sexta-feira, 17 de setembro de 2010

As exequíveis metas do Governo

Depois de ter ouvido a comunicação da ministra da Educação, dirigida ao país dos pequeninos, ouvi as metas definidas pelo Governo para o sucesso educativo, até ao ano 2015:
— menos 5,3% de retenções, no ensino secundário; menos 3,8%, no 3.º ciclo; menos 2,5%, no 2.º ciclo; e menos 1,4%, no 1.º ciclo;
— mais 4% de positivas nos resultados dos exames nacionais de Português e de Matemática, do 9.º ano;
— menos de 1% de abandono escolar aos 14 anos, menos de 2% aos 15 anos e menos de 4% aos 16 anos.
Seguidamente ouvi o presidente da Associação Nacional de Directores de Agrupamentos e de Escolas Públicas — o nome da associação é catita: comprido, como convém, enfadonho, burocrático; na linha, aliás, dos nomes dos nossos estabelecimentos de ensino (Escola Secundária Fulaninho de Tal, com 3.º ciclo do ensino básico; Escola Secundária com 3.º Ciclo do Ensino Básico de Vila Nova de Cima; Agrupamento de Escolas do Baixo Lever e Arrudas do Meio, e outras do género). Ouvida a ministra e o presidente da associação, ainda ouvi uma aparentemente dinâmica directora de uma mais que provável dinâmica escola.
Consonância total: «As metas são exequíveis» disse o presidente da associação; «As metas são alcançáveis e a senhora ministra nunca falou em facilitismos, portanto não será por essa via que lá chegaremos!» disse a dinâmica directora, no final da reunião dos directores com Isabel Alçada.

A primeira coisa a reconhecer é que sintonias destas não são fáceis de alcançar, em particular, em matérias tão sensíveis e tão numéricas. Deste ponto de vista, as coisas pareciam ir bem encaminhadas. Todavia, o presidente da associação acrescentou duas observações que me inquietaram.
Primeira observação: «Para serem atingidas estas metas deveriam ser simplificados os programas do ensino básico, já que muitas vezes as matérias cruzam-se entre disciplinas e os alunos aprendem coisas sem utilidade». Abstraindo-nos da fundamentação um pouco tosca, vemos que o presidente da associação toca numa questão fundamental (ainda que toque por defeito, porque o problema não se circunscreve ao ensino básico): a revisão dos programas. Uma revisão, a sério, de todos os programas e, já agora, uma revisão, a sério, da estrutura curricular. Uma revisão que faça uma limpeza da imensa tralha programática que prolifera em quase todas as áreas e que faça uma efectiva redução do número de disciplinas que constituem o monstruoso currículo do 2.º e 3.º ciclos.
Pena é que estes directores não se tivessem batido por isto, durante os quase cinco anos de mandato da ministra anterior, em lugar de terem sido, com raras excepções, tão diligentes na concretização das barbaridades legislativas de Lurdes Rodrigues. Agora que pressentem que lhes serão pedidas responsabilidades pelas anunciadas metas, apressam-se a dizer que sim, mas que, primeiro, é necessário criar condições. Para a avaliação do desempenho dos outros professores (que a deles, recorde-se, não se realizou — o desempenho dos directores não foi avaliado, o que houve foi uma vergonhosa classificação do currículo, e nada mais) não reclamaram que era necessário, primeiro, criar condições. Da parte da maioria deles, nem sequer isso se ouviu.

