modo, aliás, particularmente ponderoso.
Desta forma, pelas razões acima enunciadas, este problema não é resolúvel pela via «comercial», sem que haja perdas significativas para quem defende os princípios e a dignidade.
Neste contexto preciso, os interlocutores do Governo, sejam eles quais forem, quando se sentam à mesa das «negociações», não devem sentar-se para «negociar», mas para o confronto racional e para o escrutínio argumentativo.

Todavia, não foi isto que aconteceu nem é isso que está a acontecer. Foi com espírito «comercial» que os sindicatos e alguns partidos da oposição partiram para o processo de resolução do problema. Foram com a pré-disposição de trocarem «isto» por «aquilo», na lógica do «toma lá dá cá», que se sentaram à mesa das negociações.
Que o Governo vá com este espírito não é de admirar, porque o seu ponto de partida não é a defesa de princípios, é exclusivamente a defesa de interesses — interesses políticos rascas, como seja, o de não «perder a face», independentemente dos malefícios que isso provoque ao País e aos profissionais da Educação e, por consequência, aos alunos; interesses economicistas e interesses eleitoralistas — agora que os sindicatos e os partidos da oposição também se submetam à mesma lógica é que não se compreende. Aquilo que o Governo tem para dar tem valor venal, o que os sindicatos e os partidos da oposição têm para defender tem valor essencial.

Mas porque é a lógica «comercial» que impera, desenvolve-se à nossa frente o espectáculo de se andar a discutir verbos, de se defender com o mesmo à-vontade a suspensão do processo de avaliação e, logo a seguir, já não se defender a suspensão, mas a substituição e, algum tempo depois, e com à-vontade reforçado, já se defende novamente a suspensão. Discute-se a troca do fim da divisão da carreira pela finalização do 1º ciclo de avaliação, discute-se a troca dos efeitos para concurso dos Muitos Bons e Excelentes pela alteração de não sei o quê e mais isto que eu te dou e mais aquilo que tu me dás...
Nem o facto de existir uma maioria absoluta que se opõem ao Governo foi motivo suficiente para não se cair na «troca».
Nem o facto de ter existido um Compromisso Educação foi motivo suficiente para impedir as «transacções».
Nem o facto de estarmos perante um sistema de avaliação objectivamente incompetente, produzido por uma equipa ministerial de aventureiros irresponsáveis, que teve consequências desastrosas e da máxima gravidade, foi motivo suficiente para evitar o «comércio» negocial. Durante dois anos foi cometido um crime continuado, mas aceita-se passar uma esponja sobre esse crime continuado e sobre os seus resultados. Foi montada uma gigantesca farsa avaliativa, foi desenvolvido um processo que repugna, mas nem isso impediu o jogo do «deve» e do «haver».
Fechar 1.º ciclo como se nada tivesse acontecido, porque o que interessa agora é apenas o que aí vem, é um dos preços a «pagar».

Mesmo que não existisse força política suficiente para decretar o fim imediato de uma vergonha nacional, os sindicatos e alguns partidos da oposição nunca deveriam mostrar uma atitude de beneplácito, mais ou menos assumido, para com o branqueamento do que se passou durante dois anos.
Mas a lógica da «troca» não o permite. E esta é a lógica dominante. Que poderia ser usada na resolução de problemas menores, mas não na resolução de problemas que atingem princípios deontológicos e a dignidade profissional.

Às quartas

In Memoriam

Na cidade de Assis, "il Poverello"
Santo, três vezes santo, andou pregando
Que o Sol, a Terra, a flor, o rocio brando,
Da pobreza o tristíssimo flagelo,

Tudo quanto há de vil, quanto há de belo,
Tudo era nosso irmão! — E assim sonhando,
Pelas estradas da Umbria foi forjando
Da cadeia do amor o maior elo!

"Olha o nosso irmão Sol, nossa irmã Água..."
Ah! Poverello! Em mim, essa lição
Perdeu-se como vela em mar de mágoa

Batida por furiosos vendavais!
— Eu fui na vida a irmã de um só Irmão,
E já não sou a irmã de ninguém mais!

