«Em 1999, a compra de um apartamento para a família do então ministro do Ambiente e do Ordenamento do Território gerou muita curiosidade, desde logo por estar situado num prédio de luxo "Heron Castilho" —, no centro de Lisboa. O interesse de alguns jornalistas, sobretudo os mais bem informados, não era alheio ao facto da aquisição coincidir temporalmente com o concurso da Cova da Beira. Naquela altura, e antes do desenvolvimento da investigação judicial, a equação era simples: a suspeita de pagamento de 'luvas' pode estar relacionada com a compra de uma casa através de um paraíso offshore? [...]
Hoje, muita dessa informação recolhida permite reconstruir o cenário das trapalhadas: o envolvimento do nome de José Sócrates num negócio com capitais públicos que gerou fortes suspeitas; a entrada de um deputado no mundo empresarial; a tentativa falhada de modificar uma decisão autárquica na sombra dos corredores; e a compra de um espaço num dos edifícios mais badalados de Lisboa. [...]
Os factos divulgados e os testemunhos recolhidos, desde 1999, e não obstante o tempo passado — mais uma vez! — a verdade é que o negócio da "Heron Castilho" continua a tresandar a esturro. [...]
Desde logo, importa salientar que não está esclarecida a coincidência da compra de um apartamento para José Sócrates e outro para a sua mãe, Maria Adelaide Monteiro, no mesmo prédio e no mesmo ano. Terá sido um acaso? Foi uma precipitação imposta pela separação, em curso, com Sofia Costa Pinto Fava, com quem casou em 1992? Foi uma forma de camuflar a primeira compra, a que consta do contrato promessa de compra e venda do T2, da rua Braancamp, em Lisboa, que José Sócrates assinou com a "Heron International", em 7 de Março de 1996? [...]
No âmbito das duas aquisições, de referir também que ambas as escrituras foram assinadas em 1998, ou seja muito tempo depois da celebração do inicial contrato promessa de compra e venda. [...] A única diferença — será mesmo uma diferença? — é que o apartamento da mãe de José Sócrates foi fechado com a "Stolberg", sociedade offshore com sede nas Ilhas Virgens Britânicas, cujo passado impressiona. [...]
O preço é outra das grandes incógnitas. Sobretudo, o relativo ao 3º A, com 183 metros quadrados. Será que foi uma troca de favores? Um negócio de oportunidade? Fuga aos impostos? As declarações públicas de José Sócrates, muito tempo depois, em 2009, não deixam quaisquer dúvidas: foi um excelente negócio. É crime? Claro que não. Mas há uma enorme diferença entre um bom negócio de um cidadão e de um governante. No primeiro caso, é normal; no segundo, gera sempre curiosidade adicional. Eis uma equação que o "homem" e o "líder" não aceitam, apesar de no mesmo prédio, outra fracção, com menor área, ter custado mais do que a casa de José Sócrates. [...] Como se pode compreender que a casa [de Sócrates] tenha custado 235 mil euros (47 mil contos), enquanto a [outra] tenha ficado por 351 mil euros [70,2 mil contos)?
[...] As dúvidas [sobre a casa da mãe] também surgiram em catadupa, pois a casa foi comprada por um preço que permite dizer que a entidade vendedora — "Stolberg" — perdeu trinta mil euros entre a compra da casa, em 10 de Janeiro de 1995, e a venda, 12 de Maio de 1998.
Muito mais se poderia dizer sobre os preços praticados e os preços obtidos pela família do primeiro-ministro. Só para se ter uma ideia, cheguei a falar com um interessado que, no início dos anos 90, afirma terem pedido 625 mil euros (125 mil contos) por um T3 semelhante ao da mãe de Sócrates.
A questão do preço foi rapidamente ultrapassada pela necessidade de se conhecer a origem do dinheiro, matéria mais dificultada por se tratar de negócios que envolveram praças offshore. No entanto, e depois de tantos anos passados, a dúvida permanece instalada. Tal e qual como em relação ao "Caso da Cova da Beira". A investigação do "Caso Freeport" será assim a última oportunidade da justiça para afastar quaisquer dúvidas sobre a forma como conduziu, ou não, algumas averiguações que envolveram — e envolvem! — o nome de José Sócrates.»
