sábado, 21 de janeiro de 2012

Ao sábado: momento quase filosófico

Um problema ontológico
«A história que se segue contava-se na Alemanha nos anos sessenta, nos meios frequentados por  magistrados. Mas deve ter uma origem mais antiga.
Um juiz foi passar férias a casa de um primo, que era lavrador. Ao terceiro dia, o juiz, invadido por um princípio de tédio e vendo o seu primo muito ocupado, propôs-se ajudá-lo.
— Que sabes fazer? — perguntou-lhe o lavrador.
O juiz reflectiu por momentos e não soube dar qualquer resposta satisfatória. O lavrador reflectiu por sua vez e encontrou um trabalho fácil. Levou o juiz a uma arrecadação cujo soalho estava inteiramente coberto de batatas acabadas de arrancar.
— Aqui tens o que vais fazer — disse ele. — Vais separar estas batatas em três categorias: grandes, pequenas e médias. Até logo.
O lavrador partiu e trabalhou todo o dia nos campos. Quando voltou, era quase noite, abriu a porta da arrecadação e viu que as batatas estavam exactamente como as tinha deixado de manhã. O juiz estava no meio da arrecadação com um ar abatido, o rosto coberto de suor, o cabelo em desalinho. Tinha na mão uma batata.
— Que se passou? — perguntou o lavrador.
O juiz estendeu-lhe a batata e perguntou-lhe com a voz alquebrada:
— Esta é grande, pequena ou média?»
In Jean-Claude Carrière, Tertúlia de Mentirosos, Teorema (adaptado).