António Vilarigues, militante do Partido Comunista, escreve regularmente no jornal Público. Apresenta-se como especialista em Sistemas de Comunicação e Informação. Normalmente não o leio, há muito que desisti, mas, na passada sexta-feira, li-o. Não resisti ao panegírico contido no seu artigo intitulado «A Festa do Avante! chateia...».
Esse artigo terminava com uma adivinha: o leitor deveria adivinhar o que naquele texto foi escrito por ele, Vilarigues, e o que foi escrito «(in)voluntariamente» (sic) por Miguel Esteves Cardoso (MEC). Para sabermos a solução da adivinha deveríamos consultar um artigo de MEC, publicado na revista Sábado, há cerca de três anos, ou consultar na net o blogue de Vilarigues, onde estão os dois textos reproduzidos, o de MEC e o dele próprio, e compará-los.
Vilarigues deve pensar que não temos mais nada para fazer, e, no meu caso, pensou bem, porque acabei por me dar a esse inútil e estúpido trabalho. Explico porquê.
Aquilo que Vilarigues pensa da Festa do Avante! não me interessa, já o sei antes de o ler, e o que Esteves Cardoso pensa já eu o sabia, porque tinha lido, na altura, o seu texto e não pretendia voltar a lê-lo (tenho, aliás, a vaga reminiscência de, à época, ter achado que a reportagem de MEC sobre a Festa do Avante! era típica de alguém que, nunca tendo militado num partido comunista, se considerava, todavia, possuído de uma superlativa intuição que lhe permitia, depois de duas passeatas pelo recinto da Festa, acreditar que tinha captado a essência espiritual da mesma e até a própria essência espiritual dos comunistas. E como, no momento em que escreveu a reportagem, MEC deveria estar particularmente eufórico e com o dia a correr-lhe de feição, considerou de bom tom dizer que tudo o que viu na Festa foi belo, foi cintilante, foi transparente, foi atraente, foi diferente e foi fantástico. Adiante).
Sendo assim, não querendo eu ler um nem reler outro, por que razão fui comparar os dois textos? Para não errar na atribuição da autoria desta frase inscrita no tal artigo do Público: «Os comunistas não se limitam a acreditar que a história lhes dará razão: acreditam que são a razão da própria história.»
Se olharmos somente para a arrogância da frase e de quem a escreve (Vilarigues), encolhemos os ombros e seguimos em frente. Mas se olharmos para o que ela representa, já não podemos prosseguir sem antes lavrar protesto.
Acreditar que a história humana tem leis mais ou menos semelhantes às leis da Natureza e acreditar que Marx descobriu a ciência que explica essas leis é uma fé tão respeitável como qualquer outra, todavia, acreditar que «os comunistas são a razão da própria história», isso nem as testemunhas de Jeová, nem os mormons, nem os adeptos de Alá, nem os seguidores de Cristo se atrevem a dizer de si próprios.
Na verdade, não valeria a pena perdermos tempo a comentar esta frase se ela fosse apenas fanfarrona, presunçosa e ridícula, mas o problema é que ela revela o que de mais perigoso há na cabeça de alguns homens: convencerem-se de que são os descobridores e os portadores da Verdade; convencerem-se de que a posse dessa Verdade os coloca acima dos outros homens; convencerem-se de que a posse dessa Verdade lhes induz uma missão a cumprir, e que essa missão a cumprir consiste em conduzir os outros homens ao caminho da Verdade.
Isto é, o perigo reside em que alguns homens fiquem convencidos de que constituem a razão da história e de que isso lhes dá legitimidade para tudo.
Na história, todos os fanatismos, todos os totalitarismos e todos os moralismos partiram dessa premissa.