Florbela Espanca

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Bonecos de palavra

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Resposta do PROmova a um artigo de Mário Nogueira

In Público, 16/11/2009
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Este artigo do colega Mário Nogueira (Fenprof) suscita-nos algumas questões e outras tantas perplexidades que passamos a expor sucintamente:

1) Porque razão até ao dia D(ez) de Novembro fazia sentido falar de suspensão deste modelo de avaliação (há registos audiovisuais de Mário Nogueira, do PSD, da FNE e de todos os demais partidos da oposição exigindo a suspensão do modelo de avaliação em vigor – porque não há outro) e a partir da reunião com Isabel Alçada (onde já não foi exigida a suspensão – porquê?) passou a deixar de fazer sentido a suspensão imediata deste modelo?


2) Se já não faz sentido propor a suspensão do modelo de avaliação relativamente a este 1º ciclo, atendendo a que este já está concluído, então porque se está a insistir na farsa de constranger os professores a desistirem da sua oposição determinada, corajosa e coerente a este modelo de avaliação, propondo-lhes a entrega de última hora dos objectivos individuais e da Ficha de Auto-avaliação? Então o ciclo avaliativo já está concluído ou ainda prossegue?


3) Porque razão os sindicatos apelaram aos partidos da oposição para desistirem da suspensão do modelo de avaliação, quando estes o podiam e deviam ter feito no Parlamento, como se comprometeram, tendo em conta que a ministra e Sócrates se recusam a suspender o processo?

4) Quando Mário Nogueira olha para o passado e para o presente vê mágoas, mas os professores vêem injustiças que não se resolvem com o encerramento puro e simples deste ciclo avaliativo. O clima conturbado, a incompetência do modelo e os processos destituídos de seriedade que o operacionalizaram (Mário Nogueira apelidou-o de “farsa”) impõem que ninguém saia deste ciclo avaliativo nem prejudicado, nem beneficiado. Acha Mário Nogueira que se deve alinhar na farsa e no “faz de conta”, sancionando-se as classificações obtidas?


5) Mário Nogueira qualifica a não entrega da FAA como uma ilegalidade, pelo que quem não a entregou não deve ser avaliado (neste ponto, Isabel Alçada foi menos radical, pois ao falar de “elementos de Avaliação” pode estar a abrir a porta àqueles docentes que por coerência e espírito de resistência se recusaram a participar neste modelo de avaliação, mas prestaram contas do seu trabalho), defendendo que, ao invés, a recusa na entrega dos objectivos individuais não foi ilegal. Então, a Fenprof está a empreender a defesa, no contencioso, dos milhares de professores a quem foi negada a possibilidade de entrega da FAA e a consequente avaliação? É que, não havendo suspensão deste processo, como se impunha, as decisões de exclusão da avaliação praticadas por muito directores estão em cima da mesa (a própria ministra o garantiu há dois dias);


6) Apenas a avaliação dos contratados é que deve ser suspensa? E a daqueles que deram aval a um modelo errado e injusto, essa avaliação deve ser mantida e validada? Ninguém percebe os critérios, porque conturbado e absurdo foi todo o processo de avaliação.
Não se trata, caro Mário Nogueira, de remover mágoas do passado, mas antes de repor a justiça e a decência nas escolas.
Apelidar a exigência de reposição da justiça e da seriedade nas escolas de “radicalismo”, “revanchismo” ou “caça às bruxas”, como alguns vêm fazendo (que não o Mário Nogueira, para que fique claro), dá bem nota da confusão que muitos persistem em fazer entre legalidade e moralidade. Foi pena que aquando do ataque aos direitos adquiridos dos professores (como resultante do miserável concurso para professores titulares), este legalismo farisaico tivesse tirado férias.

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Registos do fim-de-semana

Sócrates mentiu ao Parlamento sobre a TVI

Há também conversas com Vara sobre financiamento do PS

TC diz que houve violações flagrantes à lei nos contratos das auto-estradas

Enriquecimento ilícito põe PS contra todos
Sol (13/11/09)

Juízes da Relação envolvidos nas suspeitas do processo Face Oculta

Caso Freeport. PGR admite acabar inquérito até Janeiro

PS admite viabilizar projecto do PSD que deixa cair suspensão da avaliação de docentes

Câncio e Comissão de Jornalistas divergem sobre expressão «namorada de José Sócrates»
Público (14/11/09)

Somam-se os casos polémicos em torno de José Sócrates. Até quando?

