A correta consulta pública implica uma discussão alargada envolvendo todos os profissionais que trabalham na escola, além de outros agentes sociais. Por isso, condenamos o modo como o processo foi conduzido - teria sido pertinente a promoção de um dia de reflexão, um dia D, para que todos os intervenientes nas escolas se pronunciassem, num processo de baixo para cima, sobre quais devem ser os objectivos de uma escola pública de qualidade e assim construir um projecto de Reforma Curricular.
Ainda assim, não nos furtamos às nossas responsabilidades de participação no exíguo espaço criado para o efeito. A proposta de revisão curricular que agora se encontra em consulta pública, com as alterações que prevê no currículo dos ensinos básico e secundário, vem empobrecer a escola pública, amputando disciplinas e áreas curriculares importantes para o desenvolvimento dos alunos.
Em defesa do ensino com qualidade para todos/as alunos/as, defendemos a redução do número máximo de alunos por turma (tal como vem proposto na petição que reuniu quase 20 mil assinaturas e que foi debatida no parlamento). Turmas mais pequenas permitem o ensino mais centrado no aluno, ou seja, a diferenciação e individualização do processo de ensino-aprendizagem, podendo o professor dispor de mais tempo para suprir as dificuldades de cada aluno. Lamentamos que esta proposta seja sistematicamente rejeitada pelos sucessivos governos apoiados nas mais incríveis explicações sobre a pretensa inutilidade desta medida.
Lamentamos também que esta proposta de revisão curricular seja feita contra certas áreas do saber e a favor de outras. É a negação da importância da formação global, menorizando as artes e a experimentação. É uma espécie de currículo “NÃO MEXAS AÍ”: reduz a experimentação, elimina as disciplinas de artes e expressões, promove um recuo nas capacidades e competências que a escola oferece aos seus jovens, reduz o saber fazer criativamente, remete a escola para o tempo do livro-manual e do professor transmissor de conhecimentos. O problema é que não basta ser capaz de assimilar e reproduzir a informação transmitida, é preciso aprender a saber transformá-la em conhecimento e capacidades. São necessários outros saberes na escola, porque a vida real exige muito mais.
O desenvolvimento da literacia cidadã exige que se promova a democracia nas escolas, que nestas se crie espaço para outras áreas, disciplinares ou não, onde exista a oportunidade de promover uma real igualdade entre os indivíduos. Assim, defendemos a manutenção da disciplina de Formação Cívica, mas reformulada nos seus conteúdos e com um programa claramente orientado para os direitos e deveres dos cidadãos e para as suas formas de intervenção e ação sobre o espaço público. Aqui urge conhecer o funcionamento das instituições democráticas e os princípios constitucionais em vigor em Portugal, bem como sublinhar os aspectos ético-políticos da intervenção individual e coletiva.
E porque a cidadania não só se aprende ouvindo mas também experimentando, defendemos a promoção de espaços de debate, através do funcionamento regular de assembleias de alunos, implementadas no espaço da direção de turma e com tempo definido no horário.
Por outro lado, urge também preparar os jovens, de forma séria e empenhada, para a prevenção de comportamentos de risco e para o debate dos temas que não podem ficar fora da escola. Assim, propomos a criação da disciplina de Educação para a Saúde, que deverá incluir no seu programa a tão necessária Educação Sexual (que por agora continua a depender do empenho de cada Diretor de Turma, com algumas horas anuais distribuídas com pouco critério sobre as várias disciplinas). Mas também sugerimos a introdução de outros saberes na escola importantes para o ganho de autonomia dos alunos, como a culinária ou a segurança rodoviária.
O objectivo de uma escola de qualidade é o sucesso de todos os seus alunos e este só será real e generalizado se forem adoptadas medidas concretas que promovam realmente a igualdade de oportunidades e a inclusão de todos os alunos, combatendo assim o abandono escolar. Consideramos que as retenções têm contribuído de uma forma decisiva para esta situação. Para acabar com elas, propomos a criação de equipas multidisciplinares nas escolas e o apoio escolar diferenciado em pequenos grupos de trabalho, previstas nos horários dos professores, dedicadas a estratégias que visem a recuperação dos alunos.
Uma das formas de garantir tempos nos horários dos professores para aquilo que importa é a eliminação ou reformulação radical do atual sistema de aulas de substituição, que na maior parte dos casos se tem revelado uma verdadeira perda de tempo para professores e alunos.
A escola pública de qualidade deve promover a aquisição de conhecimentos fundamentais por todos os alunos e tememos que a introdução de exames nos diferentes ciclos de ensino agrave o insucesso e abandono escolar. É perigosa a crença de que os exames são a verdadeira medida da qualidade das aprendizagens e que permitem avaliar com rigor os conhecimentos, identificar falhas e apontar soluções para a sua superação. Os exames excluem mais do que incluem, a meritocracia promove o individualismo e transforma as Escolas em fábricas de bons respondedores.
O percurso educativo do aluno deve fazer parte do projecto de vida do mesmo. Assim, a diferenciação curricular entre o curso geral e o profissional não deve ser apresentada como uma solução da escola para artificialmente reduzir o abandono e corrigir os números do insucesso. Existem experiências positivas da implementação dos cursos profissionais, que se tornaram verdadeiras alternativas no prosseguimento de estudos, formando os alunos para o mercado de trabalho, tornando-os competentes numa determinada área profissional. Estas experiências demonstram que o sucesso depende da integração deste percurso no projecto de vida do aluno e por isso não devem ser anteriores à conclusão da escolaridade obrigatória. Por este motivo consideramos que via profissionalizante deve ser uma oferta formativa do ensino secundário, e não admitimos esta diferenciação curricular nos níveis anteriores de ensino. Por outro lado, o tronco comum do currículo global e regular, até ao 12º ano, deve incluir saberes práticos e profissionais tanto quanto saberes teóricos ou académicos, permitindo ao aluno maior leque de escolha ao nível das disciplinas de opção.
A qualidade das condições de trabalho dos profissionais não pode ser ignorada. Sendo fundamental a valorização salarial e das carreiras, também é indispensável a promoção do trabalho colaborativo dos professores, e dos meios e condições para que este se realize com proveito. É preciso tempo para encontros, partilha de experiências e até elaboração de estratégias e recursos comuns (seja ao nível de grupo disciplinar ou até inter-departamental). Este tempo deve ser considerado nos horários de trabalho dos professores e na forma como são geridos semanal e anualmente em cada escola/agrupamento.
MEP - Movimento Escola Pública