sábado, 3 de julho de 2010

Ao sábado: momento quase filosófico


A propósito da Vida e da Morte

«Somos as únicas criaturas que percebem que vão morrer e também somos as únicas criaturas que se imaginam a viver eternamente. É essa combinação que nos enlouquece. A morte assusta-nos imenso. E uma vida que não tem um destino claro — excepto um precipício — parece desprovida de sentido. É indubitavelmente por isso que a mortalidade humana está ligada às questões fundamentais da filosofia.
Questões como: qual o sentido da vida — especialmente se vai tudo terminar um dia? Em que medida é que a consciência que temos da morte deveria afectar a forma como vivemos as nossas vidas? A vida teria uma importância radicalmente diferente se vivêssemos eternamente? Após um milénio ou dois seríamos subjugados pelo tédio existencial e desejaríamos um fim para tudo?
Temos almas? E, se sim, elas sobrevivem aos nossos corpos? De que são feitas? A tua é melhor que a minha?
Existe outra dimensão do tempo que elimina o ciclo da vida e da morte? É possível "viver eternamente" se vivermos sempre no momento presente? O céu é um lugar no tempo e no espaço? Se não, onde e quando é? E quais são as probabilidades de chegarmos lá?
Foram questões deste género que nos levaram a inscrever-nos nos nossos primeiros cursos de filosofia há cerca de cinquenta anos. [...]
Entretanto, o tempo continuou a passar e nós vamos morrer à mesma. Acabámos por voltar a essas Grandes Questões em cursos de metafísica e teologia, ética e existencialismo.
Porém, surgiu imediatamente outro obstáculo: considerar honestamente a hipótese da nossa própria morte assustou-nos de morte. Não conseguíamos olhar a Morte nos olhos sem, bem, sem medo e sem tremores. Mas também não conseguíamos desviar os olhos. Morte: é impossível viver com ela, mas é impossível viver sem ela.
O que é que podemos fazer?
Que tal contar uma piada? Mal não fará.
Millie acompanhou o marido, Maurice, ao consultório do médico. Depois de fazer um exame completo a Maurice, o médico pediu para falar a sós com Millie.
— O senhor Maurice sofre de uma doença grave causada por stress extremo — disse ele. — Se não fizer o que vou dizer-lhe, o seu marido morrerá. Acorde-o todas as manhãs com um grande beijo e depois prepare-lhe um pequeno almoço saudável. Seja sempre agradável e certifique-se de que ele está sempre bem-disposto. Cozinhe apenas os pratos que ele prefere e deixe-o descansar depois das refeições. Não o sobrecarregue com tarefas e não discuta os seus problema com ele; isso só contribuirá para o agravamento do problema. Não discuta com ele, mesmo que ele a critique ou goze consigo. Tente descontraí-lo à noite fazendo-lhe massagens. Convença-o a ver todos os desportos que ele puder na televisão, mesmo que isso implique perder os seus programas preferidos. E, mais importante, todas as noites, depois do jantar, faça o que for preciso para satisfazer todos os desejos dele. Se fizer tudo isto nos próximos seis meses, penso que o senhor Maurice poderá recuperar completamente a saúde.
A caminho de casa, Maurice perguntou a Millie:
— Que é que o médico disse?
— Disse que vais morrer.»
Thomas Cathcart, Daniel Klein, Heidegger e um Hipopótamo Chegam às Portas do Paraíso, pp.12-14.