quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

A «futrização» de Portugal

O fenómeno da «futrização» é sintomático do país em que nos estamos a tornar. Este fenómeno, cujo designação também poderia ser feita a partir de outros nomes de futebolistas ou de ex-futebolistas, consiste em eleger como opinion maker nacional qualquer indivíduo que tenha revelado ser jeitoso a dar  chutos numa bola.
A propósito dos mais díspares assuntos, são convocados para opinar indivíduos cuja qualificação consiste exclusivamente em terem feito fintas com uma bola e em a terem enfiado umas tantas vezes na baliza. Se o assunto fosse futebol, ainda poder-se-ia tolerar esta recorrente chamada à «opinação», agora quando os assuntos são política, economia, justiça ou educação não se compreende que se considere especialmente pertinente ir ouvir o que o Futre, ou o Figo, ou o Cristiano, ou qualquer outro indivíduo que apenas revele talento no uso dos pés, têm para dizer. Estes rapazes cumpriram ou estão a cumprir a sua vocação de fazer maravilhas com uma bola e uma chuteiras (e eu até lhes agradeço por isso); estes rapazes são especialistas de uma arte que: a eles dá prazer realizar; a nós dá prazer assistir; a eles dá uma pipa de massa; a nós sai cara como o caraças; mas ponto final, não os convidem para mais nada, muito menos para falar sobre os problemas da nação e do mundo. Se algum destes rapazes alia ao talento que tem nos pés idêntico talento neurológico, óptimo, mas quando assim não é (e raramente é), por favor, poupem-nos de termos de os ouvir a opinar sobre tudo e mais alguma coisa. Já nos chegou o tempo em que os Valentins, os Pinto da Costa, os Vieiras e outros do mesmo género preenchiam quase todos os minutos televisivos, agora não os substituam pelos Futres, pelos Figos ou pelos Cristianos.
Deixem os rapazes em paz, e a nós dêem-nos algum descanso. Crise mais «futrização» é que não.