sexta-feira, 16 de julho de 2010

Fragmenti veneris diei

«Em Junho morreu Emilia Mena Mena. O seu corpo foi encontrado na lixeira clandestina próxima da Rua Yucatecos, para os lados da fábrica de tijolos Hermanos Corinto. No relatório forense é dito que ela foi violada, esfaqueada e queimada, sem especificar se foram as facadas ou as queimaduras a causa da morte, e também sem especificar se no momento das queimaduras Emilia Mena Mena já estava morta. Na lixeira onde foi encontrada ocorriam constantes incêndios, a maior parte deles voluntários, outros fortuitos, por isso não se podia descartar que as calcinações do corpo fossem devidas a um fogo desse género e não à vontade do homicida. A lixeira não tem nome oficial, porque é clandestina, mas tem, isso sim, um nome popular: chama-se El Chile. Durante o dia não se vê vivalma em El Chile nem nos baldios circundantes que a lixeira não tardará a engolir. De noite aparecem os que nada ou menos de nada têm. Na Cidade do México chamam-lhes teporochos, mas um teporocho é um menino rico bon vivant, um cínico reflexivo e humorista, comparado com os seres humanos que pululam, solitários ou aos pares, por El Chile. Não são muitos. Falam um jargão difícil de perceber. A polícia fez uma rusga na noite seguinte à descoberta do cadáver de Emilia Mena Mena e só conseguiu prender três crianças que andavam no lixo a remexer nos cartões. Os habitantes nocturnos de El Chile são muito poucos. A sua esperança de vida, curta. Morrem, no máximo, sete meses depois de terem começado a andar na lixeira. Os seus hábitos alimentares e a sua vida sexual são um mistério. É provável que se tenham esquecido de comer e de foder. Ou que a comida e o sexo já sejam para eles outra coisa, inalcançável, inexprimível, algo que fica fora da acção e da verbalização. Todos, sem excepção, estão doentes. Tirar a roupa a um cadáver de El Chile equivale a esfolá-lo. A população permanece estável: nunca são menos de três, nunca são mais de vinte.»
Roberto Bolaño, 2666, pp. 430-431.