PGR quer divulgar escutas

Moura Guedes pede para ouvir tudo

Sócrates pede a Chavez que se porte bem

Ex-sócio de Sócrates deu mala de dinheiro a Preto

Braço-direito de Sócrates na Anacom

Europa pede devolução de €70 milhões

Mudar tudo sem falar em suspensão [da avaliação]

«Vou persegui-lo toda a vida»
— Mãe de aluno abusado não se conforma com a sentença contra professor pedófilo. Reintegração de condenados cria insegurança —

Taxa de reincidência dos pedófilos chega aos 80%

Mais de metade não quer vacinar-se [Gripe A]

CGTP tenta esvaziar conferência sindical

Tribunal valida escutas ao escritório de Júdice

Provedor arrasa Câmara de Lisboa por ilegalidades no prédio da Cofina
Expresso (14/11/09)

Acordo entre PS e PSD. Avaliação dos professores vai avançar

Juízes contra Sócrates:«Objectivo é riscar o poder judicial do Estado de direito»

PS ataca magistrados:«Escutas são espionagem política»

i (14/11/09)

Partidos têm cada vez mais dinheiro e menos fiscalização

Governo reactiva Brigada de Trânsito

Dez mil interrupções da gravidez no primeiro semestre
Público (15/11/09)

domingo, 15 de novembro de 2009

Uma caricatura de País

Neste momento, Portugal não é um País, é uma caricatura de País, mas é uma caricatura rasca, uma caricatura feita sem engenho nem arte. Uma caricatura desprezível, que horroriza quem olha para ela.
Neste momento, somos um País que tem um Presidente da República, primeira figura do Estado, sem credibilidade, que se envolveu numa inacreditável e rocambolesca história de escutas/espionagem e que, de seguida, se cobriu de ridículo com uma infantil comunicação ao país a explicar o que não tinha explicação. Mostrou um nível de irresponsabilidade que, em nenhuma circunstância, um chefe de Estado pode revelar.
Neste momento, somos um País que tem um Presidente da Assembleia da República, segunda figura do Estado, que é capaz de tecer, em cerimónia pública, os mais rasgados elogios a quem há algum tempo tinha apelidado de Bokassa português. Sem pudor nem dignidade, não só irresponsavelmente se desdisse como mostrou não ter o mínimo de rebuço em enaltecer uma das personagens que, em Portugal, mais desprestigia a política e os políticos: o presidente do Governo Regional da Madeira.
Neste momento, somos um País que tem um primeiro-ministro, terceira figura do Estado, permanentemente envolvido em histórias mal contadas, em investigações, em suspeições e em mil e uma trapalhadas, que vão do «chico-espertismo» às suspeitas de corrupção ou tráfico de influências. Que exemplo ao País pode dar este primeiro-ministro? Que confiança ao País pode ele transmitir? Que credibilidade pode ele ter junto dos seus concidadãos?
Neste momento, somos um País que tem um presidente do Supremo Tribunal de Justiça e um Procurador-Geral da República a serem protagonistas de inimagináveis comportamentos e declarações públicas. Duas altas figuras da hierarquia do Estado discutem através dos órgãos de comunicação social e prestam informações, acerca de assuntos da maior importância e gravidade, com a mais inconcebível ligeireza. A isto junta-se o espectáculo de ouvirmos dezenas de interpretações díspares, feitas por pretensos especialistas, acerca de uma lei que todos eles afirmam ser objectiva, clara e não susceptível de interpretações. A Justiça portuguesa é uma vergonha inenarrável.
Neste momento, temos mais um partido político, o PSD, que decidiu juntar-se ao pântano político em que o PS há muito lavra. Como as baratas tontas, que não sabem que fazer nem por onde ir, dizem hoje uma coisa, para dias depois dizerem o seu contrário. Num dia, proclamam, em voz sonante e em postura decidida, a defesa da suspensão do actual modelo de avaliação docente; decorrida uma semana, sem aparente remorso nem vergonha, afirmam que já não faz sentido essa mesma suspensão. Irresponsáveis, medíocres ou mentirosos não sei qual dos qualificativos melhor se aplica a quem assim se comporta na política.
Olho para o País onde nasci e só posso sentir uma enorme repugnância pelo que vejo.

