«Antes de mais, uma constatação: o Ocidente sai da democracia. Da eleição de George W. Bush ao referendo europeu, da criação do delito de opinião à multiplicação das autoridades independentes, como a Halde, cuja missão é mudar o povo, uma vez que o povo não está conforme à ideia que têm os bem pensantes, a pós-democracia está em marcha. A evolução do Partido Socialista Francês, como a do debate político nos Estados Unidos, situa uma evolução que vai do projecto à emoção, das propostas à compaixão, da convicção à sedução. Atenção, pois, ao emprego de palavras que mais ninguém se preocupa em dar o seu sentido primitivo — a democracia foi revolucionária, a invocação da democracia permite às elites existentes proteger as suas poltronas e as suas rendas contra os desordeiros. Em nome da democracia, no seio da União Europeia, o delito de opinião e o dever de memória coexistem alegremente, a censura das ideias, do debate e dos dados é rigorosa, e aqui e ali floresceu a ideia que o perigo do sufrágio popular deveria conduzir à limitação do voto, ou a dispensá-lo. Peter Handke convida-nos a banir a noção de povo, Daniel Cohn-Bendit recusou o sufrágio universal, Pierre Rosanvallon foi além da equivalência ingénua entre a expressão de uma maioria e democracia, e as autoridades administrativas independentes florescem para obrigar o povo a evoluir contra a sua vontade e ditar-lhe o seu bem; em nome, sem dúvida, de uma democracia superior. Por que razão ir votar, quando o resultado do voto não tem de maneira nenhuma qualquer importância? Os media pouco têm a ver com uma saída da democracia que deve tudo à nova heteronomia que os mercados financeiros e o individualismo absoluto que convocam instauram.»
Hervé Juvin
Gilles Lipovetsky, Hervé Juvin, O Mundo Ocidentalizado, Edições 70.