Hoje, muita dessa informação recolhida permite reconstruir o cenário das trapalhadas: o envolvimento do nome de José Sócrates num negócio com capitais públicos que gerou fortes suspeitas; a entrada de um deputado no mundo empresarial; a tentativa falhada de modificar uma decisão autárquica na sombra dos corredores; e a compra de um espaço num dos edifícios mais badalados de Lisboa. [...]
Os factos divulgados e os testemunhos recolhidos, desde 1999, e não obstante o tempo passado — mais uma vez! — a verdade é que o negócio da "Heron Castilho" continua a tresandar a esturro. [...]
Desde logo, importa salientar que não está esclarecida a coincidência da compra de um apartamento para José Sócrates e outro para a sua mãe, Maria Adelaide Monteiro, no mesmo prédio e no mesmo ano. Terá sido um acaso? Foi uma precipitação imposta pela separação, em curso, com Sofia Costa Pinto Fava, com quem casou em 1992? Foi uma forma de camuflar a primeira compra, a que consta do contrato promessa de compra e venda do T2, da rua Braancamp, em Lisboa, que José Sócrates assinou com a "Heron International", em 7 de Março de 1996? [...]
No âmbito das duas aquisições, de referir também que ambas as escrituras foram assinadas em 1998, ou seja muito tempo depois da celebração do inicial contrato promessa de compra e venda. [...] A única diferença — será mesmo uma diferença? — é que o apartamento da mãe de José Sócrates foi fechado com a "Stolberg", sociedade offshore com sede nas Ilhas Virgens Britânicas, cujo passado impressiona. [...]
O preço é outra das grandes incógnitas. Sobretudo, o relativo ao 3º A, com 183 metros quadrados. Será que foi uma troca de favores? Um negócio de oportunidade? Fuga aos impostos? As declarações públicas de José Sócrates, muito tempo depois, em 2009, não deixam quaisquer dúvidas: foi um excelente negócio. É crime? Claro que não. Mas há uma enorme diferença entre um bom negócio de um cidadão e de um governante. No primeiro caso, é normal; no segundo, gera sempre curiosidade adicional. Eis uma equação que o "homem" e o "líder" não aceitam, apesar de no mesmo prédio, outra fracção, com menor área, ter custado mais do que a casa de José Sócrates. [...] Como se pode compreender que a casa [de Sócrates] tenha custado 235 mil euros (47 mil contos), enquanto a [outra] tenha ficado por 351 mil euros [70,2 mil contos)?
[...] As dúvidas [sobre a casa da mãe] também surgiram em catadupa, pois a casa foi comprada por um preço que permite dizer que a entidade vendedora — "Stolberg" — perdeu trinta mil euros entre a compra da casa, em 10 de Janeiro de 1995, e a venda, 12 de Maio de 1998.
Muito mais se poderia dizer sobre os preços praticados e os preços obtidos pela família do primeiro-ministro. Só para se ter uma ideia, cheguei a falar com um interessado que, no início dos anos 90, afirma terem pedido 625 mil euros (125 mil contos) por um T3 semelhante ao da mãe de Sócrates.
A questão do preço foi rapidamente ultrapassada pela necessidade de se conhecer a origem do dinheiro, matéria mais dificultada por se tratar de negócios que envolveram praças offshore. No entanto, e depois de tantos anos passados, a dúvida permanece instalada. Tal e qual como em relação ao "Caso da Cova da Beira". A investigação do "Caso Freeport" será assim a última oportunidade da justiça para afastar quaisquer dúvidas sobre a forma como conduziu, ou não, algumas averiguações que envolveram — e envolvem! — o nome de José Sócrates.»
Rui Costa Pinto, José Sócrates - o Homem e o Líder, Exclusivo Edições, pp. 54-57.