Pensamentos de domingo

«A glória dos homens deve ser medida sempre pelos meios de que se serviram para a conquistar.»

«Há desvarios que se pegam como doenças contagiosas.»

«O que faz com que não nos entreguemos completamente a um só vício é o facto de termos vários.»
François de La Rochefoucauld, Máximas e Reflexões Morais, Edições Sílabo.

Bill Evans

sábado, 14 de novembro de 2009

Ao sábado: momento quase filosófico

Acerca do Existencialismo (3)
«Heidegger foi ao ponto de dizer que a existência humana é ser-condescendente-com-a-morte. Para viver autenticamente, temos de encarar de frente o facto da nossa própria mortalidade e assumir a responsabilidade por viver vidas importantes à sombra da morte. Não devemos tentar escapar à ansiedade pessoal e à responsabilidade pessoal negando o facto da morte. [...]
Para Heidegger, não é apenas uma questão de ser mais corajoso viver à sombra da morte; é que o único meio autêntico de viver, porque a nossa vez pode surgir a qualquer momento
Pintor: Estou a vender bem?
Proprietário da galeria: Bem, há uma notícia boa e uma notícia má. Um homem veio perguntar-me se eras um pintor cuja obra se valorizaria depois de morreres. Quando eu lhe disse que estava convencido que sim, ele comprou tudo o que tinhas na galeria.
Pintor: Uau! Isso é fantástico! E qual é a má notícia?
Proprietário da galeria: Foi o teu médico.
Todavia, de vez em quando ouvimos uma história acerca da morte que se atreve a olhar para a angústia existencial suprema de frente e a rir-se dela. Gilda Radner teve a coragem de contar esta diante de um público ao vivo, depois de lhe ser diagnosticado um cancro em fase terminal.
Uma mulher com cancro vai a uma consulta com o seu oncologista, que lhe diz:
- Bem, infelizmente, chegámos ao fim da linha. A senhora tem apenas oito horas de vida. Vá para casa e aproveite ao máximo.
A mulher vai para casa, dá a notícia ao marido e diz:
- Querido, vamos fazer amor a noite inteira.
E o marido diz:
- Sabes como por vezes te apetece fazer sexo e outras vezes não te apetece? Bem, esta noite não me apetece.
- Por favor - implora a mulher. - É o meu último desejo, querido.
- Mas não me apetece - replica o marido.
- Imploro-te, querido!
- Escuta - diz o marido. - É muito fácil para ti dizeres isso. Não tens de te levantar de manhã.»
Thomas Cathcart e Daniel Klein, Platão e um Ornitorrinco Entram num Bar..., pp. 152-154.

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Há razões para boa disposição?

