sábado, 17 de julho de 2010

Ao sábado: momento quase filosófico


A propósito de sistemas de imortalidade

«A via de ganhar dinheiro oferece mais uma forma popular para simular a imortalidade: fazer uma doação a uma instituição imortal, com sorte uma que que exalte o nome do benemérito na fachada de um edifício, ou esquecer o intermediário e construir um monumento para si próprio.
Porém, antes de presumires que o teu voto de pobreza (ou pelo menos de um salário médio) te livrará, pensa melhor, diz Becker. Provavelmente, continuarás à procura de um objectivo material que te leve a acreditar que andas cá para todo o sempre. Digamos que te esforças por "estar na moda", "ser santo" ou "definir tendências" — é a mesma coisa. Continuas a ter a Grande Ilusão de que estás a ser mais esperto do que o Anjo da Morte, ao adoptar um papel que transcende a tua individualidade insignificante e assustada e te torna "maior que a vida"... e a morte.
Segundo Becker, defendemos estas diferentes ilusões simplesmente porque somos civilizados. Praticamente todas as civilizações desenvolveram um sistema partilhado de imortalidade. Na verdade, esses sistemas são a função básica de uma cultura. Sem eles, ficaríamos doidos com a angústia existencial da morte e a nossa civilização não continuaria a desenvolver-se. Voltaríamos à lei da selva. A negação da morte é a estratégia de sobrevivência da civilização!
É mais fácil manter uma ilusão se a partilharmos com outros na nossa cultura, ou, melhor ainda, dentro da nossa própria casa. Repara na ilusão partilhada por Clara e o marido.
Clara foi a um psiquiatra e disse:
— Doutor, tem de fazer alguma coisa em relação ao meu marido... ele pensa que é um frigorífico!
— Se fosse a si, não me preocupava muito — replicou o médico — Muitas pessoas têm ilusões inofensivas. Vai passar.
— O doutor não está a perceber — insistiu Clara. — Ele dorme com a boca aberta e a luzinha não me deixa dormir.»
Thomas Cathcart, Daniel Klein, Heidegger e um Hipopótamo Chegam às Portas do Paraíso, pp.26-28.