A segunda observação, do presidente da associação, que me deixou inquieto foi: «É necessária uma verdadeira política de formação contínua de professores. Nenhuma actividade pode atingir metas e objectivos sem uma política de formação contínua. É preciso formação em muitas áreas.»
Há indivíduos que têm sono profundo, mas que acordam quando a água fria lhes chega aos pés. Falta formação?! Confesso admiração pelo achado. Já agora, e apenas por uma questão de curiosidade: na sua escola, sr. presidente da associação, os professores que têm exercido e que vão exercer as funções de avaliadores têm formação para o fazer? Não têm, pois não? Não. Denunciou isso publicamente? Combateu contra isso publicamente? Enquanto presidente dessa associação, já a mobilizou para contestar publicamente a vergonha, a farsa, a fraude que é a avaliação do desempenho que tem sido feita e vai continuar a fazer-se? Considera o sr. presidente que é possível avaliar professores com seriedade, rigor e justiça sem que haja uma formação séria, de média e longa duração, dos avaliadores, conforme o determinou o Conselho Científico para a Avaliação dos Professores (que, curiosamente, o fez quando era presidido pelo, agora, secretário de Estado da Educação)?
O sr. presidente da associação e quem o senhor representa têm andado onde e a fazer o quê? Como é que o senhor não se indigna, não se revolta e pactua com o escândalo que é a (pseudo) avaliação do desempenho docente?

Regressando às metas do Governo para o sucesso educativo, temos, então, de perguntar ao sr. presidente da associação: se a alteração dos programas e dos currículos está por fazer e a formação, a sério, leva anos a realizar, e se considera, como diz, que se trata de condições para que os objectivos governamentais sejam alcançados, como é que as metas são exequíveis para 2015? Ou as metas são exequíveis sem nenhuma daquelas condições? Todavia, se são exequíveis sem as tais condições, por que razão já não foram alcançadas? O que é que há de novo para que estas metas sejam exequíveis, a partir de agora?

Nota final. A minha concepção de Escola e de Educação está muito longe deste snob paradigma que confunde um espaço educativo com uma fábrica de porcas e parafusos, que gere a Educação com uma folha de Excel, que acredita nas «evidências» como sustentáculo de uma avaliação objectiva, que reduz a didáctica ao didactismo dos quadros interactivos e dos Magalhães, que descobriu no desenvolvimento tecnológico a essência e o sentido da vida.
Todos os anos, as minhas metas, como professor, e as metas dos meus alunos são sempre, e só podem ser, de 0% de insucesso. Não tenho, nenhum professor tem, metas de insucesso de 10, 15 ou 20%. As nossas metas são sempre de zero por cento. É para isso que todos trabalhamos, é para isso que todos temos a obrigação profissional e ética de trabalhar. Por vezes conseguimos atingir o objectivo do sucesso total, outras vezes não conseguimos. Por vezes ficamos satisfeitos, nós e os alunos, porque conseguimos; outras vezes ficamos insatisfeitos, nós e os alunos, porque não conseguimos. Por vezes ficamos perto, por vezes ficamos longe, mas a energia e o empenhamento com que partimos são sempre os mesmos, só podem ser sempre os mesmos. Não tenho, nem nunca terei, outro modo de trabalhar.

O insucesso não aumenta nem diminui só porque há uma ministra ou um governo que se lembram de decretar que o insucesso vai ser no máximo x e porque há uns directores que acham que o x é exequível. Nós, professores, não fabricamos máquinas, nem moldes, nem alicates, de modo a podermos dizer que no próximo ano vamos fabricar mais 3 ou 4% do que no ano anterior. Nós trabalhamos com pessoas, com crianças e jovens, que têm uma história pessoal única, que têm características pessoais únicas, que não são susceptíveis de serem introduzidas em frezadoras ou em rectificadoras ou em limadoras.
As metas educacionais não são metas de produção, são metas de formação. Nós, professores, não produzimos em série, formamos pessoas. Qualquer estatística acima de 0% de insucesso é má, porque representa, no mínimo, o insucesso de uma pessoa. Naquilo que cabe à escola e a cada professor individualmente, a meta é, sempre foi e sempre será, de zero por cento.
Cumpra o Governo a parte que lhe cabe que dará, certamente, um contributo muito significativo para a diminuição das taxas de insucesso e de abandono escolar. Pare o Governo de trabalhar para a fotografia, para o vídeo ou para o microfone e dedique-se a trabalhar com seriedade para o país e para os portugueses.
Cumpra cada um a parte que lhe compete que, se assim for, o sucesso dos nossos alunos será elevado, seguramente.