Antes de tomar posse do cargo de ministra da Educação, o que Isabel Alçada tinha de politicamente relevante no seu currículo eram duas coisas:
- ter apoiado e elogiado publicamente o mandato de Maria de Lurdes Rodrigues;
- ter aceitado ser ministra de José Sócrates.
Partindo do pressuposto de que ambos os comportamentos foram voluntários e não fruto de qualquer constrangimento ou interesse pessoal, a avaliação política de Isabel Alçada só pode ser má.
Ter apoiado, por livre e maturada decisão, aquela que considero ter sido a pior ministra(o) da Educação, desde o 25 de Abril, e ter aceitado trabalhar debaixo das orientações do primeiro-ministro mais arrogante, mais demagogo e menos qualificado para o cargo (para não falar nas trapalhadas em que permanentemente está envolvido), desde que temos, nesta República, governos constitucionais, são sinais de que não podem existir grandes expectativas relativamente ao seu desempenho.
Depois de tomar posse do cargo de ministra da Educação, o que já fez, objectivamente, Isabel Alçada?
Apenas, e também, duas coisas: decidiu (sem a oposição dos sindicatos, conforme ontem teve o cuidado de enfatizar) que este modelo de avaliação é para continuar até ao fim do seu primeiro ciclo; e prometeu diálogo e alterações.
Estas duas coisas são positivas? A primeira é uma decisão péssima, porque significa conivência objectiva com a institucionalização da monstruosa incompetência e da absoluta arbitrariedade do actual sistema de avaliação; e a segunda é uma decisão meramente formal, vazia de conteúdo. Que alterações vão ser feitas? Ninguém sabe. Que ideias há para o futuro? Ainda não disse.
A entrevista de ontem esclareceu alguma coisa? Não esclareceu nada, apenas reafirmou o que já se sabia. Para além disto e do sorriso permanente, nada de substantivo foi dito pela ministra, nem sequer em matéria específica de Educação. Houve mesmo momentos confrangedores em que a afirmações titubeantes se seguiram afirmações do mais básico senso comum.
E a única medida concreta que foi anunciada — o estabelecimento de metas por ano de ensino —, nos termos em que foi feita e explicada, deixa-nos de boca aberta. Então, já não são as metas do ciclo de estudo que interessam? Já não se dá a possibilidade de um aluno recuperar num ano posterior aquilo que no ano anterior não obteve, desde que dentro do mesmo ciclo de estudos — teoria até agora tão acarinhada pelos políticos e pelos especialistas que dominam o Ministério da Educação? Ou voltamos à pedagogia por objectivos, mas numa versão light? E como se compatibilizam essas metas por ano de ensino com as não reprovações, de que a ministra se mostrou fã?
Ou seja, na única coisa em que desceu ao concreto, o resultado foi, no mínimo, confuso e decepcionante.
Conclusão de tudo isto: depois de um dia inteiro de negociações e depois de uma «Grande Entrevista» ficámos a saber o que não queríamos saber e acerca do que queríamos saber ainda nada sabemos.
Porquê, então, tanta boa disposição para com a senhora?

Fragmenti veneris diei

Se o sonhos não têm cor, então não havia cor. Mas a terra seria vermelha, se não se tratasse de um sonho. Alguém corria pela estrada e levantava uma pequena nuvem de pó que ia pousando muito suavemente sobre as ervas de um campo. Um sonho é mudo. Se não fosse mudo, também não faria diferença, porque não havia som. Só o ruído do interior da terra, se houvesse esse ruído e se não se confundisse com o som de três pianos descendo sobre o horizonte recortado num céu pintado de aguarela. Uma mulher jovem corre pela estrada, afastando-se, correndo na direcção das árvores que estão lá ao fundo. Como é uma araucária? Como é um castanheiro-da-índia? Como é uma estrada de terra vermelha num sonho que não tem cor? Como é o ruído de um sonho mudo? A mulher, uma mulher jovem vestida de amarelo, corre e deixa de se ver sobre a superfície de terra vermelha e, então, começa uma trovoada de Verão, e chove, chove muito e o céu deixa de parecer um desenho de aguarela, e o sonho deixa de ser sonho. Ele acorda, tem gotas de suor caindo sobre o rosto, ouve um ruído de passos, mas é apenas o rumor dos ramos das árvores que cobrem tudo à sua volta.»
Francisco José Viegas, O Mar em Casablanca, p. 154.

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Posição da APEDE sobre os resultados das negociações

No essencial, a APEDE subscreve e aplaude o texto dos nossos colegas e amigos do PROmova, ao qual pouco temos a acrescentar. Parece-nos, de facto, que anda a ser cozinhado um caldo de “simpatia”, com trocas de beijos e outras delicadezas, as quais podem alindar as manchetes dos jornais mas pouco se traduzem em conquistas práticas e reais para os professores.


No meio de tanto “ternura”, a ministra continua a insistir na manutenção do presente ciclo de avaliação com as regras em vigor, recusando a evidência da necessidade de suspender o modelo actual. E até surgem vozes deleitando-se demagogicamente com floreados que visam remover o conceito de «suspensão», colocando em seu lugar o de «substituição». Sabemos o que isto significa: o modelo de avaliação até poderia vir a ser «substituído», talvez para as calendas gregas de uma negociação arrastada sem horizonte definido, enquanto o actual modelo continuaria a impor aos professores o seu cortejo de farsas, de iniquidades e de absurdos.

