quarta-feira, 7 de julho de 2010

Um belo retrato...

A direcção do jornal Público não resistiu ao facilitismo de «falar pela rama» e acabou a fazer o papel do ingénuo útil. Neste caso, útil à propaganda governamental e à política de faz-de-conta.
A direcção editorial daquele jornal considerou pertinente tecer elogios— e considerou-se avalizada para os fazer — ao programa Novas Oportunidades, que se resumem nesta frase categórica: «dificilmente se poderá deixar de concluir que o Novas Oportunidades deu um belo retrato da sociedade portuguesa.» Os editorialistas fundamentaram esta frase assim: «é óbvio que o simples facto de o Novas Oportunidades mostrar que há 1,2 milhões de pessoas dispostas a perder tempo no regresso à escola é um facto que merece ser enaltecido.»
Mas a realidade não é fácil de torcer e os mesmos que escreveram esta frase conclusiva também escreveram uma outra, no mesmo texto: «Houve, claro, muitos, talvez até uma grande parte, que o fizeram com displicência, na tentativa de obter um grau académico sem esforço nem conteúdo; mas houve também dezenas de milhares de pessoas que encararam o desafio com seriedade [...].» (o negrito é meu).
Vamos admitir que, segundo os cálculos destes jornalistas (que não explicam, em nenhuma parte, como os realizaram), essas dezenas de milhares foram dez, atingindo o pleno de cem mil. — se fossem mais de dez dezenas, certamente que os autores do texto teriam utilizado a expressão «centena de milhar» ou «centenas de milhar». Admitamos, então, que foram cem mil aqueles que se dedicaram com seriedade ao estudo. Sobra 1,1 milhão, a tal «grande parte», de pessoas que se inscreveram para «obter um grau académico sem esforço nem conteúdo».
Portanto, 1,1 milhão de portugueses — ou que seja mesmo um milhão, para a coisa ficar arredondada por defeito, — inscreve-se nas Novas Oportunidades para obter uma falcatrua, que tem o beneplácito do Governo, e os jornalistas da direcção do Público consideram que isto dá um belo retrato da sociedade portuguesa!
Há qualquer coisa neste país que, definitivamente, está a fazer com que se instale o delírio colectivo.