sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Apontamentos sobre um desastroso modelo de gestão -9

Depois de ter deixado algumas notas sobre os órgãos conselho geral e director, deixo agora alguns apontamentos sobre o órgão conselho pedagógico.

1. Até Sócrates e Rodrigues, o conselho pedagógico era constituído, maioritariamente ou na totalidade, por professores eleitos pelos pares (ex.: delegados de grupo/coordenadores de departamento, coordenadores de directores de turma). A partir de Sócrates e de Rodrigues, os membros do conselho pedagógico passaram a ser todos nomeados pelo director. Até Sócrates e Rodrigues, os conselheiros pedagógicos representavam quem os elegia e, deste modo, eram legítimos porta-vozes dos pareceres pedagógicos e científicos dos seus colegas. A partir de Sócrates e de Rodrigues, os membros do conselho pedagógico deixaram de representar quem quer que seja, pois não têm legitimidade para isso, e passaram a ser porta-vozes do director — precisamente aquele que não necessita de porta-voz, porque tem o poder de fazer chegar a sua voz onde e quando quiser. 
Esta alteração radical é ilustrativa. Mais uma vez, devido a um provinciano fascínio pelo modelo de gestão empresarial optou-se pela sua mimetização. As ideologias híbridas, que resultam de construções superficiais e de um desconexo amontoado de ideias — muitas vezes contraditórias entre si e isentas de escrutínio rigoroso —, produzem normalmente resultados desastrosos. 
A ideia de que um mandante rodeado de yes men constitui a forma mais eficaz de gerir uma escola revela uma noção absolutamente errada de escola e uma concepção autoritária de gestão. Pensar que uma empresa — que visa o lucro e está ao serviço de um patrão ou de um grupo de accionistas — e uma escola — que visa educar e está ao serviço de uma comunidade — se devem gerir do mesmo modo é empedernimento ideológico ou limitação intelectual.
Uma escola nada ganha em ter uma cadeia de comando rigidamente hierarquizada; nada ganha em afunilar, em restringir, o debate de ideias; nada ganha com a criação de mecanismos de esfriamento relacional; nada ganha se o seu desenvolvimento se fizer à imagem e semelhança de um só protagonista. 
Para o contínuo desenvolvimento da qualidade do ensino e das aprendizagens é fundamental que os professores se constituam e se sintam numa comunidade de trabalho, onde se cultive o trabalho de equipa e onde aqueles que assumem funções de coordenação o fazem por reconhecimento dos seus pares. O dinamismo e o bom ambiente de uma escola dependem em muito desta ecologia.
Com a mudança no processo de formação do conselho pedagógico não só se rompeu este proficiente equilíbrio como se criaram as condições para um significativo abaixamento do nível médio da sua composição. Actualmente, em muitas escolas, os conselhos pedagógicos são vistos como uma reunião de amigos do director que se juntam para dar cobertura aos seus desejos. O conselho pedagógico perdeu reconhecimento e consequentemente autoridade.

2. Até Sócrates e Rodrigues, existiam cerca de dezena e meia (dependia da escola) de grupos disciplinares representados no conselho pedagógico pelos respectivos delegados eleitos. Depois de Sócrates e Rodrigues, passaram a existir quatro departamentos — onde, do ponto de vista epistemológico, se amontoam grupos disciplinares e, do ponto de vista organizacional, se amontoam  professores —, cujos coordenadores são escolhidos pelo director.
Não conheço medida tão desastrada e tão mal fundamentada como esta. Não há justificação nem pedagógica nem científica nem organizacional para esta esdrúxula opção. Com isto, nada melhorou e tudo piorou.
Departamentos com quarenta, cinquenta ou sessenta professores pura e simplesmente não podem reunir. Não podem reunir porque não se fazem reuniões de trabalho pedagógico e/ou científico com sessenta professores e porque, em alguma escolas, nem sequer existem salas com as devidas condições para albergar tanta gente em reunião de trabalho. Na prática, resulta que, nas maiores escolas, os departamentos raramente ou nunca reúnem. Reúnem, sim, os grupos disciplinares, como acontecia antigamente. Isto significa que os departamentos não têm existência real, têm apenas existência nominal. Mas o caricato é que esta inexistência real tem direito a um coordenador, e esse coordenador tem assento no conselho pedagógico. Até hoje, ainda não se conseguiu perceber muito bem o que é que o coordenador de departamento coordena: cientificamente, nada pode coordenar, porque, para além do domínio restrito do seu grupo disciplinar, não tem competência para coordenar mais nada; pedagogicamente, também nada coordena porque, para além do departamento não ter condições para reunir, existe uma objectiva limitação na possibilidade dessa coordenação (é o caso de um professor de artes visuais pretender coordenar pedagogicamente os professores de educação física, ou o inverso); organizacionalmente, criou-se uma aberração: os grupos disciplinares continuam a trabalhar como trabalhavam antigamente, mas deixaram de se fazer ouvir no conselho pedagógico ou, se se fazem ouvir, é por interposta pessoa (o coordenador), que cientificamente é incompetente para o fazer e pedagogicamente não tem condições para realizar essa função. Acresce que, no meio desta barafunda, ainda teve de ser criada mais uma estrutura intermédia, em que o coordenador reúne (quando reúne) com os delegados de cada grupo disciplinar.
A criação dos quatro departamentos foi mais um exemplo da irresponsabilidade e da incompetência de Sócrates e de Rodrigues. Curiosamente, consta que o actual Governo vai dar continuidade a este cancro organizacional.

Continua na próxima semana.