Para quem ache esta previsão demasiado pessimista, recordamos já ter havido, num passado recente e de má memória, episódios lamentáveis capazes de inspirar os piores prognósticos…

Ora, aqui há que dizer, de forma muito nítida: da parte dos sindicatos, os professores desejam mais do que o deslumbramento de “aberturas ao diálogo” tão ambíguas quanto inócuas. Os professores querem a firmeza e a coerência necessárias para se exigir do Ministério da Educação uma celeridade de decisão à altura da urgência. Porque os professores não podem esperar mais. E o que está agora, em cima da mesa, é a exigência de uma suspensão imediata do modelo de avaliação. Isso implica muito claramente:

a) Anular os efeitos das classificações superiores a «Bom», atendendo a que a sua atribuição decorreu de um modelo que constitui um insulto a qualquer ideia de rigor e de equidade, não oferecendo, portanto, a menor garantia de que o mérito docente tenha sido devidamente aferido.

b) Não penalizar os professores que se recusaram a participar na farsa, e cuja recusa se consubstanciou na não entrega dos Objectivos Individuais, nalguns casos assumindo mesmo não entregar qualquer relatório de auto-avaliação, por se entender que uma luta coerente contra um modelo injusto assim o impunha. Como os colegas do PROmova sublinham no seu comunicado, os professores que actuaram dessa maneira deram um contributo fundamental para o combate, foram um farol de coragem e de determinação, e, se este modelo vier a ser derrubado no prazo mais próximo, muito se lhes deve. Seria, pois, totalmente inaceitável ver esses professores penalizados.

Por tudo isto, a APEDE também espera dos sindicatos uma sintonia com a actuação dos partidos da oposição, sabendo-se que estes estão dispostos a aprovar na Assembleia da República, e em uníssono, todas as propostas parlamentares no sentido da suspensão imediata do modelo de avaliação. Daqui terá de sair uma consequência prática, exactamente aquela que a ministra diz recusar.

Na perspectiva do futuro próximo, aceitamos que um novo modelo de avaliação tenha de ser objecto de negociação. Como aceitamos que um ECD, consagrando uma carreira docente única, sem divisões ou fracturas espúrias, tenha também de ser negociado (nos detalhes, que não nos princípios de justiça que o devem nortear). E se nessa negociação os sindicatos têm uma palavra fundamental, também os partidos da oposição podem fornecer um contributo imprescindível. Pois a Assembleia da República é agora um órgão com um poder reforçado, cuja dignidade em matéria legislativa importa reafirmar.

Da conjugação destes contributos, sindicais e parlamentares, poderá resultar aquilo que os professores desejam e de que a Escola Pública tanto precisa: a rápida reposição, já durante o corrente ano lectivo, dos princípios da mais elementar justiça na estrutura da carreira docente, na organização dos concursos de colocação de professores, na avaliação do desempenho, no tratamento dos professores contratados, no estatuto do aluno, etc.

Parece muito, mas não é. Basta um punhado de leis bem feitas.

O muito vem depois, e também urge: fazer das escolas portuguesas espaços de excelência educativa e de coesão social.

Quinta da Clássica - Franz Schubert

Posição do PROmova sobre os resultados das negociações

Os resultados da ronda negocial entre a ministra da Educação e os sindicatos foram decepcionantes e vêm provar que as mudanças exigidas pelos professores terão que vir a ser concretizadas na Assembleia da República, em função do consenso que foi possível estabelecer entre todos os partidos da oposição.
Os professores não estão mais disponíveis para assistirem a uma segunda versão do arrastamento de negociações, à semelhança do que ocorreu entre os meses de Janeiro a Maio, e que não resolveu nenhuma das reivindicações centrais dos professores.
Do ponto de vista do PROmova, os sindicatos não se podem deixar anestesiar por meras promessas de diálogo e de mudanças em abstracto, sem garantirem da parte do ME o compromisso de pôr fim à divisão na carreira e à suspensão deste modelo de avaliação e de todos os seus efeitos. E isto, desculpem-nos a franqueza, não aconteceu de todo.
Convém ter presente que o fim da contestação e o retomar da tranquilidade nas escolas apenas advirão da efectivação das seguintes medidas:
1) eliminação incondicional da divisão na carreira;
2) suspensão deste modelo de avaliação e dos seus efeitos, o que significa anular as avaliações atribuídas, tendo em conta o contexto de contestação e de descrédito em que foram obtidas, e não penalizar aqueles que, em nome da rejeição de medidas absurdas, decidiram não participar nesta avaliação. Seria cínico e injusto penalizar aqueles que pela sua determinação e coerência construíram as condições para a substituição de um modelo desajustado, injusto e destabilizador da escola pública, como a própria ministra reconhece.
Sendo também estas as reivindicações da FENPROF e da FNE, não compreendemos o regozijo destas estruturas sindicais com a postura da ministra da Educação, que se limitou a reafirmar a não suspensão do modelo e dos seus efeitos e a agendar novas reuniões. Tirando a simpatia da ministra e a retórica do diálogo, em que é que este filme difere substantivamente dos anteriores?
O PROmova lembra a Isabel Alçada que a "turbulência" nas escolas foi desencadeada tão-só pela postura de hostilização da anterior equipa ministerial e de Sócrates, assim como pelas medidas incompetentes e injustas que procuraram implementar "à bomba" (divisão na carreira e modelo de avaliação aberrante), da mesma forma que recorda a José Sócrates que "irresponsabilidade" é prosseguir e consolidar uma avaliação destituída de competência e de seriedade que, no essencial, se traduziu numa farsa e num simulacro de avaliação. O primeiro dever da responsabilidade é a seriedade e a equidade, valores que estão comprometidos na forma atabalhoada e casuística como a mesma foi implementada (com professores a serem avaliados numa escola sem terem procedido à entrega dos objectivos individuais e/ou da FAA e a não o serem em outra escola que dista da primeira escassos 1000 metros).
Resta aos professores que os partidos da oposição actuem em convergência na Assembleia da República e suspendam o modelo de avaliação e revoguem a parte do ECD relativa à divisão na carreira.

PROmova,
PROFESSORES - Movimento de Valorização

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Curiosidades de um dia de negociações

Terminada a primeira ronda negocial, o que é que temos? Pelas declarações dos sindicatos e da ministra, parece-me que a síntese é esta.
Do lado da ministra:
1. O 1º ciclo da avaliação é para levar até ao fim, não vai ser suspenso.
2. As classificações resultantes desse ciclo são para manter integralmente e com as consequências previstas na actual lei.
Do lado dos sindicatos foi obtida a garantia de que:
1. Vai ser elaborado pelo ME um calendário de negociações sobre o ECD (que talvez seja apresentado aos sindicatos para a semana. Talvez...).
2. Há a prometida abertura, por parte do ME, para a discussão do ECD e, decorrentemente, de um novo modelo de avaliação.
E parece-me que não há mais nada de substantivo a assinalar. Há uma diferença na forma do discurso por parte da nova ministra, mais cordata, mais simpática. Mas nada disto é substantivo.
Uma mão cheia de certezas: não há suspensão, a vergonhosa avaliação em curso é para ser concluída. E uma mão cheia de promessas de debate.
Curiosamente, os sindicatos não se mostraram preocupados nem críticos em relação a nada disto.
Curiosamente, são os partidos na Assembleia da República que continuam a falar em suspensão do actual modelo (pelo menos, o CDS e o BE voltaram a reafirmá-lo, não sei se o PSD e PCP também o fizeram).
Curiosamente, são os partidos que dizem ser inaceitável que classificações de Muito Bom e Excelente obtidas num período de três meses, sem avaliadores minimamente preparados e com escolas a utilizarem critérios diferentes na atribuição das classificações possam ser aceites como credíveis e que possam ter consequências, quer na progressão da carreira, quer nos concursos.
Curiosamente, são os partidos que dizem isto.
Curiosamente, deixei de ouvir os sindicatos